Casamentos inter-raciais nos Estados Unidos e a luta pelas ações afirmativas
Rogério Tadeu Romano
A segregação racial nos Estados Unidos, como um termo geral, inclui a segregação baseada em discriminação racial em instalações públicas e privadas, serviços e oportunidades (a moradia, cuidados médicos, educação, emprego e transporte). A expressão é aplicada em situações onde a separação de raças (principalmente para com os afro-americanos) foi imposta de forma legal (no âmbito da lei) ou por imposição social. Ela é também aplicada para situações normais de discriminação e racismo pela comunidade branca contra os não-brancos.
Além das separações físicas e de provisões em instalações públicas e privadas (especialmente durante a era Jim Crow), o termo é amplamente usado para as barreiras legais de discriminação racial, que inclusive afetavam instituições governamentais. Por exemplo, nas forças armadas dos Estados Unidos até a década de 1950, negros possuíam quartéis e locais de treinamento separados dos brancos. Além disso, era proibido para eles ascender a alguma patente de oficial, criando unidades de afro-americanos liderados por oficiais superiores brancos. No âmbito civil, áreas públicas como ônibus, salas de atendimento, lavanderias, parques e filas para serviços públicos, além de escolas e faculdades, eram segregados racialmente.
O racismo é uma forma de pensamento que teoriza a respeito da existência de seres humanos divididos em ‘raças’, em face de suas características somáticas, bem como conforme sua ascendência comum. A partir dessa separação, apregoa a superioridade de uns sobre outros, em atitude autenticamente preconceituosa e discriminatória.
Em 12 de junho de 1967, a Suprema Corte revogou uma lei do estado de Virgínia que proibia o casamento inter-racial. Outros 16 estados tiveram de acatar a decisão.
O caso “Loving versus Virginia”, como a denominação “Loving Day” para a data comemorativa, não se referem a amor. Era o sobrenome do casal formado pelo homem branco Richard Loving e pela mulher negra Mildred Loving.
A história do processo e do amor proibido foi contada no filme Loving, de 2016, escrito e dirigido por Jeff Nichols e protagonizado por Joel Edgerton e Ruth Negga. O filme já ganhou cinco prêmios, obteve um segundo lugar e recebeu indicações para outras 17 premiações, incluindo Oscar, Festival de Cannes e Globo de Ouro.
A decisão “histórica”, de 1967, colocou um fim na proibição do casamento entre pessoas de cores diferentes. E, curiosamente, foi um dos fundamentos para a decisão de 2015, que legalizou o casamento gay. O princípio da igualdade garantiu tanto o casamento de pessoas de raças diferentes como o de pessoas do mesmo sexo.
Uma das bases da democracia é o respeito às escolhas e modos de ser diferentes. Não se pode impor religião, opção filosófica, política, vocação, casamento a outrem. É o que Benjamin Constant chamou de “liberdade moderna”, numa conferência de 1819.
Veja-se o caso dos casamentos inter-raciais, como se lê de Leis Antimestiças:
Nos Estados Unidos, leis antimestiças, antimiscigenação, também conhecidas como leis de miscigenação (miscegenation law), foram leis que baniram casamentos inter-raciais, e às vezes sexo inter-racial, entre brancos e membros de outras 'raças'. Neste país, o casamento, a coabitação e o sexo inter-racial foram denominados, desde 1863, de "miscegenation". O uso atual do termo "miscegenation" é menos freqüente. Nos Estados Unidos, leis contra casamento e sexo inter-racial existiram e foram impostas nas Treze Colônias do final do séc. XVII em diante, e subsequentemene em diversos estados e territórios norte-americanos até 1967. Leis similares também foram impostas na Alemanha nacional-socialista, de 1935 até 1945, e na África do Sul durante a era do "apartheid", de 1949 a 1985.
O termo "miscegenation", uma palavra inventada por jornalistas norte-americanos para desacreditar o movimento abolicionista e conduzir o debate para a questão dos casamentos entre pessoas brancas e negras após a abolição da escravidão, foi moldado pela primeira vez em 1863, durante a Guerra da Secessão. Porém, as leis das Treze Colônias banindo os casamentos entre brancos e pretos foram estabelecidas desde os final do séc. XVII.
Nos Estados Unidos, leis antimestiças foram aprovadas nos diversos estados. Tipificando a miscigenação como um crime, estas leis proibiram a realização e oficialização de casamentos entre pessoas de diferentes "raças". Às vezes aqueles que tentavam se casar não eram acusados de miscigenação, mas acusados do crime de adultério ou de fornicação. As "anti-miscegenation laws" baniram os casamentos de brancos e não-brancos, especialmente pretos, mas freqüentemente também com ameríndios e asiáticos. Em muitos estados a coabitação e as relações sexuais entre brancos e não-brancos também foram criminalizadas. O estado do Oklahoma, em 1908, baniu o casamento "entre uma pessoa de descendência africana" e "qualquer pessoa sem descendência africana". Em 1932, os estados do Kentucky e da Louisiana baniram os casamentos entre ameríndios e afro-americanos. Embora as leis antimestiças foram freqüentemente tidas como um fenômeno do Sul dos EUA, muitos estados do Norte tinham também leis contra a miscigenação.
Embora emendas antimestiças tenham sido propostas no Congresso dos Estados Unidos em 1871, 1912-1913 e em 1928, uma lei de âmbito nacional contra casamentos inter-raciais nunca foi aprovada. Do séc. XIX aos anos da década de 1950, a maioria dos estados norte-americanos aprovaram leis antimestiças. De 1913 a 1948, 30 dos até então 48 estados o fizeram. Em 1967, a Suprema Corte dos Estados Unidos por unanimidade determinou no caso Loving versus Virgínia que leis antimestiças eram inconstitucionais. Com esta decisão, estas leis não mais tiveram vigência nos 16 estados onde até então elas vigoravam.
A revogação de todas as leis contra casamentos inter-raciais ocorreu apenas após um casal da Virgínia, Richard e Mildred Loving, iniciar uma batalha legal em 1963 pela invalidação da lei antimestiça que os proibia de conviver como um casa em seu estado natal da Virgínia. Os Lovings foram apoiados pelo fundo de defesa da NAACP, pela Liga dos Cidadãos Nipo-Americanos e por uma coalisão de bispos católicos.
Em 1958, Richard e Mildred Loving haviam casado em Washington, no Distrito de Columbia, a afim de evitar uma leis antimestiça da Virgínia (o Racial Integrity Act). Tendo retornado à Virgínia, eles foram presos quando estavam seu leito por estarem vivendo como um casal inter-racial. O juiz suspendeu sua sentença sob a condição de que os Living deixassem a Virgínia e não retornassem em 25 anos. Em 1963, os Loving, que haviam ido residir em Washington, decidiram apelar da decisão. Em 1965, o juiz da corte de triagem da Virgínia, Leon Bazile, que cuidou do seu caso, recusou reconsiderar sua decisão. Em vez disso, ele defendeu a segregação racial, registrando:
"O Deus Todo-Poderoso criou as raças branca, preta, amarela e vermelha e as colocou em continentes separados. Senão por interferência em seu arranjo não haverá causa para tais casamentos. O fato dele ter separado as raças mostra que ele não pretendia que raças se misturassem".
Os Loving então levaram o seu caso à Suprema Corte da Virgínia, que invalidou a sentença original, mas apoiou o Racial Integrity Act. Finalmente, os Loving recorreram à Suprema Corte dos Estados Unidos. A corte, que havia previamente evitado cuidar de casos de miscigenação, concordou em ouvir a apelação. Em 1967, 84 anos após o caso Pace versus Alabama de 1883, a Suprema Corte decidiu por inanimidade que:
"O casamento é um dos 'direitos civis básicos de um homem", fundamental para nossa real existência e sobrevivência... Para negar esta liberdade fundamental sobre uma base insustentável como classificações incorporadas nestes estatutos e classificações tão diretamente subversivas ao princípio de igualdade no coração da Décima Quarta Emenda, é certamente privar todos os cidadãos do Estado da liberdade sem o devido processo legal. A Décima Quarta Emenda requer que a liberdade de escolha para casar não seja restrita a discriminações raciais individuais. Sob a Constituição, a liberdade de casar, ou não casar, com uma pessoa de outra raça reside no indivíduo e não pode ser infringido pelo Estado".
A Suprema Corte condenou a lei antimestiça da Virgínia como "feita para manter a supremacia branca" ("designed to maintain White supremacy").
Em 1967, 17 estados sulistas (todos os antigos estados escravistas mais o Oklahoma) ainda aprovaram leis proibindo casamentos entre brancos e não-brancos. Maryland rovogou a sua lei como resposta ao início dos procedimentos na Suprema Corte. Após a determinação da Suprema Corte, as leis remanescentes não tiveram mais efeito. Apesar disso, demorou até 1998 para a Carolina do Sul e até 2000 para o Alabama oficialmente emendar suas constituições estaduais removendo passagens proibindo a miscigenação. Em referendos, 62% dos votantes da Carolina do Sul e 59% do Alabama votaram a favor da remoção dessas leis.
O futuro, no entanto, lhes reservou um duro golpe. Em 1975, um motorista bêbedo atropelou ambos, matando Richard, que então tinha 41 anos, e fazendo com que Mildred perdesse o olho direito.
A mulher faleceu em 2 de maio de 2008 em sua casa em Central Point por uma pneumonia.
Um ano antes de morrer, em 2007, nas comemorações dos 40 anos da decisão da Suprema Corte, Mildred publicou um comunicado em que lembrava seu romance com Richard e pedia a legalização do casamento entre as pessoas do mesmo sexo, então proibido em quase 20 estados do país.
"Acredito que todos os americanos, sem importar a raça, sem importar o sexo, sem importar a orientação sexual, deveriam ter a mesma liberdade para se casar", declarou então Mildred.
Até recentemente, em Estados como o da Geórgia, era necessário responder a pergunta sobre raça, para se poder casar.
Os ministros conservadores John Roberts (presidente da corte), Samuel Alito, Antonin Scalia (falecido) e Clarence Thomas são contra o casamento gay, sob a interpretação de que “votaram contra a igualdade”– e assim ficarão na história. E que os ministros liberais Stephen Breyer, Ruth Bader Ginsburg, Elena Kagan e Sonia Sotomayor, com o voto decisivo do ministro conservador Anthony Kennedy, “estabeleceram a conexão entre casamento e liberdade”.
Deve-se pensar numa sociedade plural e democrática que exija a participação formal, material e sobretudo procedimentalmente igualitária no tocante ao tratamento estatal e sua divisão social de oportunidades.
Surgem as chamadas ações afirmativas.
As ações afirmativas são discriminações lícitas que podem amparar, resgatar, fatia considerável da sociedade que se vê tolhida no direito fundamental de participação da vida pública e privada.