Prova Ilícita

26/09/2019 às 09:47
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O artigo apresenta uma análise nos âmbitos constitucional e processual relativos à aceitação da prova ilícita no processo, assunto que não encontra consenso na doutrina.

1 - Introdução



Segundo Plácido e Silva, o vocábulo prova vem

do latim proba, de probare (demonstrar, reconhecer, formar juízo de), entende-se, assim, no sentido jurídico, a demonstração, que se faz, pelos meios legais, da existências ou veracidade de um ato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência ou se firma a certeza a respeito da existência do fato ou do ato demonstrado. (SILVA, 1987, 491).

Entretanto, a palavra prova é utilizada com mais de um significado - tanto no sentido comum como no sentido jurídico.

Seguindo o entendimento majoritário da doutrina, Moacyr Amaral Santos nos mostra que o sentido jurídico da palavra prova não se afasta muito do sentido comum e pode significar tanto a produção dos atos ou dos meios com as quais as partes ou o juiz entendem afirmar a verdade dos fato alegado, quanto o meio de prova considerado em si mesmo ou até o resultado dos atos ou dos meios produzidos na apuração da verdade. (SANTOS, 1983, 2)

É importante ressaltar o ensinamento de Vicente Greco Filho que demonstra não ter a prova um fim em si mesma, dizendo que “a finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é o seu destinatário”. (GRECO, 1997, 194)

Sabemos que quem leva as provas ao conhecimento do juiz são as partes e que, conceitualmente, o direito à prova implica na ampla possibilidade de utilizar quaisquer meios probatórios disponíveis. A regra é a admissibilidade das provas; e as exceções devem ser expressas de forma taxativa e justificada.

Dentre as provas vedadas em nosso ordenamento jurídico encontram-se as chamadas provas ilícitas. É sobre estas provas que o presente trabalho irá versar, percorrendo, entre outros temas, o de sua possível aceitação no processo.

Há uma abordagem especial à interceptação telefônica, devido a regulamentação do inciso XII, parte final, do artigo 5º da Carta Magna, pela Lei n.º 9.296/96.

Será feita uma análise não apenas no âmbito do Direito Processual, mas, principalmente, nas lindes constitucionais no que for pertinente à matéria abordada.


 

2 – Provas Ilícitas



2.1 Conceito

Na Constituição Federal brasileira de 1988, no rol dos direitos e garantias individuais, em seu artigo 5º, LVI encontramos referência às provas ilícitas. Traz o seguinte dispositivo legal que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Considerando-se como provas ilícitas as obtidas com violação da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem, do domicílio, e das comunicações, salvo nos casos permitidos no inciso XII, do mesmo artigo, a das comunicações telefônicas.

São as provas ilícitas espécie das chamadas provas vedadas, porque por disposição de lei é que não podem ser trazidas a juízo ou invocadas como fundamento de um direito. Pelo mesmo motivo, enquadram-se dento das provas ilegais, ao lado das provas ilegítimas.

Apesar de espécies de provas ilegais, as prova ilícitas não se confundem com as provas ilegítimas. Enquanto, as provas ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito material, as provas ilegítimas são as obtidas com desrespeito ao direito processual. Disto conclui-se que determinadas provas ilícitas podem, ao mesmo tempo, ser ilegítimas, se a lei processual também impedir sua produção em juízo.

 Nesta linha de raciocínio, a renomada processualista Ada Pellegrini Grinover entende por prova ilícita, em sentido estrito,

a prova colhida com infringência às normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis, freqüentemente para a proteção das liberdades públicas e especialmente dos direitos de personalidade e mais especificamente do direito à intimidade. (GRINOVER, 1996, 131)


2.2 Debates doutrinários sobre aceitação da prova ilícita no processo

A questão das provas ilícitas tem suscitado muitos debates no meio jurídico. Alguns doutrinadores entendem que elas devem ser aceitas no processo civil de forma válida e eficaz, não obstante seja ilícita; outros que isto seria um absurdo.

O jurista José Carlos Barbosa Moreira, analisando a questão da provas adquiridas com infração a uma norma jurídica, nos informa que existem duas teses radicais:

De acordo com a primeira tese devem prevalecer em qualquer caso o interesse da Justiça no descobrimento da verdade, de sorte que a ilicitude da obtenção não subtraia à prova o valor que possua como elemento útil para formar o convencimento do juiz, a prova será admissível, sem prejuízo da sanção a que fique sujeito o infrator.

Já para a segunda tese, o direito não pode prestigiar o comportamento antijurídico, nem consentir que dele tire proveito quem haja desrespeitado o preceito legal, com prejuízo alheio; por conseguinte, o órgão judicial não reconhecerá eficácia à prova ilegitimamente obtida. (MOREIRA, 1997, 109)

O que se observou foi a doutrina e a jurisprudência mundiais dividirem-se ao longo do tempo sobre a aceitação das provas ilícitas. O professor Arnaldo Siqueira de Lima afirma que “alguns países, inclusive o Brasil, até 1988, aceitava no processo determinadas provas ilícitas, sujeitando à lei aquele que a obtinha” (LIMA, 2001, 1). Isto podia ser constatado, por exemplo, no caso do agente que ingressava na residência do suspeito sem o competente mandado de busca para apreender produto de crime. A res furtiva ali apreendida servia, efetivamente, de prova no processo, ficando ele, no entanto, sujeito às penas do crime de abuso de autoridade (Lei n.º 4.898/65, § 3º, letra ‘‘b’’).

Ainda na opinião do professor Arnaldo Siqueira, a partir de 1988 não houve possibilidade de aceitação de provas obtidas dessa maneira. Isto porque em seu entendimento o Direito brasileiro não adota a teoria da proporcionalidade (do Direito alemão) ou da razoabilidade (do Direito dos EUA), no qual o magistrado pode considerar a prova ilícita após uma avaliação entre os direitos e os interesses em confronto, constitucionalmente assegurados, desde que o caso seja de extrema importância.

Há que ser levada, ainda, em consideração a análise feita por Ada Pellegrini Grinover de que

os direitos e garantias fundamentais não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio de sua convivência, que exige a interpretação harmônica e global das liberdades constitucionais. (GRINOVER, 1996, 140)


2.3 Provas Ilícitas por Derivação

As provas ilícitas por derivação são aquelas provas obtidas de forma lícita, porém a que a ela se chegou por intermédio da informação extraída de prova ilicitamente colhida.

Exemplo clássico é o da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido.

A prova ilícita por derivação fica pois maculada pela prova ilícita da qual ela derivou. Este entendimento é o da teoria dos frutos da árvore envenenada, criada pela Suprema Corte Americana, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.

A própria Corte Suprema norte-americana tem acatado exceções da inadmissibilidade de aceitação das provas ilícitas por derivação quando a conexão com a prova ilícita é tênue, de maneira a não se colocarem como causa e efeito ou quando as provas derivadas da ilícita poderiam, de qualquer modo, ser descobertas por outra maneira. Conclui-se que se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada, ou se esta derivar de fonte própria, não fica contaminada e pode ser produzida em juízo.


2.4 Conseqüências processuais da admissão da prova ilícita

A sentença passada em julgado, que tiver se baseado em provas ilícitas, será nula e poderá ser desconstituída pela via da revisão criminal, caso em que o juízo rescisório poderá, examinando o mérito, absolver o imputado. Mas, tratando-se de habeas corpus, a decisão de primeiro grau deverá ser anulada, com a indicação das provas viciadas, além da determinação de seu desentranhamento.

Não se pode olvidar, porém, que os Tribunais Superiores têm sustentado que a prova vedada não gerará a nulidade do processo, se a condenação não estiver fundada exclusivamente na prova ilícita [1]. Assim, a referência, na sentença, sobre a existência de outras provas, aptas à condenação, seria suficiente para afastar a nulidade [2].


 

3 - Interceptação Telefônica



Na concepção de Ada Pellegrini Grinover,

entende-se por interceptação a captação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento de um só deles. Se o meio utilizado for o “grampeamento” do telefone, tem-se a interceptação telefônica; se se tratar de captação de conversa por um gravador, colocado por terceiro, tem-se a interceptação entre presentes, também chamada de interceptação ambiental. Se um dos interlocutores grava a sua própria conversa, telefônica ou não, com o outro, sem o conhecimento deste, fala-se apenas em gravação clandestina. (GRINOVER, 1976, 111)

Importante frisar que não desfigura a natureza da interceptação o fato de um dos interlocutores saber que ela está ocorrendo.

A Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, que regulamentou  o inciso XII do art. 5º da Constituição da República, abarcou tanto a interceptação telefônica em sentido estrito (aquela feita sem o conhecimento dos interlocutores) quanto a escuta telefônica (feita com a anuência de um dos interlocutores). Não regulamentou, porém, as interceptações entre presentes (interceptação ambiental) e as gravações clandestinas.

A interceptação telefônica realizada com autorização judicial, nos termos desta lei acima mencionada, caracteriza prova lícita e admissível. Quando não autorizada, constitui prova ilícita, só sendo admissível em benefício da defesa (artigo 10 da mesma lei).

No entanto, claro deve ficar que esta exceção da inviolabilidade diz respeito, apenas, a comunicações telefônicas, para finalidade de investigação criminal e instrução processual penal. Com relação às demais formas indicadas pela Constituição Federal brasileira de 1988, a inviolabilidade do sigilo se torna absoluta.


 

4 - Conclusão



O método probatório judicial constitui um conjunto de regras cuja função garantidora dos direitos das partes e da própria legitimação da jurisdição implica limitações ao objeto da prova, seus meios de obtenção, e, ainda, estabelece os procedimentos adequados à colheita da prova. Com isso, existem provas vedadas e, entre elas, as provas ilícitas.

Quanto a aceitação ou não destas provas ilícitas no processo, não há um consenso doutrinário e entendemos que a melhor ponderação é a que aponta no sentido de que a vedação constitucional à aceitação da prova ilícita deve ceder nos casos em que a sua observância intransigente leve à uma lesão de um direito fundamental ainda mais valorado.

Da mesma forma, quanto às provas ilícitas por derivação, conforme demonstrado nesta exposição, devem ser avaliadas para que seja analisada a admissibilidade ou não no processo.

Da disposição do artigo 5º, LVI da Constituição da República de 1988 que veda, de forma expressa, o ingresso, no processo, das "provas obtidas por meios ilícitos" existe uma exceção, que vem determinada na própria Constituição e no mesmo artigo, no inciso XII, que trata da interceptação telefônica autorizada por ordem judicial, “nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

Assim, no que concerne à escuta telefônica: prova lícita se realizada conforme a Lei n.º 9.296/96, prova ilícita se concretizada sem autorização judicial, além de configurar, nesse caso, crime.

Por fim, a prudência recomendada ao juiz no âmbito do direito material se repete no direito processual. A ele compete, no enfoque do caso concreto, examinar o cabimento da aplicação da teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade para temperar o rigor da inadmissibilidade da prova ilícita, mesmo porque, pelo sistema constitucional vigente não há falar-se em garantia absoluta, extremada e isenta de restrição decorrente do respeito que se deve a outras garantias de igual ou superior relevância.


 

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5 - Bibliografia



AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

ILHA, André de Oliveira Godoy. A admissibilidade da prova ilícita no processo penal em face da teoria da proporcionalidade. <http://www.ccj.ufsc.br>, acessado em 26.05.2001.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil brasileiro. vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1997 .

GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

______________________. Liberdades públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. São Paulo: Saraiva, 1976.

LIMA, Arnaldo Siqueira de. Provas lícitas e ilícitas. <http://www.jus.com.br>, acessado em 26.05.2001.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual, 6 ed. Saraiva São Paulo: Saraiva, 1997 .

SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1983.

SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.



[1] Assim é que, no julgamento do HC 5.292, de que relator o Min. Anselmo Santiago, DJ 16.6.97, o Tribunal deixou assentado, em caso de extorsão mediante seqüestro, que “a escuta telefônica é apenas uma das diversas provas capazes de dar ensejo à denúncia, não sendo única nem indispensável no caso concreto”.

[2] RHC 74.807-4, rel. Min. Maurício Correa, DJ 20.6.97. Já decidiu a Corte Constitucional ser irrelevante a ilicitude se o provimento condenatório está lastreado nas demais provas dos autos. V., a propósito, HC 69.209, DJ 8.5.92, rel. Min. Marco Aurelio, RTJ 141/924, set. 1992; HC 75.127, DJ 27.6.97.

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