O TRATADO DE MADRI E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Rogério Tadeu Romano
Durante muito tempo discutia-se, diante das expedições realizadas, onde terminavam os domínios de Portugal e onde começavam os de Espanha. Valia ainda o Tratado de Tordesilhas, uma linha imaginária que ninguém sabia com absoluta exatidão onde passava?
Fez-se então um tratado para “que assinalassem os limites dos dois estados, tomando por balizas as paragens mais conhecidas, tais como as origens e os cursos dos rios e dos montes mais notáveis, a fim de que em nenhum tempo se confundissem, nem dessem ensejo a contendas, que cada parte contratante ficasse com o território que no momento possuísse, à exceção das mútuas concessões que nesse pacto se iam fazer e que em seu lugar se diriam”.
Era o ano de 1750 e surgia o Tratado de Madri que iria responder a essas questões.
Por esse Tratado, firmado em 13 de janeiro de 1750, firmou-se que a Espanha ficava com Sacramento, Portugal recebia o território das missões jesuíticas espanholas.
A Colônia de Sacramento tornara-se um entreposto de contrabando, prejudicando o comércio feito por Buenos Aires.
Em 1680, o governador do Rio de Janeiro, Manuel Lôbo, fundou na ilha de São Gabriel e terra firme próxima no estuário do Prata, a Colônia do Sacramento. Ao construir a fortificação, não fazia mais que obedecer às instruções reais.
E assim, Portugal ultrapassaria a linha de Tordesilhas, de forma consciente.
Ao se estabelecer no Prata, Portugal almejava duas coisas: vigiar o comércio de Buenos Aires, o grande centro mercantil da outra margem, à época, e, possivelmente, interceptar o fluxo da prata que vinha do Peru.
Os espanhóis, no entanto, não gostaram da vizinhança e sitiaram Sacramento, cortando-lhe as comunicações. Desesperados com o sítio, os lusos tentaram lutar, mas, sem socorros e alimentos, foram derrotados.
O fracasso da Colônia trouxe consternação aos portugueses e Lisboa exigiu indenização pelos danos. Madri cedeu e foi assinado, em 1681, o Tratado Provisional, pelo qual a Espanha se comprometia a devolver armas, munições e ferramentas apreendidas, bem como os prisioneiros. A colônia ficava com os portugueses. Era um acordo provisório, até que as fronteiras viessem a ser de forma definitiva estabelecidas pelo papa.
Os de Buenos Aires, insatisfeitos, tomaram novamente Sacramento e lá ficaram até 1715. Nesse ano, pelo Tratado de Utrecht, Madri reconheceu que a colônia era terra portuguesa.
O Tratado, obra de Alexandre de Gusmão, é considerado pelos estudiosos admirável. Determinava que sempre haveria paz entre as colônias americanas, mesmo quando as metrópoles estivessem em guerra. Abandonava as decisões tomadas de forma arbitrária nas cortes europeia, por uma visão mais racional das fronteiras marcadas pelos acidentes naturais do terreno e a posse efetiva da terra. O princípio romano de “uti possidetis” deixava de se referir à posse de direito, determinada por tratados, como até então tinha sido compreendido, para se fundamentar na posse de fato, na ocupação do território. As terras que eram habitadas por portugueses foram consideradas portuguesas.
Partindo desses princípios, as fronteiras do Brasil – na verdade, os limites entre os domínios espanhóis e portugueses na América do Sul – ficavam assim determinados pelo Tratado de Madri: linha limítrofe saindo do monte de Castilhos Grande, na costa hoje uruguaia, acompanhava os rios Ibicuí, Uruguai, Iguaçu, Paraná, Igurcí, Paraguai, Guaporé e Madeira. DO meio desse último rio saía uma reta para oeste até as cabeceiras do Javari. Seguindo por esete rio até o Solimões e subindo o Japurá, passava entre as bacias do Amazonas e Orinoco, alcançando a serra de Pacaraima, limite norte brasileiro.
Os jesuítas espanhóis, expulsos das Missões, e os comerciantes impedidos de contrabandear no Prata ficaram insatisfeitos com a execução do Tratado de Madri.
O Marques de Pombal apoiou essas manifestações contrárias ao acordo internacional citado
Para pesquisadores como Mauro Cezar Coelho(Do sertão para o mar: um estudo sobre a experiência portuguesa na América: o caso do Diretório dos Índios (1750-1798). São Paulo: Editora Livraria da Física, 20) e Nádia Farage(As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1991), a assinatura do Tratado de Madri concorreu para o redimensionamento da função dos povos indígenas no processo de manutenção e defesa do território português na América. Tal tratado dialogava com a política pombalina, justamente por resultar de uma estratégia de defesa e consolidação dos limites territoriais. O principal interesse dos portugueses era assegurar os territórios do Mato Grosso e Grão-Pará, potencializando a exploração dos recursos que ali haviam, nos quais se incluía a força de trabalho indígena.
Um novo acordo, o de El Pardo, em 1761, revogou o de Madri. Mas as bases geográficas e os fundamentos jurídicos que foram estabelecidos naquele Tratado, de forma que aqueles princípios foram ressurgidos no Tratado de Santo Ildefonso.
Conforme aponta Íris Kantor(Cartografia e diplomacia: usos geopolíticos da informação toponímica (1750-1850). Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, v. 17, n. 2, p. 39-61, 2009), surgiram desse processo dois grandes problemas. O primeiro eram os diferentes nomes dados à lugares estratégicos das demarcações, como aldeias, vilas e lugares. O segundo eram as populações indígenas que, muitas vezes, não tinham nenhum contato com os colonizadores. Para resolver tais problemas, os demarcadores renomearam lugares, dando-lhes nomes portugueses de modo a homogeneizar a toponímia da região; transformaram aldeamentos missionários em povoações civis; empreenderam novos projetos de integração das populações indígenas, transformando-os em vassalos da Coroa Portuguesa; deram-lhes sobrenomes portugueses e financiaram a miscigenação entre índios e colonos através de casamentos; proibiram as línguas indígenas e atribuíram aos novos súditos a função de defesa das fronteiras coloniais. Bem, se havia necessidade de defesa das fronteiras, isto significa que os conflitos geopolíticos não foram resolvidos com a assinatura daquele tratado.
Uma das consequências, resolvidas pelo trabalho do Barão do Rio Branco, como plenipotenciário, foi a questão de Palmas.
No caso do Prata, Argentina e Brasil herdaram as disputas seculares entre Portugal e Espanha. A fronteira entre Argentina e Brasil é fluvial, com exceção do trecho que compreende as nascentes dos rios Peperi e Santo Antônio, afluentes do Uruguai e do Iguaçu. Originalmente tais divisas foram definidas pelo Tratado de Madri firmado em 1750, a convenção constituiu a primeira tentativa de dirimir o litígio entre Portugal e Espanha no tocante dos limites de suas colônias, substituindo o antigo Tratado de Tordesilhas. Seria introduzido pelo diplomata Alexandre de Gusmão a doutrina da posse efetiva do solo e dos acidentes geográficos como limites naturais, ao invés das linhas convencionais.
O governo português conquistava a ocupação das terras da margem oriental do Rio Uruguai e a posse da área que compreende o Rio Grande do Sul, renunciando as ilhas das Filipinas e cedendo também a Espanha a Colônia de Sacramento e o território da margem norte do Rio da Prata. Porém, se encontravam no chamado território das Missões aldeamentos indígenas organizados por jesuítas espanhóis que resistiam a passar para o domínio português, além disso, os portugueses recusavam-se a entregar a Colônia ao domínio espanhol. Em 1761, o acordo do El Pardo revogava o de Madrid, como já citado.
Anos mais tarde, em 1777, um novo tratado foi ratificado, o de Santo Ildefonso, que devolvia a região dos Sete Povos das Missões, parte oeste do Rio Grande do Sul a Espanha, dessa forma o rio Uruguai tornava-se espanhol até a foz do Peperi. Em 1788, os comissários espanhóis procediam aos trabalhos de demarcação na região quando descobriram um novo rio que batizaram de Peperi, ao passo que a contravertente do rio que deságua no Iguaçu foi denominada de Santo Antônio, tais rios configuram nos mapas brasileiros com os nomes de Chopim e Chapecó, então, novas divergências surgiram sobre este trecho da fronteira. As desavenças permaneceram até 1857 quando foi firmado um novo tratado, mas que não foi ratificado pelo governo argentino. Já em 1870, após o fim da Guerra do Paraguai, novas tentativas se sucederam sem sucesso. Em 1885, um novo acordo aprovado pelos dois países determinava, com o apoio de uma comissão mista, o reconhecimento e a classificação dos rios em litígio na região das Missões. A comissão brasileira foi liderada por Guilherme Schüch Capanema, o Barão de Capanema e integrada pelos militares José Candido Guillobel e Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira. Todavia, a situação agravou-se em 1888, quando Argentina apontou como divisas os rios Chapecó e Jangada, adentrando ainda mais no território brasileiro. Com o advento do novo regime, seria assinado um novo tratado em 1889, que repartia em partes iguais a área em conflito, mas o Congresso brasileiro em 1891 não sancionou os seus termos e recomendava a utilização do artifício do arbitramento. Vale a pena assinalar que a área em litígio correspondia a cerca de mais trinta mil quilômetros, conhecida como a “Questão de Palmas”, da comarca do mesmo nome, se estendia pela parte oeste dos atuais Estados do Paraná e Santa Catarina. A Argentina reivindicava parte do território brasileiro que, consequentemente, reduzia o território do estado do Rio Grande do Sul. Para o Governo brasileiro, se tratava de uma região que merecia atenção especial devido ao movimento de cunho separatista ocorrido entre 1834 e 1845, a chamada Revolução Farroupilha. Já nos primeiros anos da República, a batalha entre federalistas e republicanos envolvendo as tropas gaúchas, entre 1893 e 1895, poderia suscitar novamente o desejo de separação do restante do país. .
A Argentina reivindicava a região Oeste dos atuais estados do Paraná e de Santa Catarina, pretendendo estabelecer as fronteiras pelos rios Chapecó e Chopim, supostamente com base no Tratado de Madri (1750). Pouco antes da proclamação da República do Brasil (1889), as chancelarias de ambos os países haviam acordado que o litígio seria solucionado por arbitramento.
Como se vê o centro da discórdia era a determinação de quais rios formavam a linha de limites. Para o Brasil, esses rios eram o Pepiry-Guaçú e o Santo Antônio, enquanto para a Argentina eram o Chapecó e o Chopin; entre eles, o território de Palmas, grande faixa de terra de mais de 30.000 quilômetros quadrados. O próprio Visconde do Rio Branco, pai do Barão do Rio Branco, havia, em 1857, negociado um tratado a este respeito, reconhecimento o direito do Brasil sobre essas terras. Baseara-se o Visconde no princípio do uti possidetis, pelo qual o direito de um país a um território é baseado na sua ocupação efetiva. Entretanto, o tratado permaneceu letra morte, e as negociações foram sucessivamente reabertas, até que, em setembro de 1889, ficou resolvido que o presidente Grover Cleveland, dos Estados Unidos, seria o árbitro.
O fundamento doutrinário de seu trabalho consistia nos princípios antes sustentados pelo visconde do Rio Branco a respeito do uti possidetis. Em 1893, escrevia o Barão do Rio Branco: dos 5.793 habitantes da parte contestada, 5.763 eram brasileiro e trinta estrangeiros, sem que lá houvesse um só argentino.
Foi redigida por ele uma longa Memória, provando que o rio Pepiry já era fronteira do Brasil reconhecida no Tratado de Madri de 1850. Mostrava também que os rios Chapecó e Jopim só haviam sido descobertos em 1788. Mas a peça mestra de seu trabalho foi uma cópia do Mapa das Cortes de 1749, que fora desencavado pelo Barão nos arquivos franceses. Exatamente nesse mapa, Zeballos, o plenipotenciário argentino, fundava a sua argumentação. O Barão do Rio Branco iria provar que os documentos argentinos, embora usados de boa fé pelo advogado, diferiam dos documentos autênticos que ele possuía e pretendia exibir para o árbitro. Disse o Barão do Rio Branco: “O estudo desse mapa”, disse o Barão do Rio Branco em seu trabalho “mostrará que o rio Pequiry ou Pepiry é o mesmo rio que os brasileiros defendem como fronteira no território ora contestado”.
No direito clássico, os interditos tutelavam a posse eram: os interdicta retinendae possessionis causa (recuperação da posse), que não admitiam, como defesa, a alegação de propriedade por parte do réu. Os interditos retinendae possessionis causa eram: o uti possidetis (coisa imóvel) e o utrubi (coisa móvel), sempre tutelando possuidor cuja posse não era injusta. No interdito utrubi, protegia-se apenas o possuidor que, no ano em curso, houvesse estado maior tempo na posse na coisa.
5 de novembro de 1895 foi o dia marcado para a entrega dos laudos.
A decisão arbitral foi favorável ao Brasil, tendo a Argentina perdido as Missões em 1895.