PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR E O DIREITO A AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO
ADMINISTRATIVE PROCEDURE OF MILITARY DISCIPLINARY AND THE RIGHT TO HIGH DEFENSE AND CONTRADICTION
Márcia Raquel Gauger de Albuquerque Gomes
Pós-graduando no curso Direito Administrativo da rede de ensino LFG/Anhanguera, Subtenente do Corpo de Bombeiros Militar de Roraima, graduado nos Cursos de Segurança Pública e Direito. Contato: [email protected]
RESUMO
O processo disciplinar é um instrumento utilizado pela administração pública para controlar e fiscalizar o exercício da função pública dos servidores, fundamenta-se no poder disciplinar conferido ao Estado, buscando apurar faltas disciplinares e solucionar situações controversas. Este artigo tem como escopo buscar entendimento sobre as diferenças entre ampla defesa e o contraditório em processos administrativos disciplinares no meio civil e militar, discorrer sobre noções gerais e princípios dos processos e procedimentos administrativos disciplinares em âmbito militar, arrazoar sobre seus antecedentes históricos e comparação com legislação civil e forma de elaboração, bem como a apresentação dos princípios constitucionais que norteiam o referido processo, a evolução do processo administrativo no meio civil e militar e o direito a ampla defesa e ao contraditório nos Processos Administrativos Disciplinares em âmbito Militar.
Palavras-chave: Ampla Defesa e Contraditório. Processo Administrativo. Disciplina Militar. Sindicâncias.
ABSTRACT
The disciplinary process is an instrument used by the public administration to control and supervise the exercise of the public function of the civil servants, based on the disciplinary power conferred on the State, seeking to establish disciplinary offenses and resolve controversial situations. This article aims at understanding the differences between ample defense and contradictory in disciplinary administrative processes in the civil and military environment, to discuss general notions and principles of disciplinary administrative processes and procedures in the military field, to reason about their historical antecedents and to compare them with civil legislation and the way of preparation, as well as the presentation of the constitutional principles that guide the said process, the evolution of the administrative process in the civil and military environment and the right to ample defense and the contradictory in the Disciplinary Administrative Procedures in Military scope.
Keywords: Broad Defense and Contradictory. Administrative process. Military Discipline. Sindicancias.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho científico terá por finalidade explicar como são garantidos os direitos do Contraditório e da Ampla Defesa durante o Processo Administrativo Disciplinar Militar.
Assim sendo, este artigo será dividido em V capítulos. No primeiro capítulo elencaremos os princípios constitucionais aplicáveis ao processo administrativo disciplinar. O segundo capítulo faremos a distinção entre processo e procedimento administrativo. O terceiro capítulo traz a figura do processo administrativo e sua formatação, já no quarto capítulo observamos o que é o processo administrativo militar e detalhamos suas fases, e por fim o quinto capítulo destacamos os princípios da ampla defesa e do contraditório nos Processos Administrativos Disciplinares Militares.
Para alcançar as metas propostas no projeto científico, será utilizada a metodologia da pesquisa “Qualitativa”.
O objeto deste trabalho será desvendar as diferenças entre o processo administrativo civil e o militar no que tange ao direito ao contraditório e a ampla defesa do acusado.
DESENVOLVIMENTO
O Processo Administrativo Disciplinar - PAD é um instrumento utilizado pela administração pública para controlar e fiscalizar o exercício da função de seus servidores, fundamenta-se no poder disciplinar conferido ao Estado, que busca responsabilizar estes e as demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração pelas faltas cometidas.
Verifica-se que em âmbito militar muitos são os problemas encontrados quanto ao cumprimento do direito a ampla defesa e do contraditório, tendo em vista que os militares são regidos por legislação específica, as quais em grande parte foram editadas há mais de 20 anos.
Para explanar sobre a ampla defesa e o contraditório nos processos administrativos disciplinares temos que nos aprofundar nas leis militares vigentes, considerando que normalmente as punições oriundas de transgressões militares comumente são mais rigorosas do que as especificadas na Lei 9.784/99 que regula o PAD para servidores públicos civis, sendo assim um militar pode ser detido disciplinarmente por intermédio de um processo administrativo disciplinar, o que não ocorre com o servidor público civil.
1 OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
A nossa Constituição Federal traz em seu artigo 37 princípios explícitos e implícitos que regem a administração pública, os quais norteiam as Lei 9784/99, que em seu art.2º, parágrafo único, a qual enumera os critérios ou princípios informadores do processo administrativo. São eles: legalidade, finalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade ou proporcionalidade, obrigatória motivação, segurança jurídica, informalismo, gratuidade, oficialidade ou impulso oficial e contraditório e ampla defesa.
{C}1.1 {C}Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade está previsto no art. 5º, II da Constituição Federal e ao contrário de como este princípio é visto na esfera particular, no Direito administrativo ele é aplicado de maneira mais rigorosa, visto que o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo incidência de sua vontade subjetiva, só sendo permitido fazer o que a lei autoriza (Moraes, p.99, 2002).
Celso Bandeira de Mello (2013; p.104), afirma que:
O princípio da legalidade significa a submissão da administração à Constituição e às leis, obrigando a administração apenas a praticar atos típicos, atos cuja previsão encontra-se expressa em lei, podendo agir tão somente segundo a lei sendo vedado agir contra legem.
A ilegalidade poderá ser referida a competência, a finalidade, a forma, ao objeto e ao motivo do ato administrativo, assim o ato praticado contra legem e contra qualquer desses vícios é ilegal e em tese tipifica a improbidade administrativa.
Sabemos que o princípio da legalidade é definido como o dever de atuação conforme a lei e o direito.
1.2 Princípio da Finalidade
O princípio da finalidade está definido no art. 2º, parágrafo único, II, da Lei n. 9.784/99, como o dever de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei.”
Segundo o princípio da finalidade, a norma administrativa deve ser interpretada e aplicada da forma que melhor garanta a realização do fim público a que se dirige.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a finalidade é um princípio inerente à legalidade: “Na verdade, só se erige o princípio da finalidade em princípio autônomo pela necessidade de alertar contra o risco de exegeses toscas, demasiadamente superficiais ou mesmo ritualísticas, que geralmente ocorrem por conveniência e não por descuido do intérprete.”
Já para Matheus Carvalho, deve-se ressaltar que o que explica, justifica e confere sentido a uma norma é precisamente a finalidade a que se destina. A partir dela é que se compreende a racionalidade que lhe presidiu a edição. Logo, é na finalidade da lei que reside o critério norteador de sua correta aplicação, pois é em nome de um dado objetivo que se confere competência aos agentes da Administração. É preciso examinar à luz das circunstâncias do caso concreto se o ato em exame atendeu ou concorreu para o atendimento do específico interesse público almejado pela previsão normativa genérica.
1.3 Princípio da Impessoalidade
O princípio da impessoalidade consiste, primeiramente, na neutralidade da atividade administrativa, que só se orienta no sentido da realização do interesse público.
Este princípio também é conhecido como principio da finalidade administrativa e encontra-se no mesmo campo de incidência dos princípios da igualdade e da legalidade, visto que este deve agir o objetivo de resguardar a coletividade, e para fazer isso consequentemente deverá agir conforme a lei e sempre buscando a igualdade dentre os membros da sociedade, assim nos ensina o douto doutrinador Hely Lopes Meyrelles:
O princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (artigo 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal.
O princípio da Impessoalidade obriga o administrador a ser o executor do ato, e somente isso, o sujeito apenas vai manifestar a vontade estatal, pois a autoridade somente poderá realizar atos que atinjam o bem comum, e não atos que obtenham fins diversos beneficiando apenas um grupo de pessoas.
1.4 Princípio da Moralidade
É o princípio norteador para o exemplar funcionamento da administração pública, é o princípio mais amplo que engloba a maioria dos outros princípios constitucionais, o desrespeito a qualquer princípio sempre ensejará ausência de moralidade administrativa e consequentemente este ato será eivado de improbidade.
Segundo Odete Medauar apud Alexandre de Moraes, “o princípio da moralidade é de difícil ou até impossível expressão verbal, na forma escrita ou oral”. A dificuldade de conceituação está ligado com a dificuldade para definir corrupção.
Podemos definir corrupção como: o desvio de conduta aberrante em relação ao padrão moral consagrado pela comunidade, devido a isso a moralidade está ligada a corrupção, porém o princípio da moralidade é ainda mais extenso.
A moralidade é pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública, assim, o poder judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não deve se restringir ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, mas sim entender por legalidade e legitimidade não somente o que está escrito em lei, como também todos os atos que condizem com a moral administrativa e com interesse de toda coletividade (MORAES, p. 101).
1.5 Princípio da Publicidade
Para Alexandre Mazza – pg 117, Manual de Direito Administrativo:
O princípio da publicidade pode ser definido como o dever de divulgação oficial dos atos administrativos (art.2º, parágrafo único, V,da Lei n.9.784/99) faz-se pela inserção do ato administrativo no Diário Oficial ou por edital afixado em local próprio para divulgar os atos da administração, tendo o fito de informar o público em geral e de iniciar a produção de efeitos deste, pois somente a publicidade evita que os administradores desviem a finalidade prevista em cada ato, principalmente os processos que são arbitrariamente sigilosos, permitindo-se os competentes recursos administrativos e as ações judiciais próprias.
A publicidade é um requisito essencial para que a seja atingida a moralidade do ato administrativo, pelo fato de que se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo.
Na licitação desempenha duas importantes funções, quais sejam a de permitir o amplo acesso dos interessados ao certame e depois é eficaz na fiscalização dos atos praticados, facilitando a verificação de eventuais irregularidades.
2 DISTINÇÃO ENTRE PROCESSO OU PROCEDIMENTO
Há quem diga que a expressão “processo” deveria ser utilizada e reservada somente para processos judiciais, e que “procedimento” seria reservado ao âmbito administrativo, mas a doutrina dominante não concorda com esse pensamento, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 não faz distinção entre processo judicial ou administrativo, como está disposto no art. 5°, inciso LV, que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Segundo Alexandre Mazza, é possível constatar que muitos doutrinadores utilizam as expressões “processo administrativo” e “procedimento administrativo” como sinônimas.
Porém, tecnicamente as duas locuções possuem significados diferentes. Processo é uma relação jurídica, razão pela qual processo administrativo significa vínculo jurídico entra a Administração e o usuário, estabelecido para a tomada de uma decisão. Ao passo que procedimento administrativo é a sequência ordenada de atos tendentes à tomada da decisão.
Procedimento configura-se na exteriorização e materialização do processo, podendo assumir diversos modos de ser, podemos dizer que procedimento administrativo é o método utilizado, a forma utilizada para alcançar o objetivo do Processo. Ele tem como escopo fins específicos relacionados à jurisdição e aos direitos postos em conflito, é necessário que o procedimento seja refletido desde sua forma em abstrato, quando criado pelo legislador, para possibilitar tutelar o direito material.
3 O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
O Processo Administrativo Disciplinar é de grande importância para o regime Democrático, e a garantia da ampla defesa e do contraditório nesses processos é imprescindível para a transparência das ações disciplinares das autoridades públicas.
Os PAD´s são utilizados para registro de atos de controle de seus servidores e busca pela verdade real, pois mediante investigação e oitivas, ou ainda perícias são resolvidos os problemas de desvio de conduta e transgressões disciplinares.
José Ribamar Veloso Junior afirma que:
O processo administrativo também configura um mecanismo contra abusos e arbitrariedades da própria administração e deve garantir o irrestrito direito a defesa. A sua aplicabilidade deverá sempre decorrer de norma constitucional, que prevê que os princípios e os meios devem estar respaldados em todas suas etapas.
Na administração pública o processo adequado é aquele que está de acordo com os direitos fundamentais, pois as garantias dos princípios fundamentais e democrático provoca o equilíbrio entre interesses administrativos e seus administrados.
Neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello, afirma:
O processo administrativo afigura-se, pois, num instrumento legitimador da atividade administrativa que, ao mesmo tempo, materializa a participação democrática na gestão da coisa pública e permite a obtenção de uma atuação administrativa mais clarividente e um melhor conteúdo das decisões administrativas. De igual modo, traduz-se em garantia dos cidadãos administrados, no resguardo de seus direitos.
Esse tipo de processo é utilizado para julgar casos ilícitos no âmbito administrativo. Muitas vezes verifica-se que o assunto a ser dirimido ultrapassa os liames do direito administrativo, pois algumas situações podem levar, além da punição administrativa, há ações na esfera cível ou penal.
O PAD se fundamenta no poder disciplinar conferido ao Estado, por meio do qual a Administração Pública controla e fiscaliza o exercício da função de seus servidores, responsabilizando estes e as demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração pelas faltas cometidas.
Nesses processos podemos ter a figura das sindicâncias investigativas, quando a administração tem a possibilidade de uma transgressão, logo a materialidade ainda terá que ser comprovada para posteriormente a autoria ser investigada.
Já as sindicâncias de cunho punitivo, são aquelas que ao término poderá ter como punição, desde uma advertência até a demissão do servidor público.
Vale lembrar que o PAD, como o processo judicial, também é regido pelas garantias da ampla defesa, devido processo legal e contraditório.
Inclusive, nesse tipo de processo, como nas demais situações existe a obrigatoriedade de formalidades e ritos a serem seguidos, esses ritos estão legalmente estabelecidos e devem ser cumpridos, bem como seus prazos legais.
O que não deverá ocorrer é aplicação de penalidade administrativa ao servidor sem a instauração prévia e apuração dos fatos por um processo administrativo disciplinar – PAD, pois é obrigação da administração pública garantir ao servidor público, efetivo ou não, o direito à ampla defesa e ao contraditório.
No entanto, temos que lembrar que todo julgamento, mesmo o de PAD´s temos que fundamentar todas as decisões, a transgressão deve estar devidamente encaixada no regulamento pertinente e a justificativa da punição deve ser relatada, mesmo que brevemente, desta forma é realizado o controle de legalidade da punição pelo Judiciário, sempre que for acionado, protegendo assim, os direitos individuais.
Sabemos e temos que deixar claro que somente poderá ser imposta sanção ao servidor público, após o devido processo legal. Garantindo assim a ampla defesa do acusado.
Importante lembrar que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, não é dado ao Judiciário adentrar na discricionariedade do administrador, devendo se restringir somente ao aspecto de legalidade do PAD.
4 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR
4.1 Hierarquia e Disciplina
A relação entre os agentes públicos via de regra está vinculada ao poder disciplinar devido à hierarquia, esse poder permeia toda a Administração Pública. No caso das instituições militares, a hierarquia e a disciplina consistem em seus verdadeiros pilares constitucionais.
A hierarquia e disciplina militares são princípios constitucionais que constituem a base das organizações militares, condensando valores como o respeito à dignidade da pessoa, o patriotismo, o civismo, o profissionalismo, a lealdade, a constância, a verdade, a honra, a honestidade e a coragem. Tais princípios pretendem dar máxima eficácia às instituições militares, conferindo-lhes poder e controle sobre seus integrantes, que pela função que desempenham sempre têm a arma ao seu alcance.
Segundo o texto do Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Roraima, são conceitos de hierarquia e disciplina:
Art. 5º A Hierarquia Militar é a ordenação progressiva da autoridade, em níveis diferentes, decorrente da obediência dentro das estruturas da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar, alcançando seu grau máximo no Governador do Estado, que é o Comandante Supremo de ambas as Corporações.
(...)
Art. 8º A Disciplina Militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes das instituições militares.
Sendo assim podemos concluir que a bases do militarismo são o respeito aos postos e graduações dos militares, onde são divididos em níveis diferentes para melhor funcionamento estatal já a disciplina é o método utilizado para que esse respeito exista, a disciplina nada mais é do que impor limites a esses militares para que todos cumpram suas obrigações e respeitem seus superiores, estando sujeitos a punições no caso da não observância das leis e regulamentos disciplinares.
4.2 O que pode ser considerado transgressão militar
A transgressão militar está presente dos regulamentos e códigos de ética disciplinares dos militares das Forças Armadas e das Polícias e Bombeiros Militares, não podemos confundir, transgressão disciplinar com crimes militares, embora o militar pode em uma mesma situação incorrer em crime e transgressão e responder pelas duas de forma independente.
De acordo com Celso Lobão o crime militar é:
a infração penal prevista na lei penal militar que lesiona bens ou interesses vinculados à destinação constitucional das instituições militares, às suas atribuições legais, ao se funcionamento, à sua própria existência, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia da proteção à autoridade militar e ao serviço militar. (LOBÃO, 2006, p. 56)
A conduta de transgressão militar vem descrita nos regimentos de cada força. Vamos utilizar o Regulamento Disciplinar do Exército, Decreto nº 4.346/2002, a fim de definir transgressão:
Art. 14.Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.
§1ºQuando a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar.
As punições para cada tipo de transgressão serão reguladas pelo Regulamento Disciplinar do Exército para os militares das Forças Armadas, já os militares do Distrito Federal e dos Estados tem em cada unidade da federação suas próprias leis que norteiam as aplicações de punições, por meio de Códigos de Ética e Disciplina dos Militares.
5 AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR
A Ampla Defesa e o contraditório são pressupostos constitucionais previstos no Art. 5º da CRFB/88:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;(...)
Segundo Alexandre Mazza, pagina 878 do Manual de Direito Administrativo o Contraditório e a Ampla Defesa são a garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos que possam resultar sanções e nas situações de litígio.
Embora não seja obrigatório que o acusado constitua advogado para fazer sua defesa, a presença e participação do advogado de defesa no momento do interrogatório administrativo faz com que se afastem imputações acusatórias e alegações de coação efetuadas pela autoridade administrativa. É necessário que o contraditório e a ampla defesa estejam presentes no procedimento administrativo para que os princípios constitucionais e as garantias humanas não sejam violadas.
O que ocorre comumente nos PAD´s em âmbito militar é que ao seguir as Leis militares ou regulamentos das instituições as autoridades administrativas acabam não proporcionando esses direitos aos acusados, tendo em vista que as legislações militares normalmente são anteriores à Constituição Federal de 1988 e não tiveram reformulações para adaptarem-se às evoluções que ocorreram na sociedade e nas leis civis.
Ademais muitas leis estaduais são cópias fiéis das leis militares federais que foram editadas na década de 40 (quarenta), lembrando que neste período o Brasil estava passando pelo regime militar. Podemos concluir que pela situação à época da elaboração das leis e pela rigidez exigida diante da caserna, essas normas são além de arcaicas, muito rígidas, necessitando urgentemente de uma alteração para amoldar-se à atualidade.
Podemos citar a ordem das oitivas como exemplo, onde é comum ver o acusado sendo o primeiro a ser ouvido, onde o correto seria ele ter o direito de acompanhar as oitivas da outra parte e testemunhas e ao final ser ouvido.
O princípio do devido processo legal foi inserido no artigo XI, n° 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, determinando o seguinte:
Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
Segundo Alexandre de Morais (2002) o princípio do devido processo legal constitui:
Dupla proteção ao indivíduo “no âmbito material, proteção ao direito de liberdade e no âmbito formal, para assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-Persecutor”.
Assim, também no Processo Administrativo Disciplinar, os atos devem ser válidos, de forma a garantir a plenitude da defesa, desde a citação, publicidade, ampla produção de provas, argumentação técnica e um julgamento pautado na razoabilidade e proporcionalidade.
O PAD tem três fases, sendo a primeira a instauração do processo, a segunda é o inquérito que compreende: instrução, defesa e relatório, onde são realizados os procedimentos de levantamento de provas e oitivas de denunciantes, testemunhas e acusados, e por fim temos a fase de julgamento, onde a autoridade irá receber os autos e realizará a análise dos documentos para decisão final por meio da solução do processo administrativo disciplinar.
A ampla defesa será realizada durante todo o processo, pois o acusado deverá ser informado de todos os atos do processo e participar facultativamente de todas as oitivas, onde poderá contraditar as testemunhas se for o caso, pessoalmente ou por meio de seu representante legal. Ocorre que na caserna muitas vezes esses direitos não são autorizados, pois a origem militar e impositiva que esta enraizada em nossas instituições impede muitas vezes as atualizações desses procedimentos administrativos.
O momento destinado ao contraditório ocorrerá mediante manifestação do acusado ou representante legal sempre que apresentar argumentações, e conteúdo probatório no sentido de contradizer as outras partes.
Vale lembrar que as instituições militares ainda utilizam os procedimentos sumários como meio de punição, mas devido ao alto número de processos que foram considerados nulos ou anuláveis por não contemplarem os direitos da ampla defesa e contraditório algumas adaptações estão sendo feitas, mas não foram atualizadas em leis.
A inovação no que diz respeito ao contraditório e a ampla defesa foi implementada na Constituição Federal de 1988 que assegurou os princípios e ampliou sua aplicação, tanto no âmbito penal como no administrativo.
Ada Pellegrini Grinover (2005) indica que tal amplitude foi uma grande evolução do texto constitucional:
Esta é a única interpretação da norma constitucional que, em obediência ao princípio de que a lei não pode conter disposições inúteis, faz com que não se considere superposta a tutela constitucional para os ‘acusados em geral’ e para os ‘litigantes em processo administrativo’. E esta é, sem dúvida, a vontade da Constituição pátria de 1988, coerente com as linhas evolutivas do fenômeno da processualidade administrativa”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade sofreu um processo gradual de transformação ao longo do tempo, na sociedade tecnológica o ser humano não vive mais no meio natural, e sim no meio técnico, que interpõem entre o homem e a natureza uma rede de máquinas e técnicas apuradas em que o homem domina a natureza e a utiliza para seus fins, ademais as questões relacionadas a vida na caserna, ou seja, no militarismo ainda são questionáveis pois a legislação militar não foi atualizada o que nos deixa com uma sensação imensa de insegurança jurídica.
Mesmo após tantas inovações nas Leis Brasileiras, a Legislação Militar ainda encontra-se ultrapassada no que diz respeito às garantias constitucionais do Direito ao Contraditório e a Ampla Defesa, mesmo assim todos os dias lutamos para que os julgadores desta área adotem um posicionamento mais flexível e se adequem os julgados aos entendimentos contemporâneos, dando mais dignidade e justiça aos militares que são submetidos aos julgamentos em processos administrativos disciplinares militares.
A maior parte dos julgados militares acabam sendo alterados em fase de recurso pois se os juízes militares não se ativerem as mudanças constitucionais e não aceitarem as invocações da defesa, que na maioria das vezes apelam por dignidade e isonomia na hora do julgamento, irão findar por macular o processo.
As mudanças no código penal militar e processo penal militar são almejadas por todos militares que sofrem no dia a dia com as incertezas geradas por leis que consideramos ultrapassadas, mas por sermos militares acabamos por nos acostumarmos a submissão de ordens e por consequência, de leis e normas, o que acaba por prejudicar a busca por melhorias, pois quem sofre com desatualização das leis são principalmente as praças, que são consideradas o elo fraco e de acordo com bases militares “hierarquia e disciplina”, são esses militares que devem submissão aos superiores, o que muitas vezes impede a busca por melhorias e por seus direitos.
A solução será a proposta de projeto de lei com alterações em nossos Códigos de Direito Penal Militar e Processo Penal Militar, que resguarde os direitos dos militares de acordo com atualidade, garantindo o direito à ampla defesa e ao contraditório, tal qual nas leis civis, o que dará aos processos uma maior segurança jurídica.
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