A Imunidade Tributária para Arquivos de Mídia Online

25/09/2019 às 08:13
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O Estado possui diversas limitações ao poder de tributar e o acesso à informação é um direito que deve ser sempre preservado. A relativização desse direito, a depender do meio que é fornecido, é constitucional?

Imunidade Tributária

A imunidade tributária é uma garantia constitucional e faz parte das limitações ao direito estatal de tributar, ou seja, existe o fato gerador, mas uma característica objetiva ou subjetiva exclui a tributação sobre a renda ou patrimônio.

Há diversas imunidades previstas na Constituição Federal, as principais se encontram no artigo 150:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - Instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.

As imunidades tributárias estão ligadas à proteção de outros direitos constitucionais. Por exemplo, a imunidade a templos de qualquer culto, que proíbe a tributação sobre bens de entidades religiosas, visa proteger a liberdade de crença e garantir que o Estado não seja um dificultador no exercício dessa crença.

A imunidade de livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão visa proteger o direito à informação e à liberdade de pensamento, artística, científica e de comunicação, independente de censura. Valores constitucionais previstos no artigo 5º e primordiais na elaboração da Constituição Federal de 1988. É um meio necessário para a concretização do Estado democrático de Direito para proporcionar a pluralidade de ideias.

Imunidade Tributária em Arquivos de Mídia

Trata-se de uma imunidade objetiva, que é direcionada para produtos. Não se observa quem está produzindo ou veiculando informações, atenta-se apenas para o objeto produzido. Essa impessoalidade permite que diversas ideologias se propaguem nas mesmas condições.

As imunidades constituem uma limitação ao Estado e devem ser interpretadas sempre em favor do contribuinte. São consideradas cláusulas pétreas e, portanto, não podem ser reduzidas por emenda constitucional. Assim, todos os produtos semelhantes a “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão” têm direito à imunidade tributária.

Ela busca proteger a propagação da informação e, assim, evitar que o imposto sobre livros, jornais e periódicos sejam um fator impeditivo da veiculação de conhecimento e cultura. Assim, o Supremo Tribunal Federal definiu que a imunidade se estende, também, a insumos e livros eletrônicos (RE 330.817). Ainda que a previsão constitucional estipule o “papel para sua impressão”, é natural que a imunidade se estenda a instrumentos mais modernos de difusão da informação e cultura como audiolivros, livros eletrônicos (e-book) ou CD-Rom.

Audiolivro é um livro gravado em áudio e disponibilizado para o consumidor ouvi-lo. O e-book é o conteúdo voltado para ser lido em aparelhos eletrônicos. CD-Rom é uma sigla que significa compact disc read-only memory (disco compacto com memória somente para leitura), é uma mídia utilizada para armazenamento de textos e livros. Essas modalidades de livros têm alguns diferenciais em relação ao livro convencional como a facilidade de armazenamento e o respeito à questão ambiental, por exemplo, mas possuem o mesmo conteúdo. Todas essas opções de leitura protegem o mesmo objeto: a propagação da informação. Assim, seria ilógico não reconhecer que se trata do mesmo conteúdo disponibilizado em formas diferentes, instrumentos que acompanham a evolução tecnológica e social para garantir o acesso à informação e educação da população.

Entretanto, é importante ressaltar que os instrumentos para leitura desses arquivos como tablets e celulares não detêm imunidade tributária, apenas os equipamentos digitais exclusivos para leitura de livros eletrônicos que possuem esse benefício fiscal.

No julgamento que definiu a abrangência de matérias primas alcançadas pela imunidade tributária (RE 330.817), o Relator Dias Toffoli concluiu que:

“a regra da imunidade igualmente alcança os aparelhos leitores de livros eletrônicos ou e-readers, confeccionados exclusivamente para esse fim, ainda que eventualmente estejam equipados com funcionalidades acessórias que auxiliem a leitura digital como acesso à internet para download de livros, possibilidade de alterar tipo e tamanho de fonte e espaçamento. As mudanças históricas e os fatores políticos e sociais presentes na atualidade, seja em razão do avanço tecnológico, seja em decorrência da preocupação ambiental, justificam a equiparação do papel aos suportes utilizados para a publicação dos livros”.

Imunidade em Arquivos de Mídia Online

Superado que a intenção do constituinte originário, sob interpretação do STF, baseou a imunidade tributária de livros na finalidade que eles contêm, é cabível analisar a possibilidade do mesmo benefício fiscal para arquivos de mídia disponíveis online.

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Um livro em mídia tem o mesmo conteúdo que sua versão impressa e ao partir do pressuposto que uma terceira versão online também conteria matéria idêntica, seria justo que um instrumento de leitura fosse tributado e outro não? Ainda que a Constituição estipule expressamente sobre livros, o desenvolvimento social e tecnológico evoluiu o conceito da palavra para que todas as versões do exemplo acima detivessem proteção constitucional sob a imunidade tributária. A forma de apresentação ao leitor é diferente, mas a finalidade permanece a mesma: propiciar a informação, educação e cultura.

Tributar os arquivos de mídia disponíveis na internet seria dificultar o alcance de informações que seriam, em tese, de fácil acesso. Os sites de busca permitiram uma revolução social na forma de pesquisar e há consequência lógica que o Direito Tributário acompanhe as mudanças tecnológicas e sociais, desde que mantidas as finalidades originárias.

Assim, os arquivos de mídia online integram o rol de informações eletrônicas, uma vez que não há pretensão na economia financeira de quem detém o objeto imune. A finalidade é manter a proteção à informação e ao conteúdo, propagação de cultura e educação. A internet é o melhor meio para propiciar isso e permite a comunicação e troca de informações a nível global. Não haveria retidão na tributação de arquivos disponíveis online enquanto os materiais impressos possuem imunidade tributária.

Conclusão

O objetivo do constituinte originário, ao estipular a imunidade de jornais, livros e periódicos foi perpetuar o acesso a informações e ideias, pluralismo político e evitar a censura da imprensa. Portanto, coube à Corte Constitucional, o Supremo Tribunal Federal, interpretar de forma extensiva (como uma imunidade tributária deve ser lida) o objetivo original e ampliar a imunidade para arquivos eletrônicos inclusive disponíveis online.

É necessário defender as liberdades de imprensa e de informação, seja pela leitura visual, ouvida ou pesquisada em internet, a facilidade de acesso a amplo conhecimento nunca foi tão fácil e não deve ser limitada por interesses tributários.

É importante ratificar que a imunidade objetiva não afasta todos os impostos, mas aqueles incidentes no bem protegido, além de exigir o cumprimento de obrigações tributárias acessórias. Por isso, o ideal é sempre procurar um profissional especializado para evitar o descumprimento de obrigações tributárias e incidência de multas.

Sobre a autora
Clarissa Fernanda Rodrigues

Advogada sócia em PRX Advogados. https://www.prxadvogados.com.br/ Pós graduanda em Direito Tributário. Pós-graduação em Direito Público. Membro das Comissões de Assuntos Tributários e de Contratos e Responsabilidade Civil da OAB/DF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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