CARANDIRU: UMA ANÁLISE SOBRE A CONDIÇÃO HUMANA NA INSTITUIÇÃO PRISIONAL E A LESÃO DOS DIREITOS HUMANOS

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O presente trabalho foi inspirado no livro “Estação Carandiru” e no documentário “Deus e o Diabo em cima da muralha”, que retratam a situação desumana em que viviam os encarcerados na extinta casa de detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru.

RESUMO

O presente trabalho foi inspirado no livro “Estação Carandiru” e no documentário “Deus e o Diabo em cima da muralha”, que retratam a situação desumana em que viviam os encarcerados na extinta casa de detenção de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru. Além disso, o trabalho procura ressaltar, mesmo que indiretamente, que as situações vividas na casa de detenção ainda são visualizadas em diversas cadeias no Brasil, que vive em crise com o sistema prisional. A lesão de direitos fundamentais, bem como o não cumprimento de garantias constitucionais que ocorre dentro de cadeias nunca foi resolvido, mesmo após o massacre ocorrido em vários centros prisionais. Explicitando-se, ao final, a necessidade dos direitos humanos dentro dos presídios, bem como programas de ressocialização dos presos para que consigam oportunidades de emprego e de vida legal após o cumprimento de suas penas. 

Palavras-chave: Carandiru; Direitos Humanos; Sistema Prisional; Direitos Fundamentais; Princípio da vedação do retrocesso social; Aplicabilidade.

ABSTRACT

The present work was inspired by the book "Carandiru Station" and the documentary "God and the Devil on the Wall", which portrays the inhuman situation in which the prisoners lived in the defunct São Paulo detention house, popularly known as Carandiru. Moreover, the work tries to emphasize, even indirectly, that the situations lived in the house of detention, are still visualized in several chains in Brazil, that lives in crisis with the prison system. The violation of fundamental rights, as well as the failure to comply with constitutional guarantees that occurs within jails, has never been solved, even after the massacre occurred in several prisons. In the end, the need for human rights within prisons is explained, as well as programs for the re-socialization of prisoners in order to obtain opportunities for employment and legal life after serving their sentences.

Key-words: Carandiru; Human rights. Prison System; Fundamental rights. Non-Social Regression Principle. Applicability.

INTRODUÇÃO

Os modelos democráticos existentes no mundo sempre trouxeram em seu escopo atos normativos que tutelam as condutas humanas conflitantes com os padrões éticos e morais daquela sociedade. Por conseguinte, tais condutas são passíveis de sanção para quem as descumpre, porém, a esses indivíduos, condenados a privação de sua liberdade, é dada a oportunidade de se reinserir socialmente, além do que, também lhes é garantido, durante o cumprimento da pena, a proteção e garantia de seus direitos fundamentais, assim como aduz nossa Constituição Federal. A atuação normativa estatal aprovou diversas normas em matéria de direito penal, tipificando condutas e arbitrando penas privativas de liberdade conforme cada especificação delituosa. 

Esse trabalho foi inspirado no livro “Estação Carandiru” e no Documentário “Deus e o diabo em cima da muralha”, ambos tratam da situação desumana em que viviam ao encarcerados da extinta Casa de Detenção de São Paulo, conhecida popularmente como Carandiru. Enquanto no livro, escrito pelo médico Dráuzio Varella, que trabalhou na casa de detenção por dez anos, trata das histórias de presos e situações que o médico viveu na cadeia, o documentário de Tocha Alves e Daniel Lieff traz relatos de carcereiros e de outros funcionários que estiveram em “Carandiru”, contando inclusive com a participação do médico antes referido, além de retratar a organização visual do ambiente interno da cadeia, seu funcionamento e suas condições extremamente precárias para agrupar um grande volume de pessoas.

1 - ESTAÇÃO CARANDIRU E DEUS E O DIABO EM CIMA DA MURALHA

De início, cumpre salientar a importância das obras “Estação Carandiru” e “Deus e o Diabo em cima da muralha” para a elaboração deste artigo, tendo em vista que após a leitura e a sessão, desenvolveu-se um estudo para o melhor recorte e compreensão dos direitos humanos e esses são alvos de violações constantes.

Isto posto, a aplicabilidade do documentário e do livro na sociedade expõe os funcionários da antiga instituição prisional, como o médico Dráuzio Varella, e todo o descaso do poder público diante dos presos e das condições degradantes as quais eram expostos. 

O presente trabalho demonstra a lesão aos direitos humanos na antiga casa de detenção de São Paulo, e elenca os fatos acontecidos em seu interior, como a falta de preparo de quem trabalha nas penitenciárias, a falta de organização do sistema prisional em si e, claro, expõe ainda mais as desigualdades sociais existentes no Brasil. A casa de detenção Carandiru foi fechada e  implodida, mas os relatos em “Estação Carandiru” e em “Deus e o diabo em cima da muralha”, ainda é a realidade das penitenciárias espalhadas pelo nosso país. O tempo passa, mas Carandiru, continua viva em muitas outras cadeias.  

Os presos, têm uma total falta de amparo dentro da cadeia, no que diz respeito a todo e qualquer cuidado básico que respeite o princípio da dignidade da pessoa humana, essa situação causa um quadro de total liberdade de ações dentro da instituição, sem que esses sejam controlados efetivamente. Além disso, os prisioneiros continuam a exercer suas atividades dentro da cadeia, como por exemplo, chefiando gangues, ditando ordens e acertando contas, tudo isso por conta da falta de organização do próprio sistema, que dificulta a figura da reeducação, associado a isso a realidade de violência tanto por parte dos presos como de alguns funcionários só gera mais revolta que se estende para outras áreas. 

Para facilitar a compreensão do tema, foram usados o livro “Estação Carandiru” e documentário “Deus e o diabo em cima da muralha” como meio documental para expor e entender às lesões aos direitos humanos sofridas pelos presos. A utilização de relatos e entendimento visual (pelo documentário), ajudaram a construir a realidade vivida pelos presos e o ponto de vista dos funcionários, proporcionando uma imersão da vida na Casa de Detenção de São Paulo. Além disso, no livro, há muito o enfoque em histórias de vida de detentos, ajudando a compreensão de como a desigualdade social brasileira proporciona a inevitabilidade de crimes e, portanto a crise do sistema prisional. “...um dos diretores, cadeeiro de muitos anos, afixou uma placa de cobre: ‘É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar na Casa de Detenção’.” (Varella, 1999).  

Um dos relatos no livro de Dráuzio é sobre tal frase pendurada sob uma placa de cobre na sala do diretor-geral de Carandiru, com uma crítica à sociedade brasileira e sua relativização da justiça, quando pobres são presos aos montes ainda que sem julgamento e ricos são, na maioria das vezes, absolvidos de seus crimes. Tanto o livro “estação Carandiru” como o documentário “Deus e o diabo em cima da muralha”, tratam das condições e histórias de presos, em sua esmagadora maioria negros e pobres, pessoas que entraram no mundo do crime por não conseguir sustentar sua família com baixos ou nenhum salário, e que tiveram histórias familiares conturbadas, sem auxílio nenhum, realidades paralelas para pessoas ricas ou de classe média.  

O sistema prisional, a privação ao direito de liberdade, deveria conduzir à ressocialização dos encarcerados, mas no Brasil, a forma como as cadeias são administradas, com uma intensa desorganização, traz um cenário completamente diferente, gerando, muitas vezes, revolta. Em se tratando também da falta de organização na casa de detenção, Dráuzio relata em seu livro sobre a alta taxa de reincidência, por presos que aprenderam, se “especializaram” em crimes maiores dentro de Carandiru. “Ao lado de ladrões primários condenados a poucos meses, ali cumprem pena criminosos condenados à mais de um século.” (Varella, 1999). 

Os maus tratos sofridos diariamente pelos encarcerados e o massacre acontecido em 1992, mostram a total falta de preparo tanto de carcereiros, como de policiais para lidarem com os presos, dificultando sua ressocialização completamente. 

“O pavilhão cinco é o mais abarrotado da cadeia, moram ali 1600 homens, o triplo do que o bom-senso recomendaria para uma cadeia inteira.” (Varella, 1999). A superlotação dos presídios é diretamente proporcional com a quantidade de revoltas acontecidas nele, nenhum ser humano deveria estar sujeito a passar pelas situações de superlotação contadas no livro, como encarcerados fazendo rodízio para dormir enquanto outros ficavam em pé, pois não havia espaço. 

No documentário os relatos de carcereiros e de outros funcionários, trazem a realidade de seus trabalhos, as dificuldades sofridas por eles para lidar com a “malandragem”. Em um dos relatos, um antigo diretor, “Seu Luizão”, fala sobre a importância de não bater em um preso e tratá-lo com respeito, para a sua recuperação, mostrando-o que seu comportamento ditava os privilégios, como o da visita semanal ou sua ida para castigos. A verdade dita pelo ex-diretor parece pouco conhecida no sistema carcerário brasileiro. Nenhum ser humano deve ser sujeito à tortura, sendo assim, mesmo os privados de liberdade, merecem sua chance de ressocialização, sem maus tratos que gerem revolta 

Portanto, esse trabalho mostrou a vivência dos presos nas cadeias por relatos de funcionários e histórias dos próprios presos, expondo sempre às lesões aos direitos humanos, por falhas no sistema prisional brasileiro como um todo. Carandiru foi um ótimo objeto de estudo, já que foi a cadeia com mais histórias documentadas, facilitando o entendimento de tudo o que acontecia por lá e que é velada em outros cárceres brasileiros.

O fácil acesso à uma significativa quantia de relatos de funcionários e presos do Carandiru, torna claro a realidade das cadeias brasileiras e ajuda a entender o porquê de o Brasil ter taxas tão altas de reincidência prisional.

Pôde-se com esse estudo, construir o entendimento, do que realmente significa os direitos humanos nas cadeias e como ele se aplica no sistema prisional com um todo. Desde presos com falta de julgamento, mas passando pelo mesmo que um condenado, em um ambiente lotado, infestado por doenças até a falta de controle dos funcionários sobre a massa prisional, podem ser observadas falhas no sistema prisional e penitenciário do Brasil desde a sua nascente.    

A questão que o trabalho mais procura abordar é, na realidade, a impossibilidade de reeducação e ressocialização de presos sem eles serem tratados como humanos, falha que o sistema prisional brasileiro nunca conseguiu superar, apesar de o comitê de direitos humanos da ONU, constantemente multar cadeias no País. Apesar de estar bem comum à população brasileira achar que os presos merecem sofrer em cadeias, procurou-se mostrar, com o presente trabalho, a humanidade existente nos encarcerados. O livro “Estação Carandiru”, traz muitas histórias de vida de presos, o que ajuda na compreensão da realidade de como a desigualdade social no Brasil está ligada com o enorme número de crimes acontecidos. 

2 - PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

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    Os direitos sociais são difíceis de serem garantidos principalmente quando se trata de uma sociedade desigual, em um binômio social-econômico, demonstrando uma fragilidade sistemática do Estado como garantidor da ordem pública e fiscalizador de suas normas. Nesse contexto surge o princípio da vedação do retrocesso social que tenta garantir que nenhuma conquista social seja desconstituída, dessa forma, aplicando a realidade dos presídios, vemos que desde a problemática do Carandiru, muito foi mudado em relação a conduta policial em contenção de revoltas a presídios. Muito disso foi avanço por parte de órgãos de direitos humanos que participaram ativamente da punição que o Estado sofreu após o referido episódio, garantindo assim precedentes em matéria de garantias ao direito dos presos. Porém, há muito que se avançar na temática, pois ainda são precárias as condições de infraestrutura e superlotação de presídios, mesmo o Brasil tendo um histórico tão vasto de violações nesse sentido.

3 - DIREITOS HUMANOS E A RESSOCIALIZAÇÃO DE DETENTOS

    

    A ressocialização é garantida no texto constitucional, mas a realidade prática do cárcere gera uma grande dicotomia entre o mundo do “ser” e do “dever ser”. A análise a obra e do documentário acima citados reflete bem como o sistema é feito para simplesmente cumprir com o papel de jus puniendi sem observar as demais implicações e obrigações do Estado para com o indivíduo encarcerado. O sistema punitivo adotado no Brasil consiste em um apanhado de fases, e a reinserção constitui a última delas, e quiçá mais importante, pois garante aquele indivíduo um realocamento social, já que o mesmo cumpriu seu dever frente às regras sociais, “pagou” sua pena e portanto deve voltar ao convívio social, a medida do possível. Mas a realidade prisional é diversa, cheia de percalços e violações, impedindo que esse ciclo seja completo de maneira eficaz, e terminando por reinserir na sociedade um indivíduo muitas vezes mais violento e revoltado, diante do que viveu enquanto privado de sua liberdade.

4 - CONCLUSÃO

O presente trabalho tem por finalidade abordar a realidade prisional brasileira, demonstrando todas as violações aos direitos humanos, e a impossibilidade de reeducação e ressocialização de presos tendo em vista as condições sub-humanas a qual são tratados. Nosso sistema prisional nunca conseguiu sanar as falhas expostas com a problemática do Carandiru, apesar da vigilância permanente do comitê de direitos humanos da ONU que constantemente multa o governo brasileiro pelas situações absurdas das cadeias, que ferem completamente os princípios tutelados pela nossa carta magna e por tratados e acordos internacionais de direitos humanos. 

Por fim, apesar de fazer parte do senso-comum de grande parte da população brasileira que quem comete algum delito deve sofrer dentro das cadeias, o referido artigo pretende quebrar esse paradigma, demonstrando que os encarcerados são humanos e merecem ter suas garantias salvaguardadas. Percebe-se também, um estreito laço entre a desigualdade social e as mazelas dentro das penitenciárias, observando-se que trata-se de parcela marginalizada da população que não têm a atenção dos governantes, e por isso tornam a reincidir. Tudo isso contribui para um ciclo de desigualdades e violência que deve ser compreendido e modificado para que seja efetiva a aplicação dos direitos e construção de uma sociedade de fato isonômica.

5 - REFERÊNCIAS:

DEUS e o Diabo em cima da muralha. Direção de Daniel Lieff, Tocha Alves. Roteiro: Eduardo "dudu" Benaim, Jorge Saad. São Paulo - Sp: Trattoria, Teleimagem, Blackninja Filmes, 2006. Son., P&B.

FIGUEIREDO NETO, Manoel Valente et al. A ressocialização do preso na realidade brasileira: perspectivas para as políticas públicas. 2009. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6301%3E. Acesso em: 10 jun. 2019.

MINEIRO, Mirna Nunes; LIBERATO, Gustavo Tavares Cavalcanti. O Uso do Princípio da Vedação de Retrocesso Social nas Relações Privadas: O Direito Civil Constitucional em face do Descompasso Legislativo frente à Realidade Social. In Direitos e Garantias Fundamentais à luz da Jurisprudência Brasileira: Temas Contemporâneos. FEITOSA, Léa Aragão; PINHEIRO, Paulo Roberto Meyer; RIBEIRO, Sabrina Florêncio (Orgs). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 195-214 (ISBN 9978-85-8440-360-8).

SARLET, Ingo Wolfgang. Nada mais atual que o problema da vedação do retrocesso. Conjur: direitos fundamentais, 24 mar. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-mar-24/direitos-fundamentais-nada-atual-problema-vedacao-retrocesso-social. Acesso em: 08 jun. 2019.

VARELLA, Dráuzio. Estação Carandiru. ed de bolso. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 

Sobre os autores
Pedro Henrique Silva de Sousa

Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR Especialista em Direito e Processo Constitucional e em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará - UFC

Mariana Andrade Nogueira

estudante de relações internacionais

Jordana Cunha Correia Lima

estudante de direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O artigo serve para entender a quebra dos direitos humanos no sistema prisional brasileiro, bem como fazer uma análise crítica da mudança desde o massacre no Carandiru até a atualidade

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