A transação penal e a prescrição: uma recente decisão do STJ

10/10/2019 às 11:42

Resumo:


  • A transação penal é um instituto inserido na Lei dos Juizados Especiais, que busca a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de penas não privativas de liberdade.

  • A transação penal é um ato personalíssimo do autor do fato, isento de vícios, que não caracteriza a nulidade ou anulabilidade de um negócio jurídico.

  • Durante o cumprimento das condições de um acordo de transação penal, não há suspensão do curso do prazo prescricional, conforme decisão do STJ no HC 80.148.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A transação penal permite a aplicação de pena restritiva ou multa, sem instauração de processo penal. A prescrição ocorre durante o cumprimento das condições?

1. A TRANSAÇÃO PENAL

O artigo 76 da Lei 9.099/95, a chamada Lei dos Juizados Especiais, prescreve que, tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, ou havendo representação no de ação penal pública condicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.

O instituto se insere num modelo conciliatório, onde a Justiça Penal orienta-se pela oralidade, informalidade e celeridade, objetivando a reparação dos danos sofridos pela vítima, sempre que possível, e a aplicação de pena não privativa de liberdade (artigo 62).

A transação se inclui dentro do que se chama de espaço de consenso em que o Estado, respeitando a autonomia de vontade das partes, limita, voluntariamente, o acolhimento e o uso de determinados direitos.

Estamos diante de um modelo penal despenalizador, que atua não só quando a pena deixa de ser aplicada, como ainda no perdão judicial, ocorrendo ainda quando a sanção é atenuada quanto a qualidade ou a quantidade da sanção criminal. Tal a lição que se tem da doutrina.

O compromisso do Estado nesses casos é tal que o artigo 69 da Lei 9.099/95 estabelece que ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá a prisão em flagrante, não se exigirá a fiança. Dispensa-se a documentação da prisão em flagrante, a lavratura do auto de prisão. Em razão disso, outra espécie de prisão cautelar, a prisão preventiva (artigo 312 do CPP), não tem aqui utilidade.

A transação se soma à suspensão condicional do processo(artigo 89 da Lei 9.099/95) e a recomposição de danos civis (artigo 74 da Lei 9.095), que será homologada pelo juiz, mediante sentença irrecorrível e terá eficácia de titulo executivo judicial, observando-se que, como se vê do parágrafo único, tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou de representação.

Em obra essencial na matéria, Márcio Franklin Nogueira(Transação Penal, 2003, pág. 164) aduziu que através da transação, de um lado, o Ministério Público, na qualidade de dominus litis, abre mão de exercer o seu ius persequendi pela forma tradicional e, de outro, o autor do suposto fato abre mão de seu direito ao devido processo decorrente de ação própria, para que se atinja a decisão rápida, consensual e satisfatória para o caso.

Por sua vez, Damásio E. de Jesus vê na transação uma forma de despenalização (Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, 2001, pág. 59).

Esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 74.017, 1ª Turma, Relator Ministro Octávio Gallotti, DJU de 27 de setembro de 1996, pág. 36.153.

Na transação, por certo, está presente o requisito da bilateralidade, que se traduz em ônus e vantagens para as partes.

Como tal a transação é ato personalíssimo do autor do fato, isento de qualquer vício, que caracteriza a nulidade ou anulabilidade de um negócio jurídico.


2. A NÃO INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DURANTE O PRAZO DA TRANSAÇÃO PENAL

Tema importante a discutir diz respeito a incidência da prescrição com relação a transação penal.

A matéria foi objeto de discussão pelo STJ no HC 80.148.

Veja-se o que foi informado no site do STJ, em 10 de outubro do corrente ano:

“Durante o tempo transcorrido para o cumprimento das condições impostas em acordo de transação penal (artig​o 76 da Lei 9.099/1995) não há, por falta de previsão legal, a suspensão do curso do prazo prescricional.

A tese foi fixada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a recurso em habeas corpus para reconhecer a prescrição e declarar a extinção da punibilidade em um caso de lesão corporal no trânsito.

Segundo o processo, o acusado bateu o carro e causou graves lesões na passageira que estava ao seu lado. Fugiu sem prestar socorro e, em seguida, retornou à Argentina, onde estudava, sem dar esclarecimentos à polícia nem o devido auxílio à vítima.

Foi celebrado acordo de transação penal, consistente no pagamento de R$ 150 mil à vítima da lesão corporal, em 60 parcelas mensais. O acordo, porém, deixou de ser cumprido – o que levou o Ministério Público a pedir a instauração da ação penal. A defesa alegou que já teria ocorrido a prescrição da pretensão punitiva e pediu o trancamento da ação.

O Tribunal de Justiça do Ceará negou o pedido sob o argumento de que não se pode falar em prescrição durante período de prova e sem o cumprimento total da transação penal oferecida pelo Ministério Público.

No recurso em habeas corpus apresentado ao STJ, o recorrente alegou constrangimento ilegal por estar sendo indevidamente processado com base em pretensão punitiva já prescrita. Disse que já tinham transcorrido 12 anos desde o acidente e que não havia causa suspensiva ou interruptiva da prescrição, motivo pelo qual pediu o trancamento da ação penal.

Segundo o relator do recurso, ministro Antonio Saldanha Palheiro, a orientação jurisprudencial do STJ considera que as causas suspensivas da prescrição exigem expressa previsão legal.

O ministro explicou que, embora a transação penal implique o cumprimento de uma pena restritiva de direitos ou multa pelo acusado, não se pode falar em condenação, muito menos em período de prova, enquanto durar o cumprimento da medida imposta, razão pela qual não se revela adequada a aplicação do artigo 117, V, do Código Penal.

"A interrupção do curso da prescrição prevista no referido dispositivo legal deve ocorrer somente em relação às condenações impostas após o transcurso do processo, e não para os casos de transação penal, que justamente impede a sua instauração", afirmou.”

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Embora a transação penal implique o cumprimento de uma pena restritiva de direitos ou multa pelo acusado, nos termos do art. 76. da Lei n. 9.099/1995, não há que se falar em condenação, muito menos em período de prova enquanto durar o cumprimento da medida imposta, razão pela qual não se revela adequada a aplicação do art. 117, V, do Código Penal. Ou seja, a interrupção do curso da prescrição prevista no referido dispositivo legal deve ocorrer somente em relação às condenações impostas após o transcurso do processo, e não para os casos de transação penal, que justamente impede a sua instauração.

Lembra-se que, "em observância ao princípio da legalidade, as causas suspensivas da prescrição demandam expressa previsão legal" (AgRg no REsp n. 1.371.909/SC, relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 23/8/2018, DJe de 3/9/2018). Cabe destacar que a Lei n. 9.099/1995, ao tratar da suspensão condicional do processo, instituto diverso, previu, expressamente, no art. 89, § 6º, que "não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo". Assim, determinou, no caso específico do sursis processual, diferentemente da transação penal, que durante o seu cumprimento não correria o prazo prescricional.

Ainda é mister ter-se em conta a seguinte jurisprudência na matéria:

CRIMINAL. RESP. LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA LEVE. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO E HOMOLOGADO EM TRANSAÇÃO PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. PRESCRIÇÃO DA PENA IN ABSTRATO VERIFICADA. MÉRITO DO RECURSO PREJUDICADO. I - Existindo sentença homologatória de transação penal e evidenciado o não recebimento de denúncia, inexiste marco interruptivo do curso prescricional. Precedentes. II - Declara-se extinta a punibilidade do recorrido, em relação ao crime de lesões corporais de natureza leve, pela ocorrência da prescrição da pena in abstrato, eis que, considerando-se o máximo da pena fixada 01 (um) ano -, e que o último marco interruptivo do curso da prescrição foi a data do fato, já se consumou o lapso prescricional necessário para tanto, ex vi do art. 109, inc. V do Código Penal. III - Declarada a extinção da punibilidade do recorrido; recurso especial julgado prejudicado.

(REsp 564.063/SP, relator Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/06/2004, DJ 02/08/2004, p. 512.)

Durante o tempo transcorrido para o cumprimento das condições impostas em acordo de transação penal (artig​o 76 da Lei 9.099/1995) não há, por falta de previsão legal, a suspensão do curso do prazo prescricional.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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