O que o judiciário tem feito para que a garantia dos direitos fundamentais e humanos da pessoa presa sejam respeitados

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Diante de problemas que vão desde a superlotação até a os tratamentos violadores de princípios fundamentais da dignidade humana o dever de fiscalizar evidencia a necessidade de haver maior rigor no acompanhamento do cumprimento das penas privativas.

 

O CNJ- Conselho Nacional de Justiça, tem se destacado por vir ao longo dos últimos anos  realizando diversas ações relacionadas ao sistema penitenciário brasileiro, no tocante   à execução penal e às medidas socioeducativas, na tentativa de proporcionar um ambiente mais humano dentro dos presídios brasileiros. As ações de fiscalização são  supervisionadas pelo  DMF - Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, instituído pela Lei n. 12.106/2009, resultado da observância a extrema necessidade de se acompanhar  as prisões  e na fiscalização das condições internas dos presídios, garantindo  e promovendo os direitos fundamentais as pessoas presas.

Desde agosto do ano de 2018 o CNJ , vem realizando o chamado "mutirão carcerário" que visa garantir o devido processo legal através da revisão do tempo de prisões de presos definitivos e também  dos presos provisórios, com isso, são facilmente identificados os casos em que  o sentenciado já encontra-se apto a progressão de pena ou ainda se faz jus ao livramento,  para que não haja violação do princípio da liberdade, que consiste em garantir que ele não fique enclausurado além do que lhe foi estipulado. A implementação desta ação visa diminuir a superlotação em presídios, que tem sido uma das principais causas do colapso que se tornou o sistema prisional do país.

Segundo o ministro do STF  e Presidente do CNJ, Dias Toffoli,

 

 

Nossa meta está baseada na decisão do STF que declarou o estado de coisas inconstitucional (quadro insuportável e permanente de violação de direitos fundamentais a exigir intervenção do Poder Judiciário). Dando continuidade e aprimorando políticas de gestões anteriores, no sentido de cumprir essa decisão, vamos reforçar as audiências de custódia e os mutirões carcerários, além de intensificar o processo eletrônico de execução penal. Tudo isso aplicado de modo sistematizado, coordenado pelo CNJ, nos permite ambicionar o alcance da meta estipulada.[1]

 

Nas palavras de,  Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi,

 

Mutirões carcerários e audiências de custódia já demonstraram que têm potencial, não para provocar descalabro na sociedade, mas simplesmente para melhor selecionar aqueles que devem permanecer afastados do convívio social[2].

 

 

Outra medida que visa o efetivo respeito as garantias fundamentais da pessoa presa é a edição de novas leis que completam pontos vazios deixados pela LEP, a exemplo disso em  19 de agosto de 2010, foi sancionada a LEI Nº 12.313 que acrescentou à Lei de Execução Penal a prestação de  assistência jurídica ao sentenciado  e atribuiu as competências à Defensoria Pública, essa alteração a tempos se fazia necessária, já que a LEP, não previa expressamente a atuação da Defensoria Pública aos presos, muito embora o órgão seja atuante nos presídios de todo o país desde sua instituição. Segundo Felipe de Paula “É um grande avanço a legislação reconhecer a devida importância penal da Defensoria Pública o que, efetivamente, trará melhorias para o sistema prisional[3]."

É importante destacar que ações realizada pela OAB, como medidas alternativas de garantia aaos princípios legais no que diz respeito a dignidade da pessoa presa.

A 12ª Subseção da OAB-SP, as Comissões de Direito Criminal e de Direitos Humanos da Instituição em ação conjunta ao o Centro de Progressão Penitenciária de Jardinópolis (SP) criaram um programa denominado Projeto Reintegra, que visa garantir a dignidade do ser humano dentro daquele presídio e criando princípios que acompanharam o reeducando em sua vida egressa. Com foco na reinserção social através do trabalho  e com um olhar voltado a rentabilidade do mercado empresarial e os inúmeros benefícios à sociedade este projeto permite que o sentenciado tenha  acesso a oportunidades variadas de emprego, possibilitando sua reinserção social, sua remição de pena e, ainda, proporcionando ao empresariado mão de obra acessível para suas atividades.

Como previsto na constituição, o direito ao trabalho é um dos elementos fundamentais para garantir a dignidade humano   e partido do pressuposto de que a pessoa ao ser aprisionada não perde o direito ao trabalho, como reza na Lei de Execuções Penais, o trabalho é tanto um direito quanto dever daqueles que foram condenados. Com base nessa premissa a 12ª Subseção da OAB-SP e os demais órgãos se uniram para dar vida ao Projeto Reintegra, que inicialmente foi implantado  aos reeducandos  do Centro de Progressão de Penitenciaria – CPP de Jardinópolis, como sendo um projeto piloto, podendo se estender aos demais presídios da região, e  ainda ser base de  implantação estadual e a nível nacional.

O projeto não tem o intuito de aplicar uma segunda punição àquele que já tem sua liberdade cerceada, muito pelo contrário, reabilitar e ressocializar o detento é que são os objetivos visados, para que ele tenha um real auxílio em sua recuperação, sendo preparado  para a reinserção na vida em sociedade por meio do mercado de trabalho.

Luiz Vicente Ribeiro Corrêa[4] resume,

 

“A 12ª Subseção acredita que à medida que cada instituição cumpre seu papel, o benefício maior se apresenta na sociedade. É importante frisar que o apenado está nessa condição por um determinado período e que tanto ele quanto a comunidade precisam estar preparados para seu retorno as ruas. Nosso papel é mostrar ao empresariado o quão benéfico é ter a mão de obra do reeducando também do ponto de vista rentável, além disso, atuamos para que as instituições consigam desempenhar seu trabalho com competência para que toda a população seja beneficiada [5]

 

Outros pontos importantes da lei foi a inclusão da  Defensoria Pública na lista de órgãos da execução penal, com isso, torna-se obrigatório que os estabelecimentos penais reserve para o defensor público um espaço adequado  para o atendimento de presos, e a  corresponsabilização  pela execução da pena e da medida de segurança. Fica também Além disso, estabelece que estados e municípios deverão fornecer aos defensores a estrutura pessoal e material necessárias para o atendimento da população carcerária.

 

As lições de Mirabete são esclarecedoras quando afirma que:

 

O mais grave inconveniente a que, tradicionalmente, tem levado a pena privativa de liberdade é à marginalização do preso. Não obstante tenha ele alguma ou todas as condições pessoais para se reintegrar no convívio comunitário de que esteve afastado – mas com o qual pode ter tido contatos por meio de visitas, correspondência, trabalho externo etc. -, o egresso encontra frequentemente resistências que dificultam ou impedem sua reinserção social. Se, de um lado, a reinserção depende principalmente do próprio delinquente o ajustamento ou reajustamento social fica dependente também, e muito, do grupo ao qual retorna (família, comunidade, sociedade). Não obstante os esforços que podem ser feitos para o processo de reajustamento social, é inevitável que o egresso normalmente encontre uma sociedade fechada, refratária, indiferente, egoísta e que, ela mesma, o impulsione a delinquir de novo. Assim, a difícil e complexa atuação penitenciária se desfará, perdendo a consecução de seu fim principal que é a reinserção social do condenado. Para evitar que isso ocorra, é indispensável que, ao recuperar a liberdade, o condenado seja eficientemente assistido, tanto quanto possível, pelo Estado, no prolongamento dos procedimentos assistenciais que dispensou a ele quando preso.[6]

 

Como podemos notar existem inúmeras  medidas  adotadas no sentido de se conquistar  a reinserção social indivíduo preso, todavia, as mesmas ainda não conseguiram efetivamente demonstrar a sua completa efetividade. Apenas o  cumprimento da Lei de Execuções Penais, em sua completude, poderia representar um grande  avanço no caminho da ressocialização, porém, observa-se que o próprio ente Estatal, vem sendo o maior violador dos direitos humanos, levando a inércia de muitos institutos da LEP que se perdem ou ficam sem aplicabilidade.

Ademais, torna-se necessário que o sentenciado seja acompanhado desde, logo após o cumprimento integral de sua pena, para que  sua recepção no mercado de trabalho e na própria comunidade, seja feita da melhor maneira possível.

Contudo, espera-se que os gestores públicos entendam  a real importância  da adoção de medidas como as quem vendo implantadas, embora não apresentem resultado imediato concreto , irão impactar diretamente na redução da violência e criminalidade, com isso, espera-se que  em médio e a longo prazo possamos vivenciar uma sociedade mais humana.

Por fim, temos que reconhecer o papel da sociedade como um todo, que  precisa

assumir a sua parcela de responsabilidade pelo atual fracasso da reinserção do egresso.

É notório que os programas existentes e os institutos mencionados no presente trabalho, previstos na LEP, não atingirá o fim que se objetiva se tiver como parceira uma  sociedade não receptiva.

Medidas judiciárias também tem eficácia na tentativa de diminuir a superlotação nos presídios brasileiros,que tem sido o maior motivo de desrespeito aos direitos humanos dos presos. O próprio STF tem sido protagonista de algumas decisões específicas que tem um  significativo impacto, ainda que superficial, diminuindo  ao menos de parte dos problemas que inviabilizam a prática da execução penal. Ao ser editada a súmula vinculante nº 56 que

determinava que  o cumprimento da pena em regime aberto, seria domiciliar, nos casos em que  inexistisse o estabelecimento penal  adequado para o cumprimento do  respectivo regime, tal decisão  teve o efeito de amenizar a situação caótica interna dos presídios, mesmo que causando insatisfação social, foi uma media paliativa diante da impossibilidade orçamentária que o estado alega para construções de novos  presídios.

Outra discussão, também estacionada no STF, é em questão a  descriminalização das drogas, assume um relevante eficácia a que se propõe nesse contexto,  pois seria uma alternativa para desinflar o sistema carcerário,  bem como a diminuição da violência que assola a sociedade,  precisamente pelo fato de que o tráfico e o consumo de drogas, associados a violência , representam uma fatia significativa da criminalidade elevando o número de pessoas condenadas ao cárcere. Essa medida é considerada polêmica tendo em vista que apresenta várias controvérsias entre os juristas e membros da sociedade.Caberá ao STF discutir e decidir o assunto  de maneira apropriada para que não se coloque em xeque a segurança jurídica brasileira.

Para tanto, carecemos de ações  coordenadas entre os entes defensores dos interesses prisionais a fim de  que se busque não apenas identificar os problemas existentes, mas sim  projetar soluções plausíveis, eficazes  e sustentáveis, ainda que  de forma  gradual, sabendo-se que não raras vezes o menos significa mais. Além disso, se não houver uma atitude de começar,não atingiremos o objetivo de alcançar mais.

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Com isso, entende-se que essas medidas mesmo que realizadas de maneira constante, ainda contaremos com anos ou até mesmo décadas de trabalho árduo para reverter a situação a que se chegou o sistema penitenciário em nosso país, porém ignora-las é um verdadeiro disparate.

 CONCLUSÃO 

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise desde as origens do interesse pela preocupação com a garantia dos direitos fundamentais da pessoa reclusa, até  as medidas tomadas pelos entes responsáveis para fazer a  tutela dos indivíduos privados de seus direitos de liberdade, passando por acontecimentos importantes na história da civilização bem como das evoluções das  leis e o importante papel dos  tratados internacionais nas regras internas do Brasil e também pelo aspectos sociais que cercam essa discussão.

Contudo, chega-se a conclusão de que  o sistema prisional brasileiro constantemente estará em  conflito com a dignidade da pessoa humana,  porém  sempre haverá órgãos engajados em fazer com que essa realidade tome novas proporções.  

Portanto, a dignidade humana da pessoa, tem caráter supremo,e irrenunciável, não podendo de forma alguma ser cerceada ao indivíduo, mesmo ele tendo um comportamento criminoso, não justificando ao poder publico se omitir diante de sua legitimidade de tutela, pois assim estaria o ente estatal cometendo delitos tão gravoso quanto ao praticado pelo sujeito errante.

Nota-se então que a dignidade humana se faz necessária para a manutenção da democracia, isso torna-se ilegítima a vingança estatal, mesmo que tenha o intuito de demonstrar significativamente o aumento de encarcerados na tentativa de transmitir a sociedade uma sensação de segurança, o que, evidentemente é uma falsa afirmação.

Quanto a indagação apresentada  relacionada entre a  satisfação da vontade social e a legitimação da vingança estatal, questiona-se se esses dois anseios justificam a violação dos direitos humanos da pessoa presa, e em resposta, pudemos concluir  que diante deste conflito, a vontade social sem qualquer viés jurídico deve sempre ser descartada, pois não se pune crime com a prática de outro crime.

Portanto caberá ao julgador utilizando-se como instrumento decisório, a técnica de ponderação de interesses,levando-se em conta a necessidade de punição e o dever de punir do estado,  sempre valendo-se  dos direitos fundamentais que são a base do Estado Democrático de Direito.

 

Reconhecemos que o Poder Judiciário tem se valido  de várias técnicas na tentativa de fazer efetivar os direitos fundamentais dentro do ambiente carcerário, porém essas técnicas só serão eficientes se forem apoiadas pelo efetivo cumprimento as leis já existentes em nosso ordenamento jurídico, como por exemplo a Lei de Execução Penal, que em seu contexto reúne todos os aspectos necessários para o cumprimento da pena imposta, traz ainda um rol de deveres e direitos do preso e ainda regras de conduta e disciplina, além de sanções em caso de descumprimento de tais regras,  prevê alimentação adequada, determina direito ao trabalho com intuito de reduzir o tempo de pena e de criação de um fundo pecuniário para auxílio a família do sentenciado. Dando ênfase a medidas para auxiliar o  retorno do indivíduo ressocializado à sociedade. O descumprimento dessas normas previstas na LEP, causa preocupação não só aos juristas, mas também aos membros da sociedade que se preocupam em viver em uma comunidade onde todos seja efetivamente  iguais perante a lei.

Ao fim, temos ciência de que aqui, apenas  foi lançadas  pequenas observações gerais e não evidentemente se esgotou todos os meios de pesquisas disponíveis, por razões elementares, diante da complexidade da questão abordada, porém o que realmente  importa é que de alguma maneira  o presente trabalho terá participação ao somatório de esforços, inclusive de conscientização social e acadêmica, que se faz cogente para superar tão grave problema.

Esse é o intuito e a contribuição. Colocar em pauta a necessidade de se estabelecer um debate sério acerca da problemática apresentada sobre a  adequação entre a tutela da dignidade humana e a aplicação da legislação vigente e, ainda sobre o papel social nesse contexto.O desafio está lançado!

 


[1] MOURA, Rafael Moraes e outro.  O Estado de S.Paulo 11 de novembro de 2018. Disponível em: < https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,com-mutirao-e-audiencia-de-custodia-cnj-quer-reduzir-n-de-presos-em-40,70002603940> Acesso em 28 de abr. 2019.

[2] Juiz auxiliar e coordenador Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas do CNJ.

[3] Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

[4] Presidente da 12ª Subseção da OAB-SP

[5] SUBSEÇÃO,12ª Disponível em:  < https://oabrp.org.br/projeto-reintegra-busca-reinsercao-de-reeducandos-na-sociedade-e-otimizacao-da-mao-de-obra-no-mercado-de-trabalho/> Acesso em 20 mai.2019.

[6] MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei Nº 7.210, de 11-7-1984. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2004, p. 86

Sobre a autora
Juliana Cristina de Oliveira Holanda

Funcionária Pública Estadual atualmente na Secretaria de Administração Penitenciária - Economista graduada pela Universidade de São Paulo - FEA-USP Bacharelanda em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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