A responsabilidade objetiva do empregador no âmbito trabalhista

07/10/2019 às 08:54
Leia nesta página:

O Supremo Tribunal Federal decidiu que é objetiva a responsabilidade do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho em caso de atividades consideradas de risco.

No Recurso Extraordinário 828040, com repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal (STF), por 7 votos a 2, decidiu que é objetiva a responsabilidade do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho em caso de atividades consideradas de risco. O entendimento firmado está de acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, entretanto pode ensejar decisões abusivas e reflexos negativos nas atividades empresariais.

Em razão da divergência entre os ministros quanto à extensão da tese a ser fixada -  se devem ser estabelecidos parâmetros para conceituar atividade de risco ou não - o julgamento foi suspenso. Dessa forma, apenas na próxima sessão será proferido o resultado oficial.

In casu, a Protege S/A – Proteção e Transporte de Valores recorreu da decisão proferida pela 5º Turma do Tribunal Superior do Trabalho que reconheceu a responsabilidade objetiva da empresa, determinando o pagamento de indenização a um vigilante de carro-forte que passou a sofrer transtornos psicológicos após ser assaltado enquanto colocava malotes de dinheiro no veículo. Em recurso ao STF, a decisão foi mantida.

Cinge-se a discussão principal acerca da constitucionalidade e incidência do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que admite a responsabilização objetiva do empregador, quando a atividade expõe o trabalhador a risco. Entretanto, a Constituição Federal prevê em seu artigo 7º, inciso XXVIII, que a indenização ocorrerá quando incorrer em dolo ou culpa, consagrando, então, a responsabilidade subjetiva daquele agente.

Há quem defenda que a decisão do STF permite a prevalência de uma lei infraconstitucional em detrimento de expressa previsão constitucional. Nesse sentido, mesmo que a Constituição não preveja um rol taxativo de direitos do trabalhador - tanto que expressa a possibilidade de sua ampliação, desde que as normas visem à melhoria da condição social -, fato é que essas devem ser compatíveis com a Carta Magna, o que, para essa posição, não ocorreria ao se adotar essa interpretação.

Por outro lado, o entendimento majoritário é o de que o artigo 7º, caput, da Constituição, permite a ampliação dos direitos dos trabalhadores por meio de outras normas, ou seja, elenca princípios trabalhistas, mas não os esgota, já que expressa “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Assim, inexistiria óbice à aplicação da regra disposta no Código Civil que consagra responsabilidade civil objetiva nesses casos. Destarte, a previsão constitucional afirmaria um patamar mínimo de direitos, não sendo um rol exaustivo.

O posicionamento mais adequado, porém, parece ser o primeiro, pois além de o Código Civil regular as relações civis e a Constituição se referir expressamente às relações de trabalho - apesar da ampliação possibilitada pelo artigo supracitado ser de extrema relevância -, não podem ser ultrapassadas as determinações constitucionais sob pretexto de proteger o trabalhador a todo custo.

Além disso, análise anterior do tema originou a súmula 229 do Supremo Tribunal Federal que dispõe que “a indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”, afirmando, então, a responsabilidade objetiva. Nesse sentido, Sérgio Cavalieri Filho (2008, p.142) aduz:

A norma infraconstitucional não pode dispor de forma diferente da norma constitucional. Assim como o Código Civil não poderia, por exemplo, atribuir ao Estado responsabilidade subjetiva por estar esta responsabilidade disciplinada na Constituição Federal como objetiva (art.37, § 6º), não poderia também atribuir responsabilidade objetiva ao empregador quando tal responsabilidade está estabelecida na Constituição como subjetiva.

Ademais, ao realizar uma análise minuciosa do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, verifica-se que ele expressa que haverá a responsabilização objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Expandir a abrangência desse artigo para questões como a discutida fere o princípio da legalidade.

Outrossim, a análise econômica do direito - ainda escassa nas decisões judiciais - nos permite concluir que as normas de responsabilização acarretam respostas comportamentais. A obrigação do empregador de reparar os danos causados aos empregados, independentemente de culpa, pode configurar ônus excessivo, pois, como afirmado pelos ministros vencidos, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux, nas atividades de maior risco as alíquotas de contribuição de seguro acidente de trabalho já são maiores.[1]

A propósito, a fórmula de Learned Hand nos permite observar que a análise econômica ressalta necessidade de sopesamento do dano de um lado e dos custos de prevenção do outro, para se obter uma decisão eficiente [2]. In casu, se a decisão do Supremo Tribunal Federal tem como um dos objetivos aumentar a precaução dos empregadores, há a possibilidade de um resultado inverso, visto que as pessoas reagem a incentivos. Assim, a responsabilização objetiva pode ser vista como desestímulo ao investimento na prevenção, já que o empregador responderá tendo culpa ou não.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Destarte, a ausência de um rol taxativo de atividades consideradas de risco ou de requisitos para tal configuração possibilita a criação de margens para decisões discricionárias, gerando insegurança jurídica, visto que a tendência é a ampliação desse conceito, como tentativa de proteger o trabalhador – o que é, como já afirmado, importante, mas os limites constitucionais não podem ser ultrapassados.

Além disso, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal poderá ensejar um crescente número de demandas que pleiteiam indenizações sob argumento de que a atividade exercida é de risco. Ainda, tende a aumentar o número de decisões como a proferida pela 2º Turma do Tribunal Superior do Trabalho que condenou uma empresa a pagar R$ 15 mil reais a indenizar um funcionário que se acidentou com sua moto quando voltava do trabalho para casa, afirmando que o condutor da motocicleta está mais sujeito a acidentes do que o motorista dos demais veículos automotores.

O Ministro Luiz Fux, ao desejar demonstrar que o trabalhador está ciente da atividade prestada e dos riscos de sua profissão, aduziu:

 

Se o homem público não quer sofrer crítica, fica em casa. O mesmo se aplica a um agente que se dispõe a essa atividade tão perigosa. Se não quer sofrer abalo, escolhe outra profissão. O policial que participa de tiroteio em comunidade tem que estar preparado.[3]

Nesse sentido, é desarrazoada e excessivamente onerosa a responsabilização objetiva dos empregadores, que, inclusive, podem ter que arcar com prejuízos causados propositalmente pelos seus empregados, em causos de fraude não constatadas pelo poder judiciário. Não há tentativa de generalização dessa hipótese, porém é necessária uma análise fática realista. Dessa maneira, observa-se que a atividade empresária pode, inclusive, ser obstada.

Por fim, como abordado, há uma norma constitucional que prevê a responsabilidade subjetiva nessas situações, e, uma norma infraconstitucional que afirma a responsabilidade objetiva. Ultrapassada a análise pelo Supremo Tribunal Federal sobre a aplicabilidade do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, quando a atividade for de risco, espera-se, pelo menos, a delimitação de quais profissões demandam o exercício de funções de risco ou quais os critérios para sua determinação, mas isso são cenas para os próximos capítulos. Por ora, só nos restar torcer para que o judiciário utilize a análise econômica do direito como instrumento de auxilio decisório, se afastando do plano idealista para analisar os reais impactos das normas e decisões na realidade social.

 


[1]  http://noticias.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=422689

[2]  TIMM, Luciano. Direito e Economia no Brasil, pg. 182. São Paulo. Editora Foco, 2019.

[3] Sessão Plenária do Supremo Tribunal Federal realizada em 05/09/2019. Disponível em: https://youtu.be/CplYkR81NAl

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos