O princípio da Proteção no Direito do Trabalho e o atual art. 620 da Consolidação das Leis Trabalhistas

26/09/2019 às 13:48

Resumo:


  • O princípio da proteção visa equilibrar a relação entre empregado e empregador no Direito do Trabalho.

  • Esse princípio desdobra-se em subprincípios como in dubio pro operário e preservação da condição mais benéfica.

  • A prevalência da norma mais favorável ao trabalhador é um princípio fundamental no Direito do Trabalho, garantindo a proteção dos direitos trabalhistas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Examina-se o novo cenário de aplicação de normas coletivas trazido pela Reforma Trabalhista e a sua compatibilidade com os princípios específicos do Direito Laboral.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por finalidade apresentar uma reflexão sobre o princípio da proteção no Direito do Trabalho, subprincípio da prevalência da norma mais favorável ao empregado, contextualizando-o junto ao atual panorama promovido pela Reforma Trabalhista – Lei Federal n.º 13.467/2017, em especial a nova redação conferida ao art. 620 da CLT.

Com efeito, antes mesmo de adentrar à exposição do pensamento crítico sobre o tema, merece ser trazida à baila uma breve compreensão teórica dos institutos jurídicos que servem de alicerce e dão sustentação à reflexão ora proposta. 

I) PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

O chamado princípio da proteção visa ao resguardo do empregado, de forma a equilibrar a superioridade econômica do “patrão” em relação ao “obreiro”. Referido postulado desdobra-se em três subprincípios, a saber: a) in dubio pro operário (pro misero); b) a preservação da condição mais benéfica; c) a prevalência da norma mais favorável ao trabalhador.

I.a) In dubio pro operário

Consiste no subprincípio encarregado de auxiliar na interpretação da norma trabalhista, especificamente para os casos em que houver uma norma polissêmica, isto é, aquela que se permite mais de uma interpretação, ocasião em que deverá prevalecer aquela mais favorável ao trabalhador.

 

I.b) Preservação da condição mais benéfica

O subprincípio da preservação da condição mais benéfica decorre do postulado da segurança jurídica e também garantia fundamental do direito adquirido (art.5, XXXVI, CF). Há ainda quem sustente sua extração do direito fundamental à irretroatividade dos efeitos da lei penal, salvo nos casos de ser mais favorável ao réu (art. 5º, XL, CF).

Por esse subprincípio, os direitos conquistados pelo trabalhador ao longo do tempo não podem ser modificados por uma nova norma trabalhista com o intuito, é claro, de prejudicar direitos. Logo, uma nova norma somente será passível de ter seus efeitos aplicados no passado se for mais benéfica ao trabalhador.

A propósito, vale a pena recordar que o postulado da preservação da condição mais benéfica encontra-se previsto na CLT em seu artigo 468, in verbis:

 

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

 

Com o mesmo arrimo, é possível verificar que a jurisprudência reverberou este entendimento nas súmulas 51 e 288 do Tribunal Superior do Trabalho. Senão as vejamos:

 

Súmula nº 51 do TST

NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973)

II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1  - inserida em 26.03.1999)

            SÚMULA nº 288 do TST 

COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA  (nova redação para o item I e acrescidos os itens III e IV em decorrência do julgamento do processo TST-E-ED-RR-235-20.2010.5.20.0006 pelo Tribunal Pleno em 12.04.2016) - Res. 207/2016, DEJT divulgado em 18, 19 e 20.04.2016

I - A complementação dos proventos de aposentadoria, instituída, regulamentada e paga diretamente pelo empregador, sem vínculo com as entidades de previdência privada fechada, é regida pelas normas em vigor na data de admissão do empregado, ressalvadas as alterações que forem mais benéficas (art. 468 da CLT).

II - Na hipótese de coexistência de dois regulamentos de planos de previdência complementar, instituídos pelo empregador ou por entidade de previdência privada, a opção do beneficiário por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do outro.

III – Após a entrada em vigor das Leis Complementares nºs 108 e 109, de 29/05/2001, reger-se-á a complementação dos proventos de aposentadoria pelas normas vigentes na data da implementação dos requisitos para obtenção do benefício, ressalvados o direito adquirido do participante que anteriormente implementara os requisitos para o benefício e o direito acumulado do empregado que até então não preenchera tais requisitos.

IV – O entendimento da primeira parte do item III aplica-se aos processos em curso no Tribunal Superior do Trabalho em que, em 12/04/2016, ainda não haja sido proferida decisão de mérito por suas Turmas e Seções.

 

I.c) Prevalência da norma mais favorável ao trabalhador

 

Segundo o subprincípio da prevalência da norma mais favorável, entende-se que existindo mais de uma norma no ordenamento jurídico versando sobre os mesmos direitos trabalhistas, deverá prevalecer aquela que mais favoreça ao empregado.

É de se notar, portanto, que o Direito do Trabalho adota a Teoria dinâmica da hierarquia entre as normas trabalhistas, já que no topo da pirâmide normativa “não estará necessariamente a Constituição”, e sim a norma mais favorável ao trabalhador.

Peço a devida licença para utilizar as aspas no parágrafo acima, pois entendo que, mesmo na chamada Teoria dinâmica da hierarquia entre as normas trabalhistas, sempre a Constituição Federal será eixo gravitacional de todo o ordenamento jurídico, de modo que a “norma mais favorável ao trabalhador” inexoravelmente terá como fonte de validade um dispositivo constitucional, seja do art. 1º, III, (dignidade da pessoa humana) seja do art. 7º (garantia das melhorias da condição social do trabalhador).

 

II) A REFORMA TRABALHISTA

Como é cediço, a Lei Federal n.º 13.467/2017 introduziu a chamada “Reforma Trabalhista” com a alteração de diversos dispositivos da CLT, dentre os quais, destaco o seu art. 620:

 

“Art. 620.  As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.”  

 

Pela leitura da nova redação do supracitado artigo da CLT é possível notar que a novel legislação trabalhista foi assertiva e categórica ao determinar que as disposições estabelecidas em Acordo Coletivo de Trabalho sempre prevalecerão sobre aquelas estipuladas em Convenção Coletiva de Trabalho.

Pois bem.

A partir disso, surge uma reflexão:

Será que ainda subsiste na ordem jurídica trabalhista o postulado da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador?

Por um lado, há quem defenda o acerto da nova redação do art. 620 da CLT por entender que o Acordo Coletivo de Trabalho constitui uma norma mais eficiente na defesa dos objetivos específicos de uma determinada categoria, uma vez que é celebrado entre os próprios trabalhadores envolvidos (Sindicato) e a respectiva empresa.

Com o máximo e devido respeito, ouso dissentir.

Vale a pena recordar que “um princípio jurídico”, por definição, constitui um mandamento nuclear que irradia efeitos por todo um sistema jurídico, inclusive para a elaboração de suas normas. Não é à toa que o art. 8º da CLT preconiza os princípios de direito do trabalho como importantes instrumentos na aplicação da “lei trabalhista”.

 

Senão vejamos o art.8º da CLT:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

 

Com o mesmo arrimo, aliás, merece ser trazida à baila a indispensável lição do eminente Professor e Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Dr. Rafael Edson Pugliese Ribeiro em sua obra comentada sobre a Reforma Trabalhista:

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“ O princípio central do Direito do Trabalho é o princípio da proteção, alicerce de toda a estrutura tutelar que faz justificar a existência de regramento mínimo para garantir a dignidade ao trabalho humano. Os princípios do Direito do Trabalho, dentre eles o da proteção, devem estar presentes também na elaboração do acordo coletivo.”

 

(...)

Ensina-nos ainda o Ilustre Doutrinador com sua irretorquível sabedoria:

 

“A nova redação posta ao art. 620 não investiu a ponto de afirmar que o princípio da norma mais favorável deixaria de existir no Direito do Trabalho, muito porque, se o fizesse, toparia com o disposto no art. 7º, caput, da CF, que preconiza sempre a melhoria das condições sociais do trabalhador, a compreender, assim, conflito com a norma mais favorável. Em vez disso, a nova redação dada ao art. 620 fez uso do advérbio “sempre”, mas isso não é suficiente para a superação do propósito constitucional (art.7º, caput), nem se pode afirmar que, entre duas normas aplicáveis, fosse possível preterir a norma mais benéfica em prejuízo da parte em cujo favor o sistema normativo edificou a tutela jurídica”.

 

Mas ainda não é só.

Merece, outrossim, ser trazida à tona a jurisprudência trabalhista esposada através da súmula 202 do Tribunal Superior do Trabalho a qual, respeitosamente, considero estar plenamente vigente, isto é, não foi objeto de cancelamento formal e nem mesmo superada através do fenômeno overruling.

Súmula nº 202 do TST

GRATIFICAÇÃO POR TEMPO DE SERVIÇO. COMPENSAÇÃO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Existindo, ao mesmo tempo, gratificação por tempo de serviço outorgada pelo empregador e outra da mesma natureza prevista em acordo coletivo, convenção coletiva ou sentença normativa, o empregado tem direito a receber, exclusivamente, a que lhe seja mais benéfica.

Diante de todo esse contexto, parece inafastável a conclusão de que a nova redação do art. 620 da CLT traz consigo graves problemas se cotejada com o “sistema jurídico-trabalhista”, inclusive de índole constitucional.

Não é demais lembrar que a ideia de “proteção social do trabalho” encontra-se espalhada por diversos pontos da Constituição Federal, tais como: art.1º, III e IV (dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho), art. 5º (isonomia), art. 6º (o trabalho como direito social), art. 170 (Ordem Econômica fundada na valorização do trabalho humano) e art. 193 (Ordem Social tem como base o primado do trabalho).

Assim, é de se notar que o novo art. 620 da CLT entra em “rota de colisão” com princípios jurídicos setoriais trabalhistas, com a própria Consolidação das Leis Trabalhistas (em seu art. 8º) e, acima de tudo, em conflito com a própria Constituição Federal que, em seu art.7º, assegura como garantia fundamental a melhoria das condições sociais do trabalhador.

 

 

 

 

 

 

Referências

RIBEIRO, Rafael Edson Pugliese. Reforma Trabalhista comentada: análise da lei e comentários aos artigos alterados da CLT e leis reformadas. Curitiba, Juruá, 2018.

PRATA, Geancarlos Lacerda; SILVA, Vander Brusso; CARLOS, Vera Lucia. Guia prático de Direito do Trabalho. São Paulo,Thomson Reuters Brasil, 2018.

http://www.tst.jus.br/sumulas

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/SumulaVinculante

http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/

 

 

Sobre o autor
Fernando Magalhães Costa

Autor do PODCAST_Fernando Magalhães: https://bit.ly/fernandomagalhaes. Servidor público federal, Analista Judiciário do TRT da 2ª Região. 2006/2012 - servidor público federal, Técnico Judiciário do TRE-SP. Atuação como Assessor Jurídico Substituto da Presidência na área de Licitações e Contratos. Membro da Comissão Permanente de Licitações e da Equipe de Apoio ao Pregão. Gestor de Contratos. 2001 - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Lotação: Departamento de Contas Nacionais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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