DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

Uma análise à luz dos vários entendimentos manifestados na doutrina e na jurisprudência.

22/09/2019 às 16:15
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Os negócios jurídicos processuais constituem uma importante novidade do CPC/2015, possibilitando às partes que possa estabelecer, contratualmente, o procedimento a ser observado no processo, além de convencionar sobre ônus, poderes, faculdades e deveres.

INTRODUÇÃO.

         O novo Código de Processo Civil, em vigor desde março de 2016, trouxe uma gama enorme de inovações no processo civil brasileiro, necessárias em face da mudança das relações sociais e, consequentemente, das questões submetidas ao Judiciário.

         Dentre as várias inovações introduzidas pelo Código de Processo Civil de 2015, uma das mais importantes, sem dúvida, é a que prevê os negócios jurídicos processuais, principalmente no art. 190 do novel estatuto processual, e que será o foco desse pequeno ensaio.

         Tão logo o atual Código de Processo Civil foi promulgado, diversos grupos de estudos se reuniram ou se formaram para analisá-lo e estabelecer interpretações conforme que servissem de orientação aos operadores do direito, através da elaboração de enunciados. Dentre eles, destacamos a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), o Fórum Nacional de Processo do Trabalho (FNPT), o Fórum Nacional do Poder Público (FNPP), e as Jornadas de Direito Processual Civil (JDPC).

         Nossa proposta, no presente trabalho, é fazer uma análise do art. 190 à luz dos diversos entendimentos esposados principalmente nos enunciados publicados por aqueles grupos, acrescidos de ensinamentos doutrinários e interpretações jurisprudenciais.

         Longe de pretender encerrar a questão, o objetivo, aqui, é apenas de auxiliar os estudantes e profissionais do direito a entender esse importante instituto do direito processual. 

I – NEGÓCIOS JURÍDICOS

         A vida é formada de fatos, que são acontecimentos cotidianos, rotineiros, comuns e, muitas vezes, naturais. O nascer do sol, a chuva que cai, o choro de uma criança, o latido de um cão são fatos da vida. Quando um fato, particularmente, interessa ao direito, dizemos trata-se de um fato jurídico. Quando esse fato jurídico tiver origem numa ação humana, será considerado um ato jurídico.

         Uma das funções do direito civil é regular as relações privadas, ou seja, as relações jurídicas estabelecidas entre particulares. Nesse desiderato, a norma jurídica vai estabelecer as regras de caráter geral que alberga tais relações, ordenando a vida do ser humano em sociedade, no aspecto privado. Mas, ao lado da norma jurídica, o ser humano pode criar regras especiais, de caráter específico, para regular situações pontuais que interessam ao direito, ao que se dá o nome de negócio jurídico

         O negócio jurídico é uma espécie de ato jurídico que tem origem na manifestação da vontade humana, como fito de constituir, modificar ou extinguir relações jurídicas, ou seja, é a forma de dar vazão à autonomia privada, originando-se da manifestação da vontade, livre e consciente, dos contratantes. Na lição de Renan Lotufo,

O negócio jurídico, para nós, é o meio para a realização da autonomia privada, ou seja, a atividade e a potestade criadoras, modificadoras ou extintoras de relações jurídicas entre particulares, isto é, o pressuposto e a causa geradora de relações jurídicas, abstratamente e genericamente admitidas pelas normas do ordenamento.[i]

         No mesmo sentido, explica Nehemias Domingos de Melo:

É a prerrogativa que o ordenamento jurídico confere ao indivíduo de, por sua livre vontade, criar relações a que o direito empresta validade, desde que em conformidade com a ordem jurídica e social. [ii]

                O negócio jurídico, assim, é a exteriorização da vontade humana, materializada através de um contrato.

II – NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS NO NOVO CPC

         Negócios jurídicos processuais são aqueles entabulados no processo – ou para o processo, atendendo a vontade de litigantes – ou futuros litigantes – no tocante a modificações do procedimento.

         Os chamados negócios jurídicos processuais estão previstos, principalmente, no art. 190 do Código de Processo Civil, que dispõe:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

         São chamados negócios jurídicos processuais porque mediante declaração expressa da vontade, as partes podem promover mudanças no procedimento. Como pudemos afirmar em obra anterior[iii]:

O art. 190 cria uma situação sem paralelo no CPC/1973, à qual podemos chamar – por nossa conta – de liberdade de procedimento. As partes podem, de comum acordo, estipular mudanças no procedimento (aí incluindo ônus, poderes, faculdades e deveres processuais), de sorte a adaptá-lo e ajustá-lo às peculiaridades da causa.

         No mesmo sentido, explica Elpídio Donizetti:

O novo CPC prevê a possibilidade de alteração do procedimento para “ajustá-lo às especificidades da causa” (art. 190). O dispositivo é claramente inspirado nos movimentos do contratualismo processual, que permitem uma adequação do instrumento estatal de solução de litígios aos interesses das partes e ao direito material que os consubstanciam.[iv]

         Temos, destarte, um novo horizonte de possibilidades que se abre às partes, na condução do processo, para mudança e adaptação do procedimento processual às suas conveniências e interesses, de cujas peculiaridades iremos discorrer em seguida.

II.1. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS E A LIBERDADE DE PROCEDIMENTO

         Assim como há, no processo moderno, a liberdade da forma, temos, agora, o que corajosamente chamamos de liberdade de procedimento, permitindo às partes, em determinadas situações, estabelecer para o processo regras procedimentais próprias, ao seu bel alvitre, sem ter que seguir o procedimento previamente estabelecido na lei de rito.

         Os negócios jurídicos estabelecidos no citado art. 190 podem ser celebrados antes do processo – negócios pré-processuais, ou no curso do processo – negócios pós-processuais, e obrigam as partes e seus sucessores, sendo que “nos negócios processuais, as partes e o juiz são obrigados a guardar nas tratativas, na conclusão e na execução do negócio o princípio da boa-fé” (FPPC, enunciado 407).

         Mas é bom salientar que os negócios jurídicos processuais somente possuem eficácia em relação aos contratantes, não podendo afetar interesses de terceiros que a eles não anuíram, eis que “a eficácia dos negócios processuais para quem deles não fez parte depende de sua anuência, quando lhe puder causar prejuízo” (FPPC enunciado 402).

II.2. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ANTES DO CPC DE 2015.

         Os negócios jurídicos processuais não são, a bem da verdade, uma total inovação do novel estatuto de rito. No Código de Processo Civil de 1973 já havia possibilidade das partes firmarem tais negócios, embora de uma maneira bem mais tímida.

         Uma possibilidade dava-se com a escolha do foro em contrato – a chamada cláusula de foro de eleição – prevista no Código Civil, art. 78[v]. Por meio dela, na forma do que dispunha o art. 111 do CPC de 1973[vi], as partes poderiam, de comum e livre acordo, eleger o foro competente para conhecer e julgar a ação derivada daquele contrato, no que diz respeito à competência – relativa – decorrente do valor ou do território. Isso colocava nas mãos das partes, e a seu bel talante, a modificação de regras processuais de competência, dando-lhes, nesse particular, autonomia procedimental pré-processual.

         Outra, vinha com a permissão legal do art. 265, II, do CPC de 1973, de as partes requererem ao juiz, de comum acordo, a suspensão do processo, pelo prazo máximo de até 6 meses. Permitindo-se às partes ajustarem a suspensão da marcha processual, a lei inegavelmente contemplava uma forma de negócio jurídico procedimental pós-processual.

II.3. OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS NO CPC DE 2015.

         No Código de Processo Civil atual, as possibilidades de negócios processuais foram aumentadas, tendo as partes, quando presentes os pressupostos autorizadores, ampla liberdade para celebrá-los, nos mais diversos aspectos do processo, com amparo no citado art. 190 e que analisaremos nos tópicos seguintes.

II.3.1. Requisitos autorizadores.

         Os negócios jurídicos serão autorizados quando presentes as duas hipóteses do art. 190, ou seja, 1) as partes devem ser maiores e capazes, e 2) os direitos discutidos devem ser disponíveis. Nesse sentido, destacamos que “somente partes absolutamente capazes podem celebrar convenção pré-processual atípica” (ENFAM, enunciado 38). Todavia há entendimento de que “a indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual” (FPPC, enunciado 135).

         Não é demais lembrar que devem ser observados, também, os requisitos de validade de qualquer ato jurídico, na forma do que dispõe o Código Civil, art. 104[vii]. Por isso que “a validade do negócio jurídico processual, requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei” (FPPC, enunciado 403).

         Na parte formal, veremos que os negócios jurídicos, principalmente os celebrados antes do processo, devem ser realizados por escrito, porque “não é válida convenção pré-processual oral” (ENFAM, enunciado 39). Os negócios pós-processuais, se não forem estabelecidos em petição das partes, deverão ser reduzidos a termo na ata da audiência, uma vez que “as partes podem celebrar negócios jurídicos processuais na audiência de conciliação ou mediação” (FPPC, enunciado 628).

         Os negócios jurídicos pré-processuais podem ser celebrados em contratos, em adendos contratuais, em pactos específicos para esse fim, desde que respeitado o caráter convencional do ato. Ainda, admite-se que “a convenção processual pode ser celebrada em pacto antenupcial ou em contrato de convivência, nos termos do art. 190 do CPC” (JDPC, enunciado 18), bem porque “o pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter negócios processuais” (FPPC, enunciado 492).

         Em qualquer caso, “a convenção processual é autônoma em relação ao negócio em que estiver inserta, de tal sorte que a invalidade deste não implica necessariamente a invalidade da convenção processual” (FPPC, enunciado 409). Há a possibilidade, também, de se firmar um pacto coletivo para os negócios processuais, pois “é admissível a celebração de convenção processual coletiva” (FPPC, enunciado 255).

         Uma vez entabulado o negócio jurídico processual, ele passa a obrigar as partes celebrantes, que deverão respeitá-lo. Além disso, “o negócio jurídico celebrado nos termos do art. 190 obriga herdeiros e sucessores” (FPPC, enunciado 115).

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         Na questão do direito intertemporal, veremos que “o negócio processual celebrado ao tempo do CPC-1973 é aplicável após o início da vigência do CPC-2015” (FPPC, enunciado 493).

         E, da mesma forma como acontece com os negócios jurídicos em geral, “o negócio processual pode ser distratado” (FPPC, enunciado 411). O distrato se faz da mesma forma exigida para o contrato, na forma do que dispõe o Código Civil, art. 472[viii].

II.3.2. Controle judicial da convenção.

         Em princípio, respeitados os requisitos autorizadores, o negócio jurídico processual vale por si só, não dependendo de homologação judicial para ter validade. Todavia, a lei poderá estabelecer situações em que a homologação judicial é exigida, e nesse caso, “a homologação, pelo juiz, da convenção processual, quando prevista em lei, corresponde a uma condição de eficácia do negócio” (FPPC, enunciado 260).

         De qualquer forma, mesmo não se exigindo homologação judicial como requisito, tem o juiz o poder de controle sobre a validade do pacto, na forma do que dispõe o parágrafo único do art. 190 do CPC:

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

         Destarte, “salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do art. 190 não dependem de homologação judicial” (FPPC, enunciado 133), sendo que “o negócio jurídico processual somente se submeterá à homologação quando expressamente exigido em norma jurídica, admitindo-se, em todo caso, o controle de validade da convenção” (JDPC, enunciado 115).

         Esse controle judicial deve limitar-se às situações de nulidade ou de abusividade do pacto ou manifesta situação de vulnerabilidade, sendo que “há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica” (FPPC, enunciado 18).

         Nesses casos, o juiz poderá negar validade ao negócio, recusando a sua aplicação no processo, na forma do parágrafo único do art. 190 acima transcrito, destacando, porém, que “o controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo” (FPPC, enunciado 16). Reconhece-se, ainda, que “além dos defeitos processuais, os vícios da vontade e os vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos atípicos do art. 190” (FPPC, enunciado 132), especialmente nas hipóteses de anulabilidade dos negócios jurídicos, previstas no Código Civil, art. 171[ix].

         Mas o juiz também deverá avaliar, no caso concreto, se o negócio entabulado entre as partes decorre de simulação ou fraude, na forma do que dispõe o CPC, art. 142[x] e, convencendo-se disso, deverá recusar aplicação do avençado, pois “aplica-se o art. 142 do CPC ao controle de validade dos negócios jurídicos processuais” (FPPC, enunciado 410).

         “A decisão referida no parágrafo único do art. 190 depende de contraditório prévio” (FPPC, enunciado 259), o que significa dizer que o contraditório efetivo, previsto no CPC, art. 10[xi], deve ser observado no tocante ao controle judicial do negócio jurídico processual, de sorte que qualquer decisão judicial proferida nesse sentido deve ser precedida de oitiva das partes negociantes.

         Por fim, impende observar que, ao exercer o controle judicial, o juiz poderá recusar apenas uma parte do negócio processual, reputando válida a outra, eis que o “negócio jurídico processual pode ser invalidado parcialmente” (FPPC, enunciado 134).

II.3.3. Interpretação

         Como os negócios jurídicos processuais devem se materializar através de documentos escritos, como vimos anteriormente, podemos ter problemas com o que eles referem, demandando a sua correta interpretação.

         Para tanto, os negócios jurídicos processuais devem ser interpretados da mesma forma como se interpretam os negócios jurídicos normais. Assim, “nos negócios processuais, atender-se-á mais à intenção consubstanciada na manifestação de vontade do que ao sentido literal da linguagem” (FPPC enunciado 404), e “os negócios jurídicos processuais devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” (FPPC, enunciado 405). Além disso, “os negócios jurídicos processuais benéficos e a renúncia a direitos processuais interpretam-se estritamente” (FPPC, enunciado 406).

         Pode acontecer de o negócio jurídico processual estar inserido em um contrato de adesão, e aí o cuidado deve ser redobrado. Por primeiro, porque entendemos que, se o contrato de adesão for um contrato de consumo, tal cláusula deveria ser considerada abusiva e, portanto, nula de pelo direito, nos termos do CDC, art. 51. Inobstante, é de se destacar que “quando houver no contrato de adesão negócio jurídico processual com previsões ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente” (FPPC, enunciado 408).

II.3.4. Alcance dos negócios jurídicos processuais.

         Entendidos o que são os negócios jurídicos processuais, resta estabelecer qual o seu alcance, ou seja, o que pode e o que não pode ser objeto deles.

II.3.4.1. O que pode ser objeto dos negócios processuais.

         Não é possível listar, aqui, todas as possibilidades que podem ser objeto dos negócios jurídicos processuais, pela simples razão de que não há como imaginar tudo que pode ocorrer num processo. Mesmo que quiséssemos não conseguiríamos essa proeza.

         Desta forma, somente na análise da situação concreta é que se poderia verificar a validade do negócio. Isso decorre do fato de que “o art. 190 autoriza que as partes tanto estipulem mudanças do procedimento quanto convencionem sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais” (FPPC, enunciado 257) e que “as partes podem convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, ainda que essa convenção não importe ajustes às especificidades da causa” (FPPC, enunciado 258).

         Todavia, podemos enfatizar que “são admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário/administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal” (FPPC, enunciado 19).

         Ainda, “são admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais” (FFPPC, enunciado 21). Essa questão da ampliação do tempo para sustentação oral é controversa, como veremos no item seguinte.

         E mais, “são admissíveis os seguintes negócios processuais, entre outros: pacto de inexecução parcial ou total de multa coercitiva; pacto de alteração de ordem de penhora; pré-indicação de bem penhorável preferencial (art. 848, II); pré-fixação de indenização por dano processual prevista nos arts. 81, § 3º, 520, inc. I, 297, parágrafo único (cláusula penal processual); negócio de anuência prévia para aditamento ou alteração do pedido ou da causa de pedir até o saneamento (art. 329, inc. II)” (FPPC, enunciado 490).

         Por fim, “é admissível negócio processual para dispensar caução no cumprimento provisório de sentença” (FPPC, enunciado 262); “é possível negócio jurídico processual que estipule mudanças no procedimento das intervenções de terceiros, observada a necessidade de anuência do terceiro quando lhe puder causar prejuízo” (FPPC, enunciado 491); “admite-se o negócio processual que estabeleça a contagem dos prazos processuais dos negociantes em dias corridos” (FPPC, enunciado 579); “é admissível o negócio processual estabelecendo que a alegação de existência de convenção de arbitragem será feita por simples petição, com a interrupção ou suspensão do prazo para contestação” (FPPC, enunciado 580).

         Prevendo que o pactuado não venha a ser cumprido, “as partes podem, no negócio processual, estabelecer outros deveres e sanções para o caso do descumprimento da convenção” (FPPC, enunciado 17), mas “o descumprimento de uma convenção processual válida é matéria cujo conhecimento depende de requerimento” (FPPC, enunciado 252).

II.3.4.2. O que não pode ser objeto do negócio jurídico processual.

         Assim como dissemos antes, também não é possível listar, aqui, todas as hipóteses processuais em que não se admitirá negociar. Mas de antemão já podemos indicar que “o negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação” (FPPC, enunciado 6).

         Em termos de proibição,  já  há entendimentos de que “não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância, acordo para afastar motivos de impedimento do juiz, acordo para criação de novas espécies recursais, acordo para ampliação das hipóteses de cabimento de recursos” (FPPC enunciado 20), bem que “a regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado-juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei” (ENFAM, enunciado 36), e que “é inválida a convenção para excluir a intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica” (FPPC, enunciado 254), sendo que “as partes não podem estabelecer, em convenção processual, a vedação da participação do amicus curiae” (FPPC, enunciado 392).

         Além disso, “são nulas, por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias constitucionais do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c) modifiquem o regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação” (ENFAM, enunciado 37).

         Por fim, sobre a questão da ampliação do tempo para sustentação oral que falamos no item anterior, temos que, “por compor a estrutura do julgamento, a ampliação do prazo de sustentação oral não pode ser objeto de negócio jurídico entre as partes” (ENFAM, enunciado 41).

II.3.5. Sobre as possibilidades de aplicação dos arts. 190 e 191 e quem pode celebrar os negócios jurídicos processuais.

         Além do processo civil comum, é possível admitir os negócios jurídicos em outros tipos de processos e procedimento. Destarte, temos que “as disposições previstas nos arts. 190 e 191 do CPC poderão ser aplicadas ao procedimento de recuperação judicial” (JDPC, enunciado 113) e que “as disposições previstas nos arts. 190 e 191 do CPC poderão aplicar-se aos procedimentos previstos nas leis que tratam dos juizados especiais, desde que não ofendam os princípios e regras previstos nas Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009” (JDPC, enunciado 16), o que é reforçado nos termos de que “O negócio jurídico processual pode ser celebrado no sistema dos juizados especiais, desde que observado o conjunto dos princípios que o orienta, ficando sujeito a controle judicial na forma do parágrafo único do art. 190 do CPC” (FPPC, enunciado 413).

         Sobre quem pode celebrar os negócios jurídicos processuais, a princípio a lei não estabelece proibições ou restrições, além dos incapazes. Assim é que “os entes despersonalizados podem celebrar negócios jurídicos processuais” (JDPC, enunciado 114).

         No direito público, e especialmente em relação à Fazenda Pública, reconhece-se que “a Fazenda Pública pode celebrar convenção processual, nos termos do art. 190 do CPC” (JDPC, enunciado 17), no mesmo sentido de que “a Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico processual” (FPPC, enunciado 256), e que “é cabível a celebração de negócio jurídico processual pela Fazenda Pública que disponha sobre formas de intimação pessoal” (FNPP, enunciado 30), sendo que “a  cláusula  geral de  negócio processual é aplicável à execução fiscal” (FNPP, enunciado 9).

         No que tange à atuação do Ministério Público nos processos cíveis, temos que “o Ministério Público pode celebrar negócio processual quando atua como parte” (FPPC, enunciado 253), e que “a intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica não inviabiliza a celebração de negócios processuais” (JDPC, enunciado 112).

II.3.6. Aplicação no processo do trabalho.

         Já a possibilidade de realizar negócios jurídicos processuais no processo do trabalho é controversa. Para alguns, “aplica-se ao processo do trabalho o disposto no art. 190 no que se refere à flexibilidade do procedimento por proposta das partes, inclusive quanto aos prazos” (FPPC, enunciado 131). Mas, como a questão é complexa, para outros “a previsão contida no art. 190, do NCPC, não se aplica aos processos que envolvam dissídios individuais de RELAÇÃO DE TRABALHO, tendo em vista que a CLT tem rito próprio (ordinário, sumaríssimo ou alçada), conforme arts. 849, 852-C e art. 2º, §§ 3º e 4º, da Lei n. 5.584/70. Aplicação dos arts. 769, 849, 852-C da CLT e NCPC, art. 190” (FNPT, enunciado 6).

         Tendo em vista que essa questão se mostrou dividida, o Tribunal Superior do Trabalho acabou por definir que os negócios jurídicos processuais não são cabíveis no processo do trabalho, conforme IN/39, art. 2º.

CONCLUSÃO

         O Código de Processo Civil de 2015 trouxe como grande novidade a possibilidade das partes escolherem o procedimento a ser adotado no processo, quando presentes os requisitos autorizadores. Isso pode ocorrer antes do processo ou no curso deste, baseado na manifestação livre e consciente dos contratantes, desde que materializado em documento escrito.

         Os negócios jurídicos processuais certamente irão se tornar uma das mais importantes ferramentas do processo moderno, permitindo às partes estabelecerem, no procedimento judicial, a forma que melhor lhes aprouver, ante seus interesses e as peculiaridades do caso concreto, alterando e modificando, assim, o procedimento estatal previsto no Estatuto de Rito.

 

LISTA DE ABREVIAÇÕES.

 

ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados

FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis

JDPC – Jornadas de Direito Processual Civil

FNPT – Fórum Nacional de Processo do Trabalho

FNPP – Fórum Nacional do Poder Público

BIBLIOGRAFIA

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2016.

LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, vol. 1 – parte geral. São Paulo: RT, 2003.

MELO, Nehemias Domingos. Lições de direito civil, vol. 1 – teoria geral. São Paulo: Atlas, 2014.

SALES, Fernando Augusto de Vita Borges. Manual de direito processual civil. São Paulo: Rideel, 2017.

_____. Código de Processo Civil anotado e interpretado conforme a doutrina e a jurisprudência. São Paulo: Rideel, 2018.

 


[i] Renan Lotufo, Curso avançado de direito civil, vol. 1 – Parte geral, p. 216.

[ii] Nehemias Domingos de Melo, Lições de direito civil, vol. 1 – Teoria geral, p. 131.

[iii] Manual de direito processual civil, 2ª edição, pp. 137/138

[iv] Elpídio Donizetti, Curso didático de direito processual civil, p. 419.

[v] CC, art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes.

[vi] Art. 111. A competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por convenção das partes; mas estas podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações. § 1o O acordo, porém, só produz efeito, quando constar de contrato escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. § 2o O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.

[vii] CC, Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.

[viii] CC, art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.

[ix] CC, art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

[x] CPC, art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé.

[xi] CPC, art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Sobre o autor
Fernando Augusto Sales

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem. Autor dos livros: Direito do Trabalho de A a Z, pela Editora Saraiva; Súmulas do TST comentadas, pela Editora LTr; Manual de Processo do trabalho; Novo CPC Comentado; Manual de Direito Processual Civil; Estudo comparativo do CPC de 1973 com o CPC de 2015; Comentários à Lei do Mandado de Segurança e Ética para concursos e OAB, pela Editora Rideel; Direito Ambiental Empresarial; Direito Empresarial Contemporâneo e Súmulas do STJ em Matéria Processual Civil Comentadas em Face do Novo CPC, pela editora Rumo Legal; Manual de Direito do Consumidor, Direito Digital e as relações privadas na internet, Manual da LGPD, Manual de Prática Processual Civil; Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade Limitada nas Relações de Consumo, Juizados Especiais Cíveis: comentários à legislação; Manual de Prática Processual Trabalhista e Nova Lei de Falência e Recuperação, pela editora JH Mizuno.

Informações sobre o texto

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