Organização Administrativa - A Administração indireta e o regime jurídico do Exército e da Itaipu

30/09/2019 às 14:21
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O artigo aborda a organização da Administração indireta, descrevendo suas entidades integrantes e suas respectivas funções dentro da máquina estatal.

1 ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

 

A organização administrativa refere-se à forma como o conjunto de entes e órgãos responsáveis pelas atividades administrativas realizadas no interesse da coletividade é estruturado. Não há coincidência com o conceito de organização do Estado, tema pertencente ao Direito Constitucional e que guarda relação com a “divisão política do território nacional, a estruturação dos Poderes, à forma de Governo, ao modo de investidura dos governantes, aos direitos e garantias dos governados” (MEIRELLES, 2016, p. 65).

As leis, os decretos e atos normativos diversos são os responsáveis pela estruturação dos entes e órgãos que compõem a Administração Pública, sendo que o Decreto-lei nº 200/67 surge como uma das normas mais importantes, pois disciplina a organização da Administração Federal de forma minuciosa e estabelece regras a serem observadas pela Administração dos Estados e Municípios, além de dividir a Administração Pública em direta e indireta. Ademais, trata das possibilidades de prestação de serviços públicos, que pode ser feita diretamente pelos entes políticos (componentes da federação), que, por isso, são chamados de entes da administração direta ou centralizada, ou por entes especializados criados com a finalidade de prestação de tais serviços, que constituem a administração indireta ou descentralizada (CARVALHO, 2017, p. 158).

São entes da administração direta a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e seus respectivos órgãos (OLIVEIRA, 2018, livro eletrônico), todos dotados de autonomia política e administrativa, e da administração indireta as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista. A distinção entre administração indireta tem amparo constitucional (art. 37, caput, CR-88) e legal (art. 4o, DL nº 200/67).

 

2 CONCENTRAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO

 

O exercício eficiente da função administrativa, que compreende a prestação de serviços públicos, a fiscalização de atividades privadas e a execução de obras públicas (CARVALHO, 2017, p. 159-160), pode ser realizado de duas formas: diretamente pelos entes políticos a que competem (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), que o fazem através de seus órgãos e agentes, ou indiretamente, mediante a criação e delegação de atribuições a pessoas responsáveis pelo desempenho das atividades que, prima facie, competiriam aos entes federativos. No primeiro caso, tem-se o fenômeno da centralização ou prestação centralizada de serviços e, no último, a descentralização ou prestação descentralizada dos serviços.

Nessa toada, torna-se evidente que centralização ou descentralização referem-se a decisões político-administrativas dos entes políticos que têm por escopo a garantia de eficiência dos serviços públicos realizados em prol do bem comum.

A descentralização pode ocorrer mediante a distribuição de competências para particulares ou para componentes da própria Administração Pública – nesse caso, indireta. Quando a transferência de atribuições é feita para particulares, ter-se-á a denominada delegação, mediante a celebração de contratos de concessão ou permissão de serviços públicos. Quando se dá em relação a entes da Administração, ocorrerá a outorga, com a expedição de ato normativo para sua criação e, simultaneamente, a definição das atividades que destinam-se a realizar (CARVALHO, 2017, p. 160).

Tais esclarecimentos são necessários para efetuar distinção entre os termos descentralização e desconcentração, que, embora sejam técnicas de organização administrativa, não se confundem.

Na desconcentração, existe uma especialização de funções ou distribuição de competências dentro da estrutura do ente político, sem a criação de uma nova pessoa jurídica. Assim, quando os integrantes da Administração Pública Direta conferem atribuições a seus órgãos, ou mesmo quando criam novos órgãos para a realização de determinadas tarefas (criação de Ministérios ou Secretarias, por exemplo), verifica-se a desconcentração (OLIVEIRA, 2018, livro eletrônico).

A distinção é clara a partir do entendimento de que a descentralização resulta na distribuição de competências a entes da Administração Pública indireta ou a particulares, enquanto a desconcentração tem por consequência a repartição de atribuições entre órgãos integrantes da estrutura administrativa, sem necessidade de criação de nova pessoa jurídica. Poderia ser dito que a primeira é fenômeno externo, enquanto a última, interno.

 

3 ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

 

Embora os entes da Administração Pública indireta tenham finalidades distintas, como adiante se exporá, é certo que possuem um conjunto de características em comum, como o fato de que “possuem personalidade jurídica própria, com poder de autoadministração, e se submetem aos princípios do planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competência e controle (art. 6o, DL nº 200/67)”, no escólio de OLIVEIRA (2018, livro eletrônico). A tais características, acrescenta CARVALHO (2017, p. 171) que todos os entes da Administração Indireta exigem lei ordinária para sua criação (art. 37, XIX, CR-88).

Para além disso, é importante ressaltar que os integrantes da Administração Pública indireta sujeitam-se ao controle do ente da Administração Direta responsável por sua criação, quanto à legalidade de seus atos.

 

3.1 AUTARQUIAS

 

Etimologicamente, o termo autarquia significa autogoverno ou governo próprio, conceituações estas que não se coadunam com a significação que possui perante o Direito Administrativo. CARVALHO FILHO (2018, livro eletrônico) lembra que a autarquia “no direito positivo perdeu essa noção semântica para ter o sentido de pessoa jurídica administrativa com relativa capacidade de gestão dos interesses a seu cargo, embora sob controle do Estado, de onde se originou”, embora o próprio autor admita, mais adiante, que até mesmo referido sentido encontra-se ultrapassado, pois outras pessoas jurídicas administrativas possuem a gestão de seus interesses, o que eivaria tal conceito de imprecisão.

Segundo definição de OLIVEIRA (2018, livro eletrônico), a autarquia é a “pessoa jurídica de direito público, criada por lei e integrante da Administração Pública Indireta, que desempenha atividade típica de Estado”, a qual se revela de acordo com o conceito legal previsto no art. 5º, I, do DL nº 200/67. Apesar da indeterminação acerca do conteúdo da expressão “atividade típica de Estado”, é certo que as autarquias não poderão exercer atividade econômica, porque seu exercício pelo Estado é excepcional (art. 173, CR-88) e compete às empresas públicas e sociedades de economia mista. Por outro lado, é indubitável que o exercício do poder de polícia, por exemplo, se enquadra dentre suas possíveis atribuições.

Possuem elas patrimônio próprio, normalmente transferido pelo ente da Administração Pública direta que as criou ou oriundo de suas próprias atividades, uma vez que não existem óbices à instituição de taxas e outros tributos para a prestação de serviços públicos e pelo exercício do poder de polícia (CARVALHO, 2017, p. 174), e gozam de liberdade administrativa dentro dos limites da lei que a instituiu. Não subordinam-se a nenhum órgão estatal, mas são objeto de controle estatal, conquanto possuam direitos e obrigações distintos do Estado, negócios próprios e, como acima dito, recursos próprios, independente da fonte de que promanem (MELLO, 2009, p. 161). É por tal razão que possuem também capacidade processual autônoma, podendo ser demandadas judicialmente de modo direto, restando apenas subsidiária a responsabilidade do Estado.

Como exemplos de autarquias, OLIVEIRA (2018, livro eletrônico) apresenta o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), CVM (Comissão de Valores Mobiliários), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) etc.

 

3.1.1 Regime jurídico

 

O regime jurídico das autarquias é o administrativo, sendo o mesmo aplicável aos entes federativos, de modo que possuem todas as prerrogativas públicas de que estes gozam, malgrado a entidade autárquica não possua poderes de caráter político (CARVALHO, 2017, p. 175). Em suma, o regime jurídico é mesmo aplicável à Fazenda Pública.

Como tal, dispõem processualmente das mesmas vantagens que a Fazenda Pública, como prazos em dobro para manifestação em juízo (art. 183, CPC), sem que com isso se ocorra violação ao princípio da isonomia, como ressalta o elucidativo julgado a seguir transcrito:

 

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. PRAZO EM DOBRO PARA O RECURSO DA AUTARQUIA. SALÁRIO-BASE. CLASSES. INTERSTÍCIOS. OBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO. PERÍCIA INCORRETA. AÇÃO IMPROCEDENTE. 1. Considerando que não é possível se divisar de pronto se a condenação é inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, o reexame necessário é de rigor, nos termos do artigo 475, inciso I e § 2º, do Código de Processo Civil. Aplicação imediata do dispositivo de natureza processual. 2. Afasta-se a matéria preliminar de contra-razões. Verifica-se que o prazo do recurso de apelação da autarquia, em dobro, nos termos do artigo 188 do CPC não fere o princípio da isonomia, porquanto se baseia na envergadura maior do interesse público em relação ao interesse particular. 3. De primeiro momento não serve como justificativa que o autor recebe percentual menor ao devido em relação ao teto de contribuição. Veja-se que a renda mensal inicial é calculada em razão do salário-de-benefício, decorrente de média aritmética dos trinta e seis salários-de-contribuição (art. 29 da Lei 8.213/91 em sua versão originária) e não sobre determinado percentual em razão do teto. 4. Da mesma forma, incorreta a conclusão do perito, tomando-se por base determinado número de salários-mínimos. Veja-se que o salário-mínimo não serve como referência ao cálculo do benefício, sob pena de afronta ao disposto no artigo 7º, IV, da CF. A vinculação de determinado benefício a número de salários-mínimos somente vigorou na hipótese do artigo 58 do ADCT, inaplicável a benefícios concedidos após a vigência da Constituição. 5. Veja-se que o perito, muito embora tenha considerado os valores da escala de salário-base conforme as suas respectiva vigências, ignorando, com razão, a equiparação em salários-mínimos prevista na CLPS/84, não observou atentamente a regra do artigo 137, § 2º, da CLPS/84 e 29, § 11, da Lei 8.212/91 que proíbe o segurado de "pular" de uma classe para outra. 6. Outro equívoco do trabalho pericial e que compromete a sua conclusão, é o fato de ter elaborado o laudo apenas com base nos salários-de-contribuição do período básico de cálculo (fl. 27), quando deveria levar em consideração as classes conforme a evolução realizada pelas contribuições do autor desde quando ingressou no sistema de salário-base. 7. Não havendo indicação de gratuidade, mas apenas pedido de isenção de custas, condeno a parte autora na verba honorária no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa. 8. Preliminar de contra-razões afastada. Apelação da autarquia e remessa oficial, tida por interposta, providas. Ação improcedente.

(TRF-3 - AC: 30411 SP 95.03.030411-3, Relator: JUIZ ALEXANDRE SORMANI, Data de Julgamento: 11/09/2007, Data de Publicação: DJU DATA:26/09/2007 PÁGINA: 979)

 

Ademais, outra vantagem processual da Fazenda Pública, estendida às autarquias, é o denominado duplo grau de jurisdição obrigatório, materializado na imperatividade da reanálise de decisões judiciais desfavoráveis pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, através da remessa necessária (art. 496, I, CPC). Sobre o tema, importante observar que a Súmula 620 do STF encontra-se atualmente superada pela redação do inciso I do art. 496 do Código de Processo Civil de 2015, visto que as autarquias foram expressamente incluídas entre os entes administrativos beneficiados pelo instituto do reexame necessário.

Não obstante, a remessa necessária possui restrições impostas pelo diploma processual civil com base no valor da condenação imposta à autarquia, bem como do ente político criado, quais sejam:

 

Art. 496. […]

§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;

III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.

§ 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

I - súmula de tribunal superior;

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

 

Por fim, podem ainda ser citadas como prerrogativas processuais das autarquias:

a) a dispensa do depósito de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa para ajuizar ação rescisória (art. 968, § 1º, CPC);

b) desnecessidade de adiantamento das custas processuais (art. 91, CPC), salvo honorários periciais (Súmula 232, STJ), e de depósito prévio para interposição de recursos (art. 1º-A, Lei nº 9.494/97);

c) cobrança de seus créditos mediante execução fiscal (Lei nº 6.830/80);

d) pagamento de seus débitos por ordem cronológica dos precatórios (art. 100, CR-88), sendo que as autarquias possuem fila própria, distinta do ente político criado.

Ademais, lembra OLIVEIRA (2018, livro eletrônico) que as autarquias possuem imunidade tributária, sendo vedada a instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços das autarquias, contanto sejam “vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes” (art. 150, § 2º, CR-88). “A imunidade só existe em relação aos impostos (não alcança, por exemplo, as taxas) e depende da utilização dos bens, das rendas e dos serviços nas finalidades essenciais da entidade”.

No tocante à responsabilidade civil das autarquias, o regime jurídico vem disciplinado pelo art. 37, § 6º, da Constituição da República, que adota da teoria do risco administrativo e enuncia:

 

Art. 37. [...]

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

 

Disso se conclui que a responsabilidade civil das autarquias é objetiva, do mesmo modo que a do ente político que as criara com relação aos fatos por aquelas praticados, não obstante, neste último caso, seja subsidiária.

No que se refere aos atos praticados pelas autarquias, são atos administrativos e, como tais, revestem-se de presunção de legitimidade, exigibilidade e executoriedade. Seus contratos têm caráter administrativo e tem regulação própria, na legislação específica que os contempla, inclusive em relação à obrigação de que sejam precedidos por licitação pública (Leis nº 8.666/93 e nº 10.520/02). “Aliás, o próprio Texto Constitucional do País, em seu art. 37, XXI, impõe a quaisquer pessoas da ‘Administração direta e indireta’, de qualquer dos Poderes e em quaisquer níveis de governo”, a exigência de licitação pública para a contratação de serviços de terceiros, realização de obras e compra e venda de bens, salvo nas hipóteses legais em que seja admitida a contratação direta (MELLO, 2009, p. 165-166).

O regime de pessoal das autarquias é estatutário. No âmbito federal, os agentes das entidades autárquicas são regidos pela Lei nº 8.112/90. Importante observar que o art. 39, caput, da Constituição da República, em sua redação originária instituiu o regime jurídico único (estatutário) para os servidores da Administração direta e das pessoas de direito público da Administração indireta. Posteriormente, a Emenda à Constituição 19/1998 suprimiu a expressão “regime jurídico” do dispositivo em comento, afastando a obrigatoriedade da adoção do citado regime único. Porém, em decisão liminar concedida na ADIn 2135/DF, com efeitos ex nunc e repristinatório, foi declarada a inconstitucionalidade da redação conferida pela EC 19/1998 ao art. 39 da CR-88, voltando a vigorar a redação originária do dispositivo que previa a instituição do regime jurídico único (OLIVEIRA, 2018, livro eletrônico). Até o momento, a ADIn 2135/DF não foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que a medida liminar ainda se encontra em vigor e, com ela, o regime jurídico único.

No que tange à competência para analisar as controvérsias decorrentes desta relação de trabalho, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a justiça comum será responsável por essas ações. Com efeito, o art. 114, I, da CR-88, não se aplica para as relações estatutárias entre a Administração Pública e seus servidores (CARVALHO, 2017, p. 182). Nesse sentido:

 

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária. 

(ADI 3395 MC, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 05/04/2006, DJ 10-11-2006 PP-00049 EMENT VOL-02255-02 PP-00274 RDECTRAB v. 14, n. 150, 2007, p. 114-134 RDECTRAB v. 14, n. 152, 2007, p. 226-245)

 

Todos os bens pertencentes às autarquias, pessoas jurídicas de direito público interno, são bens públicos, conforme disposição do art. 98 do Código Civil, sendo protegidos pelo regime próprio aplicável a esses bens, como a garantia de impenhorabilidade e de não onerabilidade – o que impossibilita sejam sobre eles constituídos direitos reais de garantia –, além da não sujeição à usucapião (arts. 183, § 3º e 191, ambos da CR-88). Ademais, apenas os bens públicos desafetados podem ser alienados, contanto sejam observadas as regras do art. 17 da Lei nº 8.666/93 (CARVALHO, 2017, p. 183).

Por fim, no que tange ao prazo prescricional da pretensão de cobrança de dívidas titularizadas por autarquias, dispõe o art. 1º do Decreto nº 20.910/32 ser este de cinco anos. Conquanto a ausência de menção das entidades autárquicas no dispositivo, é pacífico doutrinária e jurisprudencialmente que, por gozarem dos privilégios da Fazenda Pública, tal prazo se estende às autarquias. O prazo aplicável é o mesmo para as ações de responsabilidade civil propostas contra autarquias.

 

3.1.2 Autarquias especiais ou sob regime especial

 

A lei tem atribuído nomenclaturas próprias a determinadas autarquias, à vista de suas características especiais, dentre as quais se destacam as agências executivas, agências reguladoras e as associações públicas (OLIVEIRA, 2018, livro eletrônico).

No escólio de CARVALHO FILHO (2018, livro eletrônico), as agências têm por objetivo institucional o controle de pessoas privadas incumbidas da prestação de serviços públicos, além da função de intervenção estatal no domínio econômico para evitar abusos nessa seara, por pessoas da iniciativa privada, de modo que sua criação foi parte de um processo de modernização do Estado pelo Governo.

 

3.1.2.1 Agências Executivas

 

Segundo DI PIETRO (2019, livro eletrônico), agência executiva é a denominação dada à “autarquia ou fundação que celebre contrato de gestão com o órgão da Administração Direta a que se acha vinculada, para a melhoria da eficiência e redução de custos”. Observa a autora que a entidade não é criada com a denominação de agência executiva, mas que adquire tal qualidade ao pactuar referido contrato de gestão com a Administração direta, podendo perdê-la se deixar de atender aos mesmos requisitos.

Em outros termos, as autarquias ou fundações podem tornar-se Agências Executivas quando o desempenho das atividades que lhes incumbem for notadamente ineficiente, razão pela qual celebram contrato de gestão com o Ministério supervisor – o qual possui previsão no art. 37, § 8º, da Lei Maior –, “adquirindo vantagens especiais (concessão de mais independência e mais orçamento), mas em troca, se compromete a cumprir um plano de reestruturação definido no próprio contrato de gestão” para se tornar mais eficiente, através da redução de custos e do aperfeiçoamento de seus serviços (CARVALHO, 2017, p. 196).

De acordo com previsão contida na Lei nº 9.649/98, que disciplina a organização da Presidência da República e dos Ministérios:

 

Art. 51. O Poder Executivo poderá qualificar como Agência Executiva a autarquia ou fundação que tenha cumprido os seguintes requisitos:

I – ter um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento;

II – ter celebrado contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor.

 

O § 1º do mesmo dispositivo determina que a qualificação como Agência Executiva será resultante de ato do Presidente da República, enquanto o § 2º atribui ao Poder Executivo a incumbência de editar medidas de organização administrativa específicas para as Agências Executivas, com o escopo de assegurar sua autonomia de gestão, assim como a disponibilidade de recursos orçamentários e financeiros para o cumprimento dos objetivos e metas definidos nos contratos de gestão.

Uma vez extinto o contrato de gestão, a Agência Executiva retorna à condição de autarquia ou função pública, porque a condição de agência permanece tão somente durante o período do contrato celebrado com o ministério supervisor.

Ademais, dispõe o art. 52 da Lei nº 9.649/98 que:

 

Os planos estratégicos de reestruturação e de desenvolvimento institucional definirão diretrizes, políticas e medidas voltadas para a racionalização de estruturas e do quadro de servidores, a revisão dos processos de trabalho, o desenvolvimento dos recursos humanos e o fortalecimento da identidade institucional da Agência Executiva.

 

Como esclarece CARVALHO (2017, p. 197), “as Agências Executivas não se confundem com as Agências Reguladoras, pois não são criadas para regulação de quaisquer atividades nem gozam de regime legal especial de nomeação de dirigentes”, tampouco autonomia financeira. Também não possuem poder de edição de normas gerais de fiscalização de atividades.

 

3.1.2.2 Agências Reguladoras

 

No conceito sucinto de MELLO (2009, p. 169-170), “as agências reguladoras são autarquias sob regime especial, ultimamente criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades”.

A criação de tais agências se deu com o Programa Nacional de Desestatização, instituído com o fito de reduzir o déficit público, passando-se à iniciativa privada atividades que eram dispendiosas para o Estado, transferindo a prestação de serviços para entidades privadas, diminuindo gastos e buscando maior eficiência na execução destas atividades. Porém, esse afastamento do Estado passou a demandar a existência de órgãos reguladores, donde surgiu a necessidade de criação dessas autarquias (CARVALHO, 2017, p. 190).

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As Agências Reguladoras são, portanto, autarquias especiais instituídas com o fim de fiscalizar, regular e normatizar (dentro dos limites legais) a prestação de serviços públicos por particulares, coibindo a busca desenfreada pelo lucro dentro do serviço público ou o abuso do poder econômico, visando a dominação do mercado e à eliminação da concorrência, provocando aumento arbitrário de seus lucros (CARVALHO FILHO, 2018, livro eletrônico).

O art. 21, XI, da Constituição da República, por exemplo, estabeleceu que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais. Disposição semelhante se verifica no art. 177, § 2º, III, também da Constituição. Vê-se, então, que a criação de Agências Reguladoras tem fundo constitucional e não apenas legal.

Como exemplos de Agências Reguladoras existentes no país, tem-se a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, criada pela Lei nº 9.427/96; a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, pela Lei nº 9.472/97; a ANP – Agência Nacional do Petróleo, pela Lei nº 9.478/97; a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária pela, Lei nº 9.782/99; a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, pela Lei nº 9.961/00; a ANA – Agência Nacional de Águas, pela Lei nº 9.984/2000); a ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres e a ANTAq – Agência Nacional de Transportes Aquaviários, pela Lei nº 10.233/01); a ANCINE – Agência Nacional de Cinema, pela MP 2.228/01); e a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, pela Lei nº 11.182/05.

A Lei nº 9.986/00 fixa as normas gerais sobre as Agências Reguladoras no âmbito federal, mas estas podem ser criadas pelos Estados e Municípios para a regulação de serviços de interesse destes entes.

No que toca ao regime jurídico das Agências Reguladoras, possuem autonomia financeira – por meio da garantia de receitas vinculadas – e independência em relação aos entes da Administração direta (CARVALHO, 2017, p. 191). Outro ponto de destaque é a nomeação dos dirigentes, que possuem uma investidura especial, uma vez que são nomeados pelo Presidente da República após a aprovação do Senado Federal (art. 52, III, “f”, CR-88), para o exercício de mandato por período certo, o que assegura que não será exonerado ad nutum, ao contrário das demais autarquias em que os dirigentes são comissionados. Segundo a Lei nº 9.986/00, os dirigentes apenas perderão seus cargos mediante renúncia, processo administrativo disciplinar e condenação criminal.

Ainda, com esteio em CARVALHO (2017, p. 192), como garantia inerente ao seu regime especial, as Agências Reguladoras possuem poder normativo, ou seja, podem “regulamentar e normatizar diversas atividades de interesse social, criando normas que obrigam os prestadores de serviços, a fim de adequar a prestação do serviço ao interesse público”. As únicas condições para o exercício do poder normativo são a observância da lei e o atendimento a aspectos técnicos.

Existem quatro espécies de Agências Reguladoras: (a) as que regulam a prestação de serviços públicos, atuando na fiscalização de serviços públicos propriamente ditos, prestados mediante delegação contratual ou diretamente pelo ente estatal; (b) as que fiscalizam atividades de fomento, que executam suas atividades na regulação de atividades eminentemente privadas que dependem de fiscalização estatal, por serem de interesse coletivo; (c) as que controlam a exploração de atividades econômicas, que atuam na normatização da exploração de atividades econômicas de interesse da coletividade; e (d) as que regulamentam serviços de utilidade pública, que controlam serviços públicos não exclusivos de Estado, também denominados serviços de utilidade pública (CARVALHO, 2017, p. 193).

Quanto ao regime de pessoal, a Lei nº 9.986/00 define em seu art. 1º que as Agências Reguladoras terão suas relações de trabalho regidas pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e legislação trabalhista correlata, em regime de emprego público. Não obstante, a regra em questão foi editada à época em que a EC 19/98 estava em vigor e havia extinguido o regime jurídico único dos servidores públicos. Porém, com a decisão cautelar proferida na ADIn 2135/DF, com efeitos ex nunc e repristinatório, foi declarada a inconstitucionalidade da redação conferida pela EC 19/1998 ao art. 39 da CR-88, voltando a vigorar a redação originária do dispositivo que previa a instituição do regime jurídico único (OLIVEIRA, 2018, livro eletrônico). Até o momento, a ADIn 2135/DF não foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que a medida liminar ainda se encontra em vigor e, com ela, o regime jurídico único.

Em vista do panorama normativo atual, desenhado não apenas pela medida cautelar supracitada como pela MP nº 155/03, convertida posteriormente na Lei nº 10.871/04, que dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais denominadas Agências Reguladoras, e dá outras providências, é obrigatório o regime jurídico estatutário aos servidores, no âmbito das autarquias federais, na medida em que são pessoas jurídicas de direito público (CARVALHO, 2017, p. 194).

 

3.1.2.3 Associações públicas

 

A Lei nº 11.107/05 foi editada com o objetivo de disciplinar o art. 241 da Constituição, permitindo, assim, a celebração de consórcios públicos entre entes federativos. Dispondo sobre normas gerais de instituição de consórcios públicos, aplicáveis a todas as esferas federativas (lei nacional) previu que estes mecanismos deverão constituir associação pública ou pessoa jurídica de direito privado (art. 1o , § 1o). Optando-se pela constituição de associação pública, esta terá personalidade jurídica de direito público (art. 6º, I), o que passou a constar expressamente do art. 41, IV, do Código Civil (Lei nº 10.406/02), a partir da edição da Lei nº 11.107/05 (MAZZA, 2018, livro eletrônico).

A posição dominante em sede doutrinária é a de que as associações públicas constituem espécie de autarquia (CARVALHO FILHO, 2018, livro eletrônico), e, uma vez criadas, passam a integrar a Administração indireta de todas as entidades consorciadas (art. 6º, § 1º, Lei nº 11.107/05).

 

3.2 FUNDAÇÕES PÚBLICAS

 

Na definição de OLIVEIRA (2018, livro eletrônico), as fundações são pessoas jurídicas sem fins lucrativos, cujo elemento essencial é a utilização do patrimônio para satisfação de objetivos sociais, definidos pelo instituidor. Constitui-se a partir de uma dotação patrimonial do instituidor para uma finalidade determinada. Elas podem ser instituídas pelo Estado ou por particulares. No primeiro caso, tem-se a fundação estatal, governamental ou pública, que integra a Administração Pública indireta (art. 37, XIX, CR-88 e art. 4º, II, “d”, DL nº 200/67). No último caso, a fundação é privada e regida pelo Código Civil (arts. 44, III, e 62 a 69, CC).

Segundo o entendimento majoritário, tanto da doutrina como do Supremo Tribunal Federal (Agr. no RE 219.900), as fundações governamentais ou públicas podem ser de direito público ou privado, dependendo da opção legislativa e da presença ou não das prerrogativas públicas (poder de império) (OLIVEIRA, 2018, livro eletrônico). Por esse entendimento, as fundações de direito público seriam verdadeiras autarquias, motivo pelo qual são, amiúde, denominadas fundações autárquicas ou autarquias fundacionais, sendo espécies do gênero autarquias (CARVALHO FILHO, 2018, livro eletrônico).

A corrente minoritária entende as fundações públicas, instituídas pelo Estado, têm personalidade jurídica de direito privado pois tal característica é inerente à tais pessoas jurídicas. Não há anormalidade nem inovação em referida concepção, uma vez que o Estado cria sociedades de economia mista e empresas públicas, que possuem inquestionável personalidade jurídica de direito privado (CARVALHO FILHO, 2018, livro eletrônico). Nesse sentido, a redação do art. 5º, IV e § 3º, do Decreto Lei nº 200/67:

 

Art. 5º [...]

IV - Fundação pública - entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.

§ 3º As entidades de que trata o inciso IV deste artigo adquirem personalidade jurídica com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, não se lhes aplicando as demais disposições do Código Civil concernentes às fundações.

 

Resta evidente pela redação dos dispositivos que a intenção do legislador foi atribuir personalidade jurídica de direito privado às fundações instituídas pelo Poder Público, inclusive quanto à sua aquisição mediante a inscrição de seu ato constitutivo no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

Não obstante, como predito, a posição majoritária divide as fundações públicas entre as de direito público e de direito privado e, como principal distinção, exsurge o regime jurídico a estas aplicável, uma vez que o regime jurídico de direito público incidirá sobre as primeiras e, com ele, as vantagens e prerrogativas que lhe são inerentes, semelhantes às titularizadas pela autarquia – possibilidade de celebrar contratos de gestão, de se tornar agência executiva, imunidade tributária, celebração de contratos administrativos mediante licitação etc., como exemplifica CARVALHO (2017, p. 200) –, entidade analisada alhures.

 

3.2.1 Fundação pública de direito privado

 

As fundações públicas poderão ser instituídas com personalidade jurídica de direito privado, para execução de atividades de interesse social, embora não se confundam com as fundações privadas, mormente em razão do instituidor (Estado, no primeiro caso, e particular, no último). Em razão de sua constituição através da destinação de patrimônio estatal, tais entidades são denominadas como fundações governamentais de direito privado.

Como afirma CARVALHO (2017, p. 201):

 

[…] por serem constituídas sob o regime de direito privado, essas entidades não usufruem dos benefícios concedidos à fazenda pública no que tange às regras processuais diferenciadas, regime de contratos administrativos, atos administrativos com atributos legais ou regime estatutário de servidores. De fato, as fundações governamentais estão submetidas ao direito civil e, dessa forma, seus empregados são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, seus contratos são civis, sem a existência de cláusulas exorbitantes e todo o regramento de suas relações é definido no direito privado.

 

Não obstante, as fundações públicas de direito privado submetem-se às restrições decorrentes dos princípios de direito público, sujeitando-se ao controle e fiscalização realizados pela Administração direta e ao controle financeiro e orçamentário realizado pelo Tribunal de Contas. Seus empregados devem ser aprovados mediante concurso público (art. 37, II, CR-88), seus contratos dependem de licitação (art. 37, XXI, CR-88), com exceção das hipóteses de dispensa e inelegibilidade, e aos seus empregados é defesa a acumulação de cargos e empregos públicos.

Sua criação depende de autorização de lei específica, e suas áreas de atuação dependerão da edição de lei complementar que versará sobre a matéria (art. 37, XIX, CR-88). Embora suas congêneres instituídas por particulares submetam-se à fiscalização pelo Ministério Público do Estado onde estejam situadas (art. 66, CC), as fundações governamentais de direito privado sujeitam-se à supervisão da Administração direta. São criadas por destaque orçamentário e sua receita pode advir de dotação orçamentária definida pelo ente instituidor e os bens destinados à prestação dos serviços públicos gozarão de prerrogativas inerentes aos bens públicos – impenhorabilidade, não onerabilidade e imprescritibilidade (CARVALHO, 2017, p. 201).

 

3.2.2 Fundação pública de direito público

 

Assim como as fundações públicas de direito privado, as de direito público apenas podem ser criadas por lei específica, de iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 37, XIX, c/c o art. 61, § 1o, II, “e”, da CR-88). A diferença fica por conta da necessidade de que as primeiras sejam, após a edição da lei autorizadora da instituição – e não institutiva –, tenham seu ato constitutivo levado a registro, enquanto as últimas têm sua personalidade jurídica decorrente diretamente da lei instituidora. Outrossim, sua extinção subordina-se à lei que a determine, por força do princípio da simetria.

As fundações estatais, independentemente da personalidade jurídica, assim como as fundações privadas, não possuem finalidade lucrativa e desenvolvem atividades socialmente relevantes.

Registre-se que a ausência de lucro não afasta a necessidade de eficiência por parte da entidade. Na hipótese de resultados financeiros positivos, quando os créditos superam as despesas, os valores, considerados superávit (e não lucro), deverão ser revertidos em benefício da própria fundação, não sendo permitida a sua distribuição ou repartição entre seus administradores (OLIVEIRA, 2018, livro eletrônico).

As fundações públicas terão se objeto definido em lei complementar, conforme o mandamento constitucional do art. 37, XIX, da Lei Maior, que será editado pelo ente político respectivo.

Em esclarecedor excerto extraído da obra de DI PIETRO (2019, livro eletrônico), a autora resume as características das fundações em análise:

 

Comparando-se as fundações governamentais de direito privado com as de direito público, a estas se aplicarão [...] as seguintes características: presunção de veracidade e executoriedade dos seus atos administrativos; inexigibilidade de inscrição de seus atos constitutivos no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, porque a sua personalidade jurídica já decorre da lei; não submissão à fiscalização do Ministério Público; impenhorabilidade dos seus bens e sujeição ao processo especial de execução estabelecido pelo artigo 100 da Constituição; juízo privativo (art. 109, inciso I, da Constituição Federal). Em resumo, usufruem dos privilégios e prerrogativas e sujeitam-se às mesmas restrições que, em conjunto, compõem o regime administrativo aplicável às pessoas jurídicas públicas.

 

Aos caracteres arrolados pela renomada autora, devem ser acrescidos a imunidade tributária prevista no art. 150, § 2º, da CR-88, que recai sobre seu patrimônio, renda e serviços, “vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”; a responsabilidade civil objetiva, conforme o art. 37, § 6º, da Carta Magna; o fato de que os contratos por elas celebrados ostentam a qualidade de contratos administrativos, que devem ser precedidos de licitação, com exceção das hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, sujeitando-se às regras da Leis nº 8.666/93 e nº 10.520/02, que instituiu o pregão para os entes públicos; o regime de pessoal aplicável é o regime jurídico único para nomeação de servidores, mediante aprovação regular em concurso público; submissão ao controle do ente da Administração direta responsável por sua instituição; sujeição à prescrição quinquenal (art. 1º do Decreto nº 20.910/32) (CARVALHO, 2017, 203-204).

 

3.3 EMPRESAS ESTATAIS: EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

 

No escólio de CARVALHO (2017, p. 204-205), a expressão empresas estatais engloba as empresas públicas e as sociedades de economia mista, ambas sociedades, civis ou comerciais, que possuem o Estado como controlador acionário, criadas por meio de autorização de lei específica. A empresa estatal é uma pessoa jurídica criada por força de autorização legal para ser instrumento de ação pelo Estado, na busca do interesse coletivo.

Como se sabe, a exploração de atividade econômica pelo Estado deve ser excepcional, balizando-se pela existência de relevante interesse coletivo ou por imperativos da segurança nacional, conforme dispõe o art. 173, caput, da CR-88. A seguir, a Lei Maior, no § 1º de referido dispositivo, determina que a lei estabelecerá o estatuto jurídico da “empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços”, ordem que foi cumprida pelo legislador ordinário tardiamente, com a edição da Lei nº 13.303/16, que criou predito estatuto (doravante, referido apenas como “Estatuto”).

As empresas estatais sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas, inclusive aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, § 1º, II, CR-88), além de não gozarem de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado (art. 173, § 2º, CR-88)

 

3.3.1 Definição e características gerais

 

Os conceitos de empresa pública e sociedade de economia mista estão previstos nos arts. 3º e 4º do Estatuto, in verbis:

 

Art. 3º Empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios.

Art. 4º Sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta.


Dos conceitos supra, podem ser extraídos os elementos caracterizadores de ambas as modalidades de empresas estatais, adiante analisados.

 

3.3.2 Personalidade jurídica

 

As empresas públicas e sociedades de economia mista têm personalidade jurídica de direito privado, no que se opõem às autarquias, pessoas jurídicas de direito público. Segundo CARVALHO FILHO (2018, livro eletrônico), o objetivo do Estado ao criar referidas empresas é a maior versatilidade de atuação, na medida em que os órgãos estatais encontram-se adstritos a uma imensa variedade de controles, que engessam as atividades que desempenham.

 

3.3.3 Instituição e extinção

 

Quanto à instituição das empresas públicas, o assunto vem regulado pelo art. 37, XIX, da CR-88, que dispõe sobre a necessidade de lei autorizadora de sua criação. Na medida em que as empresas públicas e as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, a edição de lei – que, segundo o art. 2º, § 1º, do Estatuto, deverá indicar, de forma clara, o relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional que as torna necessárias, nos termos do caput do art. 173 da Constituição da República – pelo ente federativo respectivo não é o suficiente para a criação da empresa estatal, sendo indispensável a elaboração e inscrição do estatuto ou ato constitutivo no registro competente (Registro Público de Empresas Mercantis), nos termos do art. 92 do Estatuto.

Segundo CARVALHO FILHO (2018, livro eletrônico), embora a Constituição e a Lei nº 13.303/16 não tenham feito referência ao modo de extinção das empresas estatais, pelo princípio da simetria, se conclui que o ato extintivo exige igual forma à do ato constitutivo, ou seja, tem-se por indispensável a edição de lei dissolvendo a entidade estatal. O projeto extintivo é da competência privativa do Chefe do Executivo, sendo vedada a iniciativa parlamentar (art. 61, § 1o, II, “e”, da CR-88).

Por fim, em recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 06 de junho de 2019, nas ADIns 5.624, 5.846, 5.924, e 6.029, a Corte entendeu que (MIGALHAS, 2019):

 

1 - A alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedade de economia mista matriz exige autorização legislativa e licitação.

2 - A exigência de autorização legislativa, todavia, não se aplica a alienação do controle de suas subsidiárias e controladas. Nesse caso, a operação pode ser realizada sem a necessidade de licitação, desde que siga procedimento que observe os princípios da administração pública, respeitada, sempre, a exigência de necessária competitividade.

 

3.3.4 Subsidiárias ou controladas

 

Na lição de CARVALHO FILHO (2018, livro eletrônico), subsidiárias são pessoas jurídicas cujas atividades se sujeitam a gestão e controle de uma empresa pública ou de uma sociedade de economia mista. Estas são consideradas primárias ou empresas de primeiro grau, porque controladas pelo ente federativo que as instituiu, enquanto as subsidiárias, ou empresas de segundo grau, assim são denominadas porque não submetidas a controle estatal direto, mas indireto, atribuído a uma empresa de primeiro grau.

De acordo com CARVALHO (2017, p. 219), as empresas controladas são entidades societárias autônomas, constituídas com o escopo de apoiar e executar atividades de interesse e suporte da empresa estatal, auxiliando no exercício de suas atividades, tendo personalidade jurídica própria, sujeitando-se ao regime de direito privado e não integrando a Administração indireta.

Assim como para a constituição das empresas públicas e as sociedades de economia mista, a criação de subsidiárias e sua participação em empresa privada exigem autorização legislativa (art. 37, XX, CR-88), que pode ocorrer no bojo da lei autorizadora da instituição da empresa estatal de primeiro grau, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 9.478/97. ARTIGOS 64 E 65: AUTORIZAÇÃO À PETROBRÁS PARA CONSTITUIR SUBSIDIÁRIAS, QUE PODERÃO ASSOCIAR-SE, MAJORITÁRIA OU MINORITARIAMENTE, A OUTRAS EMPRESAS. OFENSA AOS ARTS. 2º, 37, XIX E XX DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGAÇÃO IMPROCEDENTE. CAUTELAR INDEFERIDA. 1. Dispensa-se de autorização legislativa a criação de empresas públicas subsidiárias, desde que haja previsão para esse fim na própria lei que instituiu a empresa de economia mista matriz. A lei criadora é a própria medida autorizadora. 2. Os artigos 64 e 65 da Lei n 9.478, de 06 de agosto de 1977, não são inconstitucionais. Instituída a sociedade de economia mista (CF, art. 37, XIX) e delegada à lei que a criou permissão para a constituição de subsidiárias, as quais poderão majoritária ou minoritariamente associar-se a outras empresas, o requisito da autorização legislativa (CF, art. 37, XX) acha-se cumprido, não sendo necessária a edição de lei especial para cada caso. 3. A Constituição Federal ao referir-se à expressão autorização legislativa, em cada caso, o faz relativamente a um conjunto de temas, dentro de um mesmo setor. A autorização legislativa, na espécie, abrange o setor energético resultante da política nacional do petróleo definida pela Lei n 9.478/97. 4. Inexistência de violação aos incisos XIX e XX do art. 37 e ao art. 2 da Carta Federal. Pedido cautelar indeferido. 

(ADI 1649 MC, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 29/10/1997, DJ 08-09-2000 PP-00004 EMENT VOL-02003-01 PP-00116)

 

Segundo CARVALHO (2017, p. 219-220), apesar de não integrar a Administração indireta, a doutrina defende que as subsidiárias ou controladas seguem regime semelhante ao aplicada às empresas estatais, uma vez que submetem ao controle do ente público – de forma indireta ou mediata – e a determinadas restrições, por força da indisponibilidade do interesse público. Ademais, as subsidiárias podem contratar com as empresas estatais que as instituíram diretamente, dispensando-se a licitação (art. 24, XXIII, da Lei nº 8.666/93).

 

3.3.5 Objeto

 

Atualmente, não existe controvérsia de outrora sobre o objeto das empresas estatais, alimentada por doutrina que, baseando-se no Decreto-lei nº 200/67, que conceituava-as no art. 5º, II e III, afirmava que as empresas públicas e as sociedades de economia mista se destinariam tão somente à exploração de atividade econômica, mas não à prestação de serviços públicos, o que a realidade administrativa sempre admitiu (CARVALHO FILHO, 2018, livro eletrônico). Não obstante a controvérsia jamais se questionou que a finalidade das empresas estatais é o entendimento do interesse público, pois, repita-se, tal atuação do Estado é sempre excepcional (art. 173, CR-88).

O art. 2º do Estatuto, embora não enuncie expressamente a possibilidade de empresa estatal prestadora de serviços públicos, tampouco a afastou, pacificando o entendimento de que o objeto das estatais seria dúplice: exploração de atividade econômica e prestação de serviços públicos, mediante a interpretação da expressão “atividade econômica” em sentido lato. Nesse sentido, a atividade econômica referida subdividir-se-ia em atividades econômicas stricto sensu e serviços públicos econômicos – estariam fora de tal concepção os serviços públicos não econômicos, portanto, uma vez que a noção de empresa encontra-se atavicamente associada ao desempenho de atividade de caráter econômico (CARVALHO FILHO, 2018, livro eletrônico).

O art. 27 do Estatuto dispôs que as empresas estatais “terão a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação”. Entretanto, como observa OLIVEIRA (2018, livro eletrônico), a própria caracterização de determinada atividade econômica como serviço público por parte do legislador já seria, em princípio, suficiente para demonstração do interesse coletivo necessário à instituição de estatais para sua prestação.

Importa ressaltar a posição (minoritária) de DI PIETRO (apud CARVALHO, 2017, p. 207), que defende que as empresas estatais seriam, em todos os casos, concessionárias de serviços públicos, realizando a prestação de serviços em razão de relação contratual com o Estado. Tal entendimento não é o majoritariamente adotado, segundo o qual, nos casos em que a empresa estatal é criada com recursos integralmente de um único ente estatal, a delegação de serviços (mas não de sua titularidade) seria feita por lei, sendo desnecessário a celebração de contrato de permissão ou concessão de serviço público. É a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello, entre outros.

Por outro lado, caso a entidade seja criada com capital de mais de um ente federativo, qualquer um deles pode transferir a execução dos serviços públicos mediante a celebração de contratos de concessão ou permissão, nos moldes do art. 175 da Constituição da República e da legislação pertinente.

 

3.3.6 Regime jurídico

 

Como dito supra, as empresas estatais têm personalidade jurídica de direito privado, mas o fato de serem pessoas jurídicas da Administração Pública as fazem seguir um regime misto ou híbrido, uma vez que não podem gozar de prerrogativas inerentes ao Estado – como, por exemplo, vantagens fiscais que não possam ser estendidas à iniciativa privada –, submetendo-se, entretanto, às limitações do Estado que decorrem dos princípios administrativos.

Exemplos claros de restrições se encontram nas estatais que exploram atividade econômica, que, na celebração de contratos, submetem-se à licitação pública, além de dever realizar concurso público para a contratação de pessoal (CARVALHO, 2017, p. 208).

Primeiramente, deve reforçar-se que a Lei nº 13.303/16, obedecendo ao mandamento constitucional do art. 173, § 1º, da CR-88, criou o Estatuto das empresas públicas, das sociedades de economia mista e de suas subsidiárias, que, logo em seu art. 1º, afirma abranger toda e qualquer das entidades da União, dos Estados, do DF e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.

Segundo CARVALHO (2017, p. 209), assim como ocorre com todos os entes da Administração Indireta, as empresas estatais são controladas pelo ente da Administração Direta responsável pela sua instituição, em decorrência da tutela administrativa que enseja vinculação a estes entes. Trata-se de controle finalístico, limitado à analise acerca do cumprimento dos fins definidos na lei de criação da empresa e não configura manifestação de hierarquia.

Ademais, ainda quanto ao controle das estatais, lembra OLIVEIRA (2018, livro eletrônico) que o Supremo Tribunal Federal entendia não caber ao Tribunal de Contas, devido ao patrimônio privado de tais entidades, o que afastaria a aplicação do art. 71, II, da CR-88, que prevê o referido controle em relação às “contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta”. Atualmente, contudo, sem que tenha havido modificação textual do dispositivo, o STF alterou sua jurisprudência, admitindo tal controle, uma vez que ocorre contribuição do erário na instituição das empresas estatais. Nesse sentido:

 

1. TERRACAP. 2. Determinação de Tomada de Contas Especial pelo Tribunal de Contas da União. Suposta "grilagem" de terras. 3. Ato de decretação da indisponibilidade dos bens de dirigentes da TERRACAP. 4. Preliminar de decadência rejeitada. 5. Incompetência do TCU para a fiscalização da TERRACAP. Sociedade de economia mista sob controle acionário de ente da federação distinto da União. 6. Ordem deferida.
(MS 24423, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/09/2008, DJe-035 DIVULG 19-02-2009 PUBLIC 20-02-2009 EMENT VOL-02349-05 PP-01060)

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ART. 71, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. FISCALIZAÇÃO DE EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. IRRELEVÂNCIA DO FATO DE TEREM OU NÃO SIDO CRIADAS POR LEI. ART. 37, XIX, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. ASCENSÃO FUNCIONAL ANULADA PELO TCU APÓS DEZ ANOS. ATO COMPLEXO. INEXISTÊNCIA. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. ART. 54 DA LEI N. 9.784/99. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA BOA-FÉ. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. As empresas públicas e as sociedades de economia mista, entidades integrantes da administração indireta, estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, não obstante a aplicação do regime jurídico celetista aos seus funcionários. Precedente [MS n. 25.092, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ de 17.3.06]. 2. A circunstância de a sociedade de economia mista não ter sido criada por lei não afasta a competência do Tribunal de Contas. São sociedades de economia mista, inclusive para os efeitos do art. 37, XIX, da CB/88, aquelas --- anônimas ou não --- sob o controle da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios, independentemente da circunstância de terem sido criadas por lei. Precedente [MS n. 24.249, de que fui Relator, DJ de 3.6.05]. 3. Não consubstancia ato administrativo complexo a anulação, pelo TCU, de atos relativos à administração de pessoal após dez anos da aprovação das contas da sociedade de economia mista pela mesma Corte de Contas. 4. A Administração decai do direito de anular atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários após cinco anos, contados da data em que foram praticados [art. 54 da Lei n. 9.784/99]. Precedente [MS n. 26.353, Relator o Ministro MARCO AURÉLIO, DJ de 6.3.08] 5. A anulação tardia de ato administrativo, após a consolidação de situação de fato e de direito, ofende o princípio da segurança jurídica. Precedentes [RE n. 85.179, Relator o Ministro BILAC PINTO, RTJ 83/921 (1978) e MS n. 22.357, Relator o Ministro GILMAR MENDES, DJ 5.11.04]. Ordem concedida.

(MS 26117, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-03 PP-00590 RIP v. 11, n. 58, 2009, p. 253-267) [grifo próprio]

 

Hoje, a posição jurisprudencial da Corte Suprema encontra indiscutível amparo legal no Estatuto, haja vista que seu art. 87 dispõe que “o controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelos órgãos do sistema de controle interno e pelo tribunal de contas competente [...]”.

No que toca à responsabilidade civil das empresas estatais, importante verificar seu objeto para a aferição dos fundamentos e modalidades. Se prestadoras de serviços públicos, haverá a incidência do art. 37, § 6º, da CR-88, que prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público (teoria do risco administrativo). Sendo os danos decorrentes de omissão, contudo, a responsabilidade será subjetiva por “culpa do serviço”, conforme doutrina majoritária (CARVALHO, 2017, p. 210).

Entretanto, se a empresa estatal for exploradora de atividade econômica, referido dispositivo não lhe será aplicável, “uma vez que atua na atividade privada e segue o regime jurídico idêntico àquele aplicado para as empresas privadas” (CARVALHO, 2017, p. 210). Portanto, apesar de integrarem a Administração indireta, serão responsabilizadas nos moldes definidos pelo direito privado.

O patrimônio das empresas estatais é constituído por bens privados, na forma do art. 98 do Código Civil; entretanto, sofre modulações de direito público, especialmente no que se refere à sua alienação, que depende do cumprimento das exigências legais (arts. 49 e 50 do Estatuto), e, no caso das estatais prestadoras de serviços públicos, à vedação de penhora e prescrição de bens necessários à continuidade dos serviços (OLIVEIRA, 2018, livro eletrônico). Por outro lado, os bens pertencentes às empresas estatais exercentes de atividades econômicas não possuem garantias públicas, sendo possível a penhora e oneração por direitos reais de garantia (CARVALHO, 2017, p. 211).

Em qualquer uma das hipóteses, isto é, sejam estas empresas prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividades econômicas, não se admite a aplicação do regime de precatórios estampado no art. 100 da Constituição Federal para pagamento de seus débitos judiciais. Como afirma CARVALHO (2017, p. 212):

 

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal se manifestou acerca do tema, por meio do Recurso Extraordinário n. 599.628, com publicação de julgamento no DJe de 17/10/2011, definindo que a Eletronorte - sociedade de economia mista que atua na prestação de serviços públicos - não pode se submeter à regra de precatórios, haja vista se tratar de uma empresa que distribui lucro entre seus acionistas, não ostentando qualidade de fazenda pública.

Situação diversa se aplica à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, haja vista esta entidade gozar de benefícios aplicáveis à fazenda pública. Com efeito, a ECT atua na prestação de serviços públicos exclusivos de Estado, quais sejam o serviço postal e o correio aéreo nacional e, por isso, goza de regime de Fazenda Pública, com todas as prerrogativas e limitações aplicáveis às entidades públicas.

Com efeito, o art. 12 do Decreto-lei 509/69 dispõe que ''A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à: Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais". Nesse mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que a ECT goza de regime similar ao aplicado à fazenda pública, gozando de impenhorabilidade de bens, bem como a incidência de prerrogativas processuais e imunidade tributária.

 

As empresas estatais não gozam de quaisquer privilégios de cunho processual. Com efeito, têm a qualidade de pessoas jurídicas de direito privado, razão pela qual não fazem jus ao duplo grau de jurisdição obrigatório previsto no art. 475 do CPC (remessa necessária), seus créditos não podem ser executados pelo rito da execução fiscal (Lei nº 6.830/80), porque não são, por óbvio, entes federativos, e não gozam de prazo em dobro ou em outra razão estendido para suas manifestações no processo.

O regime de pessoal das empresas estatais é o comum, com normas e princípios previstos na Consolidação das Leis do Trabalho. O vínculo entre aquelas e os empregados é contratual, o ingresso se dá mediante concurso público (art. 37, II, CR-88) e os litígios decorrentes de tal relação de emprego serão submetidos à Justiça laboral, como estabelece o art. 114 da Constituição da República. Não obstante, os empregados das estatais não gozam dos benefícios estatutários, como a estabilidade no serviço, embora se tenha deferido aos empregados concursados a vantagem de exigir motivação em caso de dispensa, o que não ocorre nas relações contratuais em geral (CARVALHO FILHO, 2018, livro eletrônico). Segue julgado do Supremo Tribunal Federal ilustrando a matéria:

 

EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALEMENTE [sic] PROVIDO. I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso publico, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III – A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho.

(RE 589998, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-179 DIVULG 11-09-2013 PUBLIC 12-09-2013)

 

Ademais, ainda quanto ao regime de pessoal, incide a proibição da cumulação de empregos com cargos ou funções públicas (art. 37, XVII, CR-88), os empregados são equiparados a funcionários públicos para fins penais (art. 327, § 1º, CP) e são considerados agentes públicos para os fins de incidência das diversas sanções na hipótese de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92) (CARVALHO FILHO, 2018, livro eletrônico).

Em relação ao regime tributários das empresas estatais, como já dito, não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às empresas do setor privado (art. 173, § 2º, CR-88). Contudo, a regra não se aplica à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que segue o regime aplicável à Fazenda Pública e goza dos privilégios fiscais do regime público (CARVALHO, 2017, p. 216). É a posição do Supremo Tribunal Federal:

 

Embargos de declaração em agravo regimental na ação cível originária. Imunidade recíproca. IPVA. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Contradição. Reconhecimento. Ausência de vista dos autos. Não ocorrência de preclusão processual quanto à arguição de nulidade. Julgamento antecipado da lide. Falta de intimação das partes da decisão que dispensou a produção de provas. Ausência de prejuízo. Questão exclusivamente de direito. Prova irrelevante para o deslinde da questão. Embargos parcialmente acolhidos. 1. Reconhecimento da contradição apontada, diante da constatação de ausência de vista dos autos pelo representante do Estado de Sergipe e, em consequência, da ausência de preclusão na arguição de nulidade - alegada tempestividade no recurso de agravo. 2. Ainda assim, não há razão para que seja anulada a decisão de procedência da ação. A falta de intimação do despacho saneador que dispensou a dilação probatória não contamina a validade do processo, uma vez que não houve qualquer prejuízo (pas de nullité sans grief), já que o objetivo do Estado era a produção de prova irrelevante para o deslinde da questão. A jurisprudência desta Corte converge no sentido da pretensão formulada pela ECT, reconhecendo-lhe amplamente o direito de imunidade tributária quanto à cobrança de IPVA incidente sobre os veículos de sua propriedade, independentemente de produção probatória para efeitos de distinção entre os veículos utilizados ou não nas atividades sob o regime de monopólio. Precedentes: ACO nº 789/PI e ACO nº 765/RJ. 3. Embargos parcialmente acolhidos, sem alteração do dispositivo do acórdão embargado.

(ACO 819 AgR-ED, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-148 DIVULG 31-07-2013 PUBLIC 01-08-2013)

 

4 REGIME JURÍDICO DA ITAIPU

 

A hidrelétrica de Itaipu é uma usina hidrelétrica binacional situada no Rio Paraná, na fronteira entre Brasil e Paraguai, tendo sido construída por ambos os países entre 1975 e 1982, após a celebração do Tratado de Itaipu, em 26 de abril de 1973. O tratado foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 23/1973, e promulgado pelo Presidente da República pelo Decreto 72.707/1973.

O artigo III do documento internacional dispõe que:

 

Artigo III

As Altas Partes Contratantes criam, em igualdade de direitos e obrigações, uma entidade binacional denominada ITAIPU, com a finalidade de realizar o aproveitamento hidrelétrico a que se refere o Artigo I.

Parágrafo 1o - A ITAIPU será constituída pela ELETROBRÁS e pela ANDE, com igual participação no capital, e reger-se-á pelas normas estabelecidas no presente Tratado, no Estatuto que constitui seu Anexo A e nos demais Anexos.

Parágrafo 2º - O Estatuto e os demais Anexos, poderão ser modificados de comum acordo pelos dois Governos.

 

Do dispositivo e seus parágrafos se conclui que, além de entidade binacional, a Itaipu tem evidente caráter societário, possuindo como partes a ELETROBRÁS e a ANDE (Administración Nacional de Electricidad). Ademais, o regime jurídico é o estabelecido no Estatuto da Itaipu (Anexo A do Tratado de Itaipu), alterável de comum acordo pelos Estados signatários.

Em parecer1 apresentado na ACO (Ação Cível Originária) 1904 (em trâmite no Supremo Tribunal Federal em conjunto com a ACOs 1905 e 1957), a Procuradoria-Geral da República afirmou que Estatuto da Itaipu dispõe que a empresa binacional tem capacidade jurídica, financeira e administrativa, bem como responsabilidade técnica, para estudar, projetar, dirigir e executar as obras que tem por objeto, bem como pô-las em funcionamento e explorá-las. Decorrente desses atributos e para o efeito de dar- lhes cumprimento, a entidade poderá adquirir direitos e contrair obrigações.

Ademais, o artigo IV é claro ao determinar que a ITAIPU terá sedes em Brasília e em Assunção, Capital da República do Paraguai, e será administrada por um Conselho de Administração e uma Diretoria Executiva integrados por igual número de nacionais de ambos países.

Concluiu a PGR que a Itaipu é um “organismo internacional privado, dotado de natureza empresarial, surgido de um tratado e com plena capacidade de direito internacional”.

Em parecer2, a Advocacia-Geral da União afirmou que a Itaipu é “empresa juridicamente internacional”.

 

5 REGIME JURÍDICO DO EXÉRCITO

 

Segundo o art. 142 da Constituição da República, as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Ademais, o art. 3º da Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares) destaca que os membros das Forças Armadas formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares, em razão de sua destinação constitucional. De acordo com RODRIGUES (2011), a hierarquia e a disciplina de que trata o art. 142 da Lei Maior baseia-se na atividade-fim das Forças Armadas: enfrentar o inimigo em combates bélicos nos mais variados terrenos.

De acordo com MEIRELLES (2016, p. 628), o ingresso no serviço público militar dá-se, normalmente, por recrutamento e, excepcionalmente, por concurso, na forma regulamentar da respectiva Arma ou serviço. A estrutura do serviço militar consiste em patentes (para os oficiais) e graduação (para os praças).

Aqueles que compõem os quadros permanentes das forças militares possuem vinculação estatutária, e não contratual, mas o regime jurídico é disciplinado por legislação específica diversa da aplicável aos servidores civis. Ademais, cumpre destacar que aos militares estão constitucionalmente proibidas a sindicalização, a greve, a acumulação de cargos e a filiação partidária (MAZZA, 2018, livro eletrônico).

O artigo 142, § 3o, VIII, da CR-88, manda aplicar aos militares das Forças Armadas os incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV do art. 7º e os incisos XI, XIII, XIV e XV do artigo 37. Em outros termos, os militares fazem jus a algumas vantagens próprias do trabalhador privado: décimo terceiro salário, salário-família, férias anuais remuneradas, licença à gestante, licença-paternidade e assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas. E estão sujeitos a algumas normas próprias dos servidores públicos: teto salarial, limitações, forma de cálculo dos acréscimos salariais e irredutibilidade de vencimentos (DI PIETRO, 2019, livro eletrônico).

Os direitos e deveres dos militares constam dos respectivos regulamentos, atendidos os preceitos constitucionais pertinentes (art. 142, § 3º, da CR-88, com a redação da EC nº 77/14).

O art. 142, § 3º, II, da CR-88 prevê que o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea 'c', será transferido para a reserva. Por seu turno, o inc. III do mesmo artigo dispõe que o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da Administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea "c", ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei

 

REFERÊNCIAS

 

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 6. ed., rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2017.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 32. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

MEIRELLES, Hely Lopes et al. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009.

MIGALHAS. STF: Governo pode privatizar subsidiárias de estatais sem licitação e sem aval do Congresso. [S.I.] 2019. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI303892,81042-STF+Governo+pode+privatizar+subsidiarias+de+estatais+sem+licitacao+e>. Acesso em: 12 jun. 2019.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

RODRIGUES, Evandro Luiz. Regime jurídico dos militares das Forças Armadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2767, 28 jan. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/18372>. Acesso em: 13 jun. 2019.

1Ministério Público Federal. aco-1904. [S.I.]. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/copy_of_pdfs/aco-1904.pdf/at_download/file>. Acesso em: 13 jun. 2019.

2Advocacia-Geral da União. [SI]. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/atos/detalhe/idato/8188>. Acesso em 13 jun. 2019.

Sobre o autor
Vinicius Basso

Acadêmico de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Campus Toledo.

Informações sobre o texto

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