O tema que envolve a discussão sobre a concessão de prazos diferenciados para a apresentação de alegações finais em processos criminais, e que está sendo julgado perante o Supremo Tribunal Federal nos autos do HC 166.373 (ainda pendente de resultado final), é mais um daqueles casos que geram grande tensão social, em razão das consequências que podem gerar.
Em outro texto que elaborei, e foi divulgado aqui pelo PORTAL (“LAVA JATO – Incêndio fora de controle”) abordei alguns aspectos legais sobre este debate jurídico. Inclusive sobre a possibilidade de modulação dos efeitos de uma decisão inovadora desta espécie, e que deveria produzir efeitos apenas para o futuro, e não de forma retroativa, para o especial fim de se impedir que decisões tomadas com base na lei e jurisprudência então aplicáveis fossem anuladas pelo efeito arrebatador do novo precedente.
Neste texto agora, pretendo expor o entendimento que demonstra que, o superdimensionamento de um direito pode acarretar no inevitável amesquinhamento de outro.
Ou, como vem expresso na milenar máxima latina, Summum ius, summa iniuria, que, em uma tradução livre, significa: "o supremo do direito, a suprema da injustiça". Tem-se que a busca exorbitante de um direito pode gerar injustiças.
Mas em que sentido a busca de preservação do sagrado direito de defesa, poderia, de algum modo, gerar injustiça?
A resposta é simples: ao se potencializar, até não mais poder, o direito de defesa, em detrimento de outras franquias constituicionais de equivalente estatura, por exemplo, o direito a segurança pública (e jurídica), e a duração razoável do processo, previstos na Constituição Federal, e abaixo reproduzidos:
“...Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
LXXVIII - A TODOS, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação...”
Noutros dizeres, ao se criar inúmeras nuances interpretativas prestigiadoras do direito a ampla defesa e ao contraditório, está se gerando como consequência, a deterioração das prerrogativas constitucionais da sociedade de SEGURANÇA contra a prática de crimes (inclusive jurídica, de estabilização das relações jurídicas), e também da razoável duração do processo.
Note-se que, quando a Constituição Federal se refere a “razoável duração do processo”, faz menção a TODOS, não distinguindo entre os acusados (e alvos de um processo) e os integrantes da sociedade, que também integram esta noção de TODOS.
Porque a sociedade também se vê refém da expectativa do término de processos judiciais movidos contra autoridades (ou ex-autoridades), com repercussão nacional e internacional, e que versam sobre acusações de desvios de quantias astronômicas dos cofres públicos, e que não apenas ficam pendente de uma definição. Mas pior, ficam sujeitos a incidência de NOVAS definições, decorrentes de posicionamentos inovadores de decisões proferidas pelas Cortes de Justiça.
Como é a situação destacada neste texto, referente ao posicionamento da Suprema Corte, inclinando-se pela concessão de prazos diferenciados para réus, a depender de terem, ou não, feito pacto de colaboração premiada.
A persistir este cenário, estes processos de maior envergadura, no qual existam as tais “delações premiadas” (e que tratam de expoentes renomados do cenário político nacional), poderão não ter mais fim. Mais preocupante ainda, poderão ter como fim a EXTINÇÃO sem punição. Se forem alcançados pela prescrição (prazo que o Estado dispõe para promover a punição dos delinquentes), como resultado da demora demasiada em se ter uma decisão final e definitiva.
Este precedente do STF, se assim for mesmo consolidado (acerca dos prazos diferenciados para alegações finais), além das anulações em série de condenações que poderão acarretar, também poderão perpetuar este ciclo de nulidade, mesmo em processos futuros.
Pela legislação atual, em algumas situações, é possível fazer um acordo de delação premiada mesmo depois de ter sido proferida uma condenação. Ilustrativamente, se o criminoso acreditou que seria inocentado, mas acabou sendo condenado. E, diante da pesada condenação, resolve entabular uma “delação premiada”, visando reduzir a punição que lhe foi imposta. Como permitido pela Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98):
Art. 1°... § 5o A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a QUALQUER TEMPO, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
Como se faria em uma situação dessas, se o processo já estivesse tramitando perante o Tribunal Recursal? Seria o caso de se anular a condenação imposta em Primeiro Grau, porque o outro acusado no mesmo processo (e que não fez acordo de delação), teria tido seu direito ferido, porque então teria que voltar a fase de alegações finais, para que este outro acusado pudesse novamente apresentar novas alegações finais?
Bem assim, e se porventura no mesmo processo, com vários réus, todos eles aderirem a uma colaboração premiada, mas todos com objetivos contrapostos, e cujos termos da colaboração possam prejudicar uns aos outros? Como se faria para estipular a ordem de apresentação de alegações finais? Qual dos réus colaboradores teria a prerrogativa de se manifestar por último?
Muitas dúvidas, poucas certezas, e uma crescente preocupação com o futuro da Nação, como consequência da descrença nas instituições, e aumento assustador da criminalidade e das tensões sociais. Que, não falta muito, podem se converter em perturbador deflagrador de uma séria conflagração social.