CATARSE À BRASILEIRA: A REVOLUÇÃO DIGITAL E O COMBATE À CORRUPÇÃO

01/10/2019 às 14:04
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O artigo compara a Operação Lava-Jato com a Operação italiana Mani Pulite, destacando a revolução digital e o acesso às mídias sociais no combate à corrupção.

É reafirmar o óbvio quando dizemos que o momento político brasileiro atual é singular. Se, historicamente, é possível traçar alguns paralelos em relação à economia - embora aqui também estejamos observando igual peculiaridade -, é na política que o cidadãos tem sua atenção concentrada.

 Para o bem ou para o mal, a política brasileira possui grande influência em todos os segmentos da sociedade, em especial a economia, já que no país se adota um modelo de viés amplamente regulatório. Em que pese haver, no cenário político, uma recorrência de escândalos que se sucedem no tempo, certo é que a Operação Lava-Jato atingiu os fundamentos da República de maneira jamais vista, com efeitos cujo alcance, mesmo agora, passados mais de três anos do início das investigações, são impossíveis de se prever.

Conduzida inicialmente pelo juiz Sérgio Moro, a Operação supramencionada possui grande semelhança com a operação Mani Pulite (mãos limpas), ocorrida na Itália em 1992, e recebeu atenção do apontado magistrado em 2004, quando elaborou o artigo “Considerações Sobre a Mani Pulite{C}[1], onde assinalava a necessidade de que a opinião pública prestasse arrimo ao combate à corrupção. Nesse sentido, escreveu o apontado magistrado:

 

Talvez a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia. É esta quem define os limites e as possibilidades da ação judicial. Enquanto ela contar com o apoio da opinião pública, tem condições de avançar e apresentar bons resultados. Se isso não ocorrer, dificilmente encontrará êxito. Por certo, a opinião pública favorável também demanda que a ação judicial alcance bons resultados. Somente investigações e ações exitosas podem angariá-la. Daí também o risco de divulgação prematura de informações acerca de investigações criminais. Caso as suspeitas não se confirmem, a credibilidade do órgão judicial pode ser abalada[2].

 

 

 Na esteira da Mani Pulite, tanto o Poder Judiciário quanto a chamada Força-Tarefa da Lava-Jato, seja do Ministério Público Federal seja da Polícia Federal, tem se valido de ações de marketing para conquistar o apoio social de que tratou o artigo acima mencionado.

Não se vai aqui avançar no mérito destas ações, apenas se giza esse aspecto para ressaltar a identidade entre os episódios, já que o precedente italiano é notória fonte de inspiração às investigações brasileira.

 Outro aspecto que demonstra a similitude entre a Mani Pulite e a Lava-Jato são as delações premiadas. Tanto na Itália como no Brasil, as investigações apenas alcançaram algum êxito porque os membros das respectivas organizações criminais auxiliaram nas investigações em troca de reduções de pena ou mesmo de “blindagem” contra investigados-delatores, a exemplo do recente – e controverso – acordo celebrado com o mega conglomerado J&F.

No exemplo italiano, no entanto, essa “ajuda” dos envolvidos salta aos olhos de maneira ainda mais curiosa, porquanto lá havia o envolvimento direto da Máfia – organização criminosa italiana de atuação global -, onde vigorava entre os seus membros o omertà, espécie de código de honra que impedia o auxílio dos membros do bando aos órgãos de persecução penal. Vale mencionar que esta foi a primeira vez em que tal código de honra foi violado de forma recorrente.

  Mais um ponto de contato relevante entre os episódios brasileiro e italiano é a reação por meio da classe política. Na Itália, o movimento mais contundente foi o chamado Decreto Conso, um decreto legge batizando com o sobrenome do Ministro della Giustizia à época, Giovanni Conso. Predito instrumento legal retirava a ilegalidade penal da prática conhecida no Brasil como “Caixa 2”, espinha-dorsal do esquema italiano – a exemplo da Lava-Jato. Após fortíssima reação popular, o Presidente italiano à época, Oscar Luigi Scalfaro, negou-se a assinar o decreto pela primeira vez na histórica republicana italiana.

No Brasil, houve e ainda há uma fortíssima reação, especialmente da classe política. Enquanto os empresários parecem ter capitulado de uma forma geral, segmentos políticos resistem lançando mão de campanhas midiáticas ou tentativas de inovações legislativas. A reação política ficou evidente em momento recente, quando interceptações telefônicas autorizadas pelo Poder Judiciário flagraram políticos de diversas matizes em conversas sobre meios de barra o prosseguimento das investigações.

A Mani Pulite, apesar da sua relevância, não teve um saldo tão positivo quanto imaginado em seu início auspicioso. Vários políticos implicados na operação, como o controverso ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, permaneceram na cena política, inclusive ocupando posições de destaque, e outros tantos investigados foram beneficiados pelo fenômeno da prescrição.

Em ambos os exemplos, porém, o apoio social é maciço. Recente pesquisa formulada pelo Instituto Ipsos sobre o desgaste da Operação Lava-Jato diante da opinião pública revelou que, mesmo perante os episódios envolvendo o desgaste da Operação, a maioria dos entrevistados deseja sua continuidade[3]. Esse apoio contínuo, malgrado o decurso do tempo, deve-se muito ao fenômeno da popularização da Internet, em especial as redes sociais que conjugam comunidades virtuais de trocas de informações entre usuários da Internet em grande volume de informações e dinamicidade.

E esse, talvez, seja o ponto de desencontro entre o exemplo italiano e o brasileiro, já que, a interação nas redes sociais, tendo como objeto conjuntura política, trouxe um modelo de eleições atípicas em 2018. Tanto no que tange a polarização, quanto a discursos rasos, com pouca informação de conteúdo, mas capaz de influenciar no voto dos eleitores e, consequentemente, no resultado das eleições.

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Em meados de 1993, a Internet era uma nota de rodapé no cotidiano, ao passo em que a expressão rede social sequer era imaginada. Atualmente, as mídias sociais, conquanto possuam seu aspecto negativo – associado às fake news e deep fake -, viabiliza a chamada viralização de informações, ou seja: a distribuição de conteúdo de forma rápida e individual, com o consumo da informação pelo usuário de maneira direta.

Esta pode ser, portanto, a distinção que identifica a presente catarse política um fenômeno genuinamente brasileiro.

Dessa forma, a vigilância – aparente ou não - da sociedade através das mídias sociais, com as informações circulando em capilaridade e velocidade sem precedentes, o que permite o abundante apoio popular no combate à corrupção, seja este por qualquer meio, mas que garanta a consecução da democracia e fortalecimento do Estado.

 Para a posteridade, a Operação Lava-Jato será, talvez, o primeiro exemplo em que as instituições clássicas sejam sustentadas por “novas instituições”, criadas no bojo da revolução digital em curso, que poderão tornar o Brasil, finalmente, um país onde o “jeitinho brasileiro” sejam práticas não mais reproduzidas pela maioria absoluta da sociedade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ENEAS, Guilherme et al. Predictive model for Brazilian presidential election based on analysis of social media. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON NATURAL COMPUTATION: FUZZY SYSTEMS AND KNOWLEDGE DISCOVERY (ICNC–FSKD). Kunming, 2019.

 GOLDZWEIG, Rafael Schmuziger. Por que devemos nos preocupar coma influência das redes sociais nas eleições de 2018? EL PAÍS Brasil, 23 set 2018. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/21/opinion/1537557693_143615.html>. Acesso em 15 mai. 2019.

MORO, Sérgio Fernando. Considerações sobre a Operação Mani Pulite. Revista CEJ, Brasília, v.26. p. 56-62, 2004.

NETTO, V. Lava Jato – o juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil. 1ª edição, Rio de Janeiro, Primeira Pessoa – Selo da Editora Sextante, 2016.

VENTURINI, Fábio César. Democracia, Estado e combate à corrupção no pensamento político e judiciário de Sérgio Fernando Moro. In: Revice – Revista de Ciências do Estado, Belo Horizonte, v.2, n.2, p. 58-86, ago./dez. 2017.

Pulso Brasil – Lava Jato. Ipsos Public Affairs. Edição 161, Agosto 2018, p. 5. Disponível em: < https://www.ipsos.com/sites/default/files/ct/news/documents/2018-09/ipsospulsobrasil_onda161agostolava_jato.pdf>. Acesso em 27 set. 2019.

 


{C}[1] MORO, Sérgio Fernando. Considerações sobre a Operação Mani Pulite. Revista CEJ, Brasília, v.26. p. 56-62, 2004.

{C}[2] MORO, Sérgio Fernando. Op. Cit.

{C}[3] Pulso Brasil – Lava Jato. Ipsos Public Affairs. Edição 161, Agosto 2018, p. 5. Disponível em:< https://www.ipsos.com/sites/default/files/ct/news/documents/2018-09/ipsospulsobrasil_onda161agostolava_jato.pdf>. Acesso em 27 set. 2019.

Sobre a autora
Carolina Martins Pinto

Advogada, Pós-Graduada em Direito Administrativo e Constitucional, com Certificação Profissional em Privacidade e Proteção de Dados pela Data Privacy Brasil e EXIN. Consultora em proteção de dados pessoais com experiência prática no setor público e privado, fundadora da Data Assistance, idealizadora e atual Presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-PI, Membro da Comissão de Direito Digital da OAB-PI e da ANPPD.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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