O dilema na contratação de servidores temporários da Universidade Estadual de Goiás

Leia nesta página:

O texto aponta incertezas jurídico-administrativas da Universidade Estadual de Goiás - UEG, especialmente quanto à contratação de servidores temporários, ampliadas após controversa decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

Desde o ano de 2012, tramita ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Estado de Goiás em face da Universidade Estadual de Goiás – UEG, em trâmite sob o n° 0364146.16.2012.8.09.0006, na qual o órgão ministerial pretende a declaração de nulidade de todos os contratos temporários firmados a partir da publicação da Lei Estadual n° 14.042/2001, bem como que a Universidade seja compelida a realizar concursos públicos para docentes e servidores administrativos, além de ser proibida de contratar servidores temporários.

O contexto fático, à época do ajuizamento da ação, era a predominância de servidores administrativos e docentes contratados em regime temporário no quadro da UEG (cerca de 80%), cujos contratos foram renovados sucessivas vezes ao longo de anos, sem atender às excepcionalidades constitucionais e legais desta modalidade de contratação de servidor.

A sentença de primeiro grau nos autos deste processo declarou a nulidade dos contratos temporários firmados à margem das regras excepcionais que autorizariam a contratação, e determinou a realização de concurso público para provimento dos cargos administrativos e docentes. Nesse sentido, estabeleceu que o percentual de agentes temporários não poderia exceder 20% do total de servidores contratados.

Ao analisar os recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público e pela Universidade, além de recursos em casos conexos, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em março deste ano, manteve a declaração de nulidade dos contratos temporários e a determinação de realização de concursos. Entretanto, alterou o limite percentual inicialmente imposto para 33,33% quanto aos cargos de magistério, e manteve em 20% o teto para contratação temporária de servidores administrativos.

Ficou determinado, ainda, que a Universidade procedesse ao fim dos contratos temporários com prazo de vigência encerrado, facultada a manutenção dos contratos vigentes, independentemente do prazo restante, desde que atendidos os quantitativos de servidores acima indicado.

Por fim, o Tribunal local, em consideração ao lapso de tempo necessário à substituição da mão-de-obra e um apontado cenário de crise financeira nas contas estaduais, modulou os efeitos da decisão para fixar o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para a Universidade realizar o encerramento dos contratos temporários com prazo de vigência expirado, e que a realização de novo concurso ocorresse no período de 05 (cinco) anos a partir do ano de 2020, “desde que sejam feitos para no mínimo, 100 (cem) vagas para servidores técnico-administrativos e 60 (sessenta) vagas para docentes por ano (um concurso por ano durante cinco anos), conforme Resolução CsU nº 900 de 8 de maio de 2018”.

A mencionada resolução diz respeito a um ato editado pelo Conselho Universitário da Universidade Estadual de Goiás, que instrumentalizou a tentativa de voluntariamente cumprir a determinação da sentença de primeiro grau – apesar da então tramitação do recurso de apelação –, pela qual se aprovou um cronograma de concursos públicos para servidores técnico-administrativos e docentes, a serem realizados em um período de 05 (cinco) anos, a partir do ano de 2019.

Ocorre que, enquanto reconhece a inconstitucionalidade da situação administrativa da Universidade, proibindo-a de fazer manutenção deste “estado de coisas inconstitucional”, o acórdão em questão possibilitou a realização de contratações temporárias até os limites fixados, ensejando duas diferentes interpretações: 1) a Administração poderá realizar as contratações, sem a urgência e interesse público necessários, desde que preenchido o requisito numérico; ou 2) a Administração está proibida, mesmo se concreta uma situação transitória que demande contratações temporárias em percentuais maiores, de contratar servidores acima do percentual fixado pelo Tribunal de Justiça.

No primeiro caso, estar-se-ia diante de uma contradição entre os fundamentos levantados para a declaração de nulidade dos contratos e os efeitos jurídicos da decisão, vez que o acórdão permitiu a manutenção dos contratos com prazo sob vigência, sem ser necessário observar as regras por ele consideradas para validar a contratação temporária, desde que respeitados os quantitativos em questão.

Por mais que o acórdão faça menção de que a fixação a priori do percentual indicado não seria uma “carta branca” para que a Administração procedesse com contratações temporárias sem ocorrência das hipóteses fáticas autorizadoras, a modulação para permitir a manutenção dos contratos em vigência acarreta a violação prática imediata à imposição constitucional do concurso público.

Esta espécie de regra de transição estabelecida pelo TJ-GO acaba por gerar insegurança jurídica à administração universitária, à medida que declara a nulidade de todos os contratos e determina a exoneração dos servidores com prazo encerrado, mas mantém no cargo os servidores nele investidos por um contrato nulo, apenas em razão de sua vigência.

A situação gera dúvidas acerca de quais critérios a Administração tem de adotar para adequar os quantitativos aos percentuais estabelecidos, se o número de contratos nulos e vigentes for superior ao teto fixado. Neste cenário, qual servidor temporário deverá ser mantido no cargo em detrimento de outro?

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

É pertinente lembrar ainda que foi estabelecido um prazo de 05 (cinco) anos para que a Universidade realize concursos públicos periódicos, somente a partir do ano de 2020. De tal maneira, haja vista a determinação de que os contratos sem vigência sejam cancelados, poderá haver um considerável lapso de tempo sem acervo de pessoal para fazer manutenção adequada das atividades administrativas e docentes.

Confrontando-se o fim dos contratos com a vacância dos cargos e o prazo de duração de um certame público, inclusive com os desafios legais de ordem orçamentária, seria possível questionar se a Administração estaria autorizada a fazer manutenção dos contratos temporários que venham a ter o prazo expirado, ou mesmo contratar novos temporários – desde que atendendo ao percentual fixado – até a nomeação dos aprovados nos concursos. Parece que, ironicamente, a própria situação transitória estabelecida em função da decisão judicial pode ensejar a contratação de novos temporários até que se finalize a seleção de servidores pelos concursos públicos.

 Na segunda hipótese levantada, para além da questão relativa à indevida interferência do Poder Judiciário no Executivo, tem-se por desarrazoada a estipulação prévia de um teto para contratações temporárias de servidores, sem qualquer correspondência legal e sem deixar à discricionariedade do gestor a análise da situação excepcional ocorrida.

Significa que, a despeito da dimensão da situação vivenciada pela Administração com a vacância de cargos, quando urgente, transitória e de excepcional interesse público na manutenção do serviço, a Universidade estará limitada ao quantitativo fixado na decisão judicial. Na prática, o gestor universitário ficará tolhido de sua liberdade administrativa diante de eventual dimensão do caso concreto, imprevisível até mesmo por diploma legal.

A fixação de percentual prévio, sem permitir à Administração uma análise casuística em cada situação que se faça necessária a contratação temporária, não parece encontrar guarida no art. 37, inciso IX, da Constituição Federal, tampouco nos critérios utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para apreciação de casos como este, notadamente pela inobservância do caráter excepcional, transitório e especialmente imprevisível da situação emergencial relativa às contratações temporárias.

A propósito, o que o Supremo tem reiterado – como restou consignado no julgamento do Recurso Extraordinário 658.026/MG, com repercussão geral – é que os principais parâmetros são: a) prevalência da regra do concurso público, que só pode ser mitigada em lei pela previsão de contratação temporária; b) previsão em lei dos casos excepcionais; c) prazo de contratação seja predeterminado; d) necessidade temporária; e) interesse público excepcional e contratação indispensável.

Portanto, se por um lado há uma vedação constitucional que deve ser atendida quanto à impossibilidade de ignorar, de forma injustificada ou indevidamente fundamentada, a obrigatoriedade do concurso público, por outro lado há de se respeitar a margem de gestão ao administrador na tomada de decisão do caso concreto, quando então poderá ser analisado, por exemplo, o número de contratações temporárias necessárias – urgentes, indispensáveis e por prazo predeterminado –, independentemente do percentual que representem em relação ao quadro de servidores, ou mesmo da natureza do cargo (administrativo ou de docência).

Por mais que, no caso da Universidade Estadual de Goiás, o pedido de fixação dos percentuais tenha sido realizado pela própria instituição, fato é que gestão atual não deve pretender vincular os futuros gestores quanto à autonomia administrativa para contratar temporariamente, apenas para atender um interesse de momento na manutenção de contratos temporários.

Diante de tal cenário, compreende-se que os efeitos modulados da decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás irão causar insegurança jurídica à administração universitária e aos servidores contratados em caráter temporário, inclusive com a contraditória situação de serem necessárias novas contratações temporárias até o fim dos concursos que visem ao provimento dos cargos administrativos e docentes.

A manutenção da modulação dos efeitos para estabelecer previamente limites percentuais de contratação temporária, somada ao prazo dado à Universidade para realizar os concursos, pode ser origem de controverso precedente no que se refere às práticas administrativas de contratação, em potencial desacordo com a Constituição e com as balizas estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Sobre o autor
Nilson Ribeiro dos Santos Junior

Lattes:http://lattes.cnpq.br/4510127983619347

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos