Críticas às novas regras de trâmite das Medidas Provisórias:

Quais são os efeitos esperados pela aprovação da nova PEC em relação à governabilidade?

Leia nesta página:

O contexto de aprovação da PEC que altera as medidas provisórias despertou o interesse do autor para elaborar a explicação dos efeitos decorrentes da mudança, inclusive na atribuição de funções aos Poderes da República.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) acerca do trâmite de Medidas Provisórias (MPs), de autoria do Senador José Sarney (MDB-AP), foi recentemente aprovada [1]. Ela visa a instituir prazos em cada casa legislativa para a tramitação das MPs, diferentemente daquilo que tem se estabelecido até então com a conformação de um prazo geral, definido na legislação, para que todos os órgãos possam analisar o pedido formulado.

Isto é, pela regra atual não há separação de prazos por fases, fazendo com que a Medida Provisória (MP) perca a eficácia em até 120 dias independentemente da etapa em que a deliberação esteja. Com o regime vigente até então, podia se impedir, por exemplo, uma análise mais aprofundada por parte do Senado Federal a respeito de uma determinada matéria, por esta ter tomado praticamente a totalidade do tempo disponível para a análise deliberativa na Câmara.

Fato é que o regime que se tinha até então pressionava, de formas distintas, o Congresso a dar uma resposta rápida, a depender do estágio em que as discussões se encontrassem, optando por aprovar a MP ou por rejeitá-la por vezes cegamente, para evitar a caducidade da medida. O que se via é que a grande queixa dos parlamentares, especialmente dos senadores, era justamente a ausência de valoração de discussões profundas em ambas as casas. E os efeitos disto são bastante recorrentes [2], e causam impactos negativos [3].

Inicialmente é preciso contextualizar a função da Medida Provisória no Presidencialismo de Coalizão. Assim como revelam Argelina Figueiredo e Fernando Limongi no livro "A Democracia Brasileira – Balanços e Perspectivas para o século XXI" (2007):

“A medida provisória é o instrumento mais poderoso à disposição do Executivo: ela garante ao presidente o poder unilateral para alterar o status quo [...]”,

A Constituição Federal ainda garante no artigo 62 que o presidente terá a prerrogativa de elaborar medidas provisórias somente “em caso de relevância e urgência”.

Como enfatizam os autores:

 “ainda que limitada pelo texto constitucional, a medida provisória continua a ser um instrumento poderoso nas mãos do Executivo”,

Pois em governos de coalizão, como é o caso brasileiro, a edição de MPs garante ao presidente o poder de “barganha horizontal”. Dessa forma, as chances de um governo que utiliza as MPs são ampliadas, pois tal medida, caso bem sucedida, convida os parlamentares a atuarem de maneira cada vez mais colaborativa com os objetivos governamentais.

Logo, passa a se analisar a proposta aprovada recentemente. O objetivo da proposta era alterar as regras do trâmite da MP no sentido a conferi-la prazos bem esclarecidos para cada órgão que lide com ela em sua pauta, de forma ordenada. Logo, propôs-se inicialmente na Comissão Especial Mista da Câmara, primeiro órgão a recebê-la do Poder Executivo, que o tempo de tramitação fosse de 40 dias, prazo necessário para que a proposta não fique sem parecer e no qual devem ser analisados a admissibilidade, a constitucionalidade e o mérito de seu conteúdo.

Passada esta fase, e já havendo um parecer sobre a matéria ainda não caducada, nós nos encaminhamos para a próxima: o Plenário da Câmara. Nesta admitiu-se mais outros 40 dias exclusivos para a deliberação da decisão tomada na fase anterior, contados a partir do segundo dia útil após o recebimento do texto vindo da Comissão Mista, com risco de caducidade expresso caso isso não venha a ocorrer em tempo hábil.

Mas uma vez dentro dos conformes, e caso votada favoravelmente, ela segue para o Plenário do Senado, ao qual é garantido mais 30 dias de tramitação para a deliberação da proposta, que serão contados de igual modo: a partir do segundo dia útil após a aprovação da Câmara.

Entretanto, se o Senado resolver modificar o texto, a MP voltará para a Câmara, tal como é previsto na regra atual, e esta terá até 10 dias para votar a nova redação da medida, caso necessário, sendo o prazo também contado a partir do segundo dia útil após a aprovação da proposta pelo Senado Federal.

Assim, observa-se dois possíveis problemas na nova configuração da medida:

1) Caso a Câmara não analise a proposta em até 30 dias, a proposição da MP passa a trancar a pauta da casa, fazendo com que o Plenário entre em regime de urgência. Isso também vale para o Senado: a proposta tranca a pauta após 20 dias se não houver manifestação pela Casa.

2) Caso o relator da Comissão Mista não queira analisar a proposta de MP, seja por qual motivo for, ela pode vir a caducar. 

O primeiro problema apresentado pode ser sintetizado em: excesso de responsabilidade legislativa. No primeiro caso, o Congresso está claramente chamando mais responsabilidade para si daquilo que já se sabe poder ser suportado. Pois se com 120 dias de prazo para a caducidade acontecer já presenciávamos a completa desorganização por parte da Câmara Federal para a votação (e possível aprovação da proposta), até mesmo em questões relevantes ao governo que tratem de arranjo institucional [4], quiçá com 1/3 disso apenas.

Como é sabido, o Congresso Brasileiro é altamente fragmentado, e essa fragmentação pode ser a causa de uma porcentagem ainda maior de propostas de MP caducas, contrariando justamente o objetivo da proposta aprovada: a eficiência institucional.

Já o segundo problema pode ser resumido em: risco de ingovernabilidade. De acordo com o especialista Bruno Carazza, os líderes partidários têm a competência para controlar a pauta que será discutida, isto é, “a ordem do dia”, o que será amplificado pela aprovação dessa proposta vencedora doravante.

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Isso ocorreria porque agora haverá menos chance de as bancadas serem pressionadas, pois já na fase do relatório é possível que os partidos sejam orientados a não prosseguirem com o trâmite daquela medida. buscando paralisá-la intencionalmente. Tal efeito compromete a pauta do Executivo, e causa enorme insegurança jurídica a curto prazo.

Porém, com baixa capacidade de negociação do governo, é bem capaz que essa insegurança venha a se transformar em um risco real de ingovernabilidade, já que o legislativo simplesmente poderá cruzar seus braços. Pois, a partir de agora, não haverá um controle geral que pressione a aprovação das medidas provenientes do Executivo, mas um especializado, que depende de cada líder partidário que possua algum subordinado seu responsável pela pauta. Isso resulta no enfraquecimento do poder de barganha do presidente frente aos líderes partidários, tendo sido diluído o custo de negociação, e portanto aumentado.

No tocante a isto, tal medida limita o poder legislativo do Executivo ao estabelecer a possibilidade de a Medida Provisória perder a sua validade caso algum líder partidário assim opte por fazê-lo, o que é corroborado pela tese de Argelina e Limongi ao revelarem que:

“o presidente da câmara e os líderes partidários exercem um controle rígido sobre o processo legislativo. Eles são responsáveis pela determinação da pauta legislativa, sendo os líderes partidários incumbidos da designação e substituição (a qualquer momento) de membros em comissões parlamentares e especiais. [...]"

Ademais, como já informam alguns especialistas, a divisão de tempo da tramitação abre a possibilidade de ingovernabilidade [5], pois a instabilidade gerada em decorrência desta medida é flagrante. 

Esse é mais um episódio da "queda de braço" travada entre o Executivo, representado pelo Governo Bolsonaro, e o Legislativo, cuja personagem mais vultuosa é evidentemente o chamado "Centrão", para decidir quem estabelecerá as regras do jogo. É ainda mais notório o quanto a aprovação desta PEC é símbolo do atual momento político, recém-saído de uma profunda crise institucional, que tal medida foi aprovada por unanimidade no Senado.

Além disso, houve o acolhimento da jurisprudência do Supremo em relação às chamadas “Emendas Jabutis” (aditamento de textos cujo conteúdo está muitas vezes distante do original), o que, a meu ver, é positivo para a República, já que representa, neste caso, o equilíbrio entre as decisões tomadas em conjunto entre os três poderes.

Porém, com a nova Emenda, além do risco de caducidade das propostas do Poder Executivo aumentar consideravelmente, fica ainda mais difícil para o governo encontrar outras alternativas possíveis de se aprovar as Medidas Provisórias, seja na forma de tramitação de MP como projeto de lei seja na forma de alteração substancial em seu conteúdo, já que o projeto contém vedações a ambas as questões. Por ora, esperemos pela sensibilidade dos parlamentares no tocante à matéria legislativa e zelo pelo funcionamento responsável das instituições. 

 


[1] Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-jun-12/tramitacao-medidas-provisorias-ganha-prazos-fixos-congresso?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook – Acesso em 16/06/2019

[2] Disponível em https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,confira-as-11-mps-que-caducam-se-nao-forem-votadas-em-3-semanas,70002828806 – Acesso em 16/06/2019

[3] Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1939074-governo-deixa-caducar-tres-mps-com-impacto-total-de-r-92-bilhoes.shtml – Acesso em 16/06/2019

[4] Disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/05/10/interna_politica,754202/risco-de-mp-caducar-ameaca-extincao-de-ministerios-de-bolsonaro.shtml – Acesso em 16/06/2019

[5] Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-jun-11/antonio-queiroz-risco-ingovernabilidade-rito-mps – Acesso em 16/06/2019

Sobre o autor
Isaac Baptista da Conceição Nascimento

Estudante de Direito da Fundação Getúlio Vargas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho publicado originalmente no dia 19 de junho de 2019, com o título "Fixação de Novos Prazos para a Medida Provisória", na disciplina "Teoria do Estado Democrático", constante no atual currículo do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas.

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