Difícil conciliar seguro desemprego, o FGTS e a honestidade

01/10/2019 às 09:39
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As pessoas têm uma estranha mania de buscar a verdade e a honestidade nos outros. Nesta cruzada em prol dos sentimentos nobres sempre são eleitos ícones do mal, que devem ser firmemente combatidos. São os políticos de Brasília e do Brasil afora, os chefes do narcotráfico, os policiais corruptos e tantos outros vilões emblemáticos que nos dão um estranho conforto, ao nos mostrar como existem pessoas desonestas (que não nós). A partir daí podemos, automaticamente, nos considerar puros e nobres.

Ocorre que esta conduta acaba nos tornando duros e exigentes apenas com seres inominados e nos liberando, muitas vezes, para sermos complacentes com nós mesmos. Diante de tanta corrupção no atacado, nossos pecadilhos do dia a dia ficam completamente perdoáveis. Perigoso raciocínio!

Em Rondônia, vem ocorrendo um exemplo da conduta acima descrita. Trata-se da fraude “inocente” e “perdoável” que dilapida diariamente os recursos do seguro desemprego e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) . Tal desonestidade rouba tanto dinheiro dos cofres públicos quanto qualquer grande ícone midiático da corrupção brasileira. Para que o caro leitor entenda, a explicação será rápida.

Quando o trabalhador se mancomuna com seu empregador e, na intenção de sacar o dinheiro de seu fundo de garantia, forja uma demissão sem justa causa com a promessa de restituir ao “amigo” patrão o valor da multa rescisória de 40% sobre o saldo do FGTS, o que está ocorrendo, na realidade, é um assalto ao dinheiro público.

A Lei do FGTS objetiva amparar o trabalhador em momentos de dificuldade, como o da demissão, por exemplo. A multa de 40% sobre o FGTS, paga no caso de despedida imotivada, é um dos poucos instrumentos que faz com que os patrões pensem duas vezes antes de demitir sem causa um empregado que necessita trabalhar.

O dinheiro do FGTS financia os investimentos imobiliários e de saneamento público e infra-estrutura. Não consigo, sinceramente, enxergar a diferença entre os trabalhadores e patrões que logram o FGTS e qualquer político corrupto que desvia milhões e recebe mensalões.

Quanto à fraude ao seguro desemprego, esta é ainda mais nociva. O referido benefício deve amparar os trabalhadores surpreendidos pela demissão sem causa, enquanto arrumam um novo emprego para se sustentar e também os pescadores artesanais impossibilitados de ganhar o seu pão (peixe) por motivo do defeso.

No nosso estado é recorrente a prática de forjar demissões sem justa causa para receber o benefício do seguro desemprego. O fraudador tira “férias” durante o recebimento da vantagem ou até trabalha informalmente enquanto o seguro está sendo pago. Isso tudo sem falar das legiões de falsos pescadores que forjam situações fictícias para acessar o seguro defeso. É crime.

O daninho raciocínio de que quem rouba mesmo são os corruptos da capital federal e não eu, que recebo um seguro desempregozinho forjado ou saco meu modesto FGTS ilegalmente, é muito perigoso. É com ele que se destrói lenta e silenciosamente o nosso país. Ser exigente com os outros, mas também ser inflexível para consigo mesmo, talvez seja o primeiro e difícil passo para mudar algo em nosso tão castigado Brasil.

Sobre o autor
Enio Carneiro Nepomuceno

Professor universitário e Auditor-Fiscal do Trabalho. Possui conhecimento jurídico nas área de direito público e trabalhista. Também detém conhecimento no campo da engenharia civil e de segurança no trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo publicado em https://www.gentedeopiniao.com.br/opiniao/dificil-conciliar-seguro-desemprego-o-fgts-e-a-honestidade (caderno Gente de opinião)

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