O pensamento liberal e o Sistema S

10/10/2019 às 12:13

Resumo:


  • Eugênio Gudin defendia o liberalismo econômico e criticava a intervenção do Estado na economia e a formação de empresas mistas, acreditando que tal participação estatal afugentaria o capital privado.

  • Roberto Simonsen, com uma visão desenvolvimentista, apoiava a presença do Estado na economia e a industrialização como meio de elevar a renda nacional, contrastando com a perspectiva liberal de Gudin.

  • O atual ministro da Economia, Paulo Guedes, tem promovido cortes no orçamento do Sistema S, o que reflete a influência do pensamento liberal na política econômica atual, apesar da importância do Sistema S para a educação e desenvolvimento profissional no Brasil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Eugênio Gudin questionava a intervenção do Estado na economia, por acreditar que a economia liberal não era a responsável pelos problemas ocorridos no início do século e sim havia equívocos de ordem política, que trouxeram a Primeira Guerra Mundial e posteriormente a “Grande Depressão”, referindo-se à crise de 1929. De acordo com Gudin (1977, p. 67), não cabe assim à economia liberal a responsabilidade desses desastres. Originalmente, a Grande Depressão foi o resultado de um fenômeno político: a Guerra Mundial de 1914, que abalou profundamente o sistema que a economia liberal havia construído em um século. Subsidiariamente, incumbe a responsabilidade aos desacertos praticados pelo grande, mas ainda inexperiente, país que passara repentinamente, de país devedor à posição do maior credor do mundo e líder da economia mundial.

Gudin discordaria da argumentação de que a economia privada não dispunha de recursos suficientes para atuar em determinadas áreas da economia e que o Estado deveria atuar. E discordaria, inclusive, da formação de empresas mistas, com capital privado e capital estatal, isto porque a participação do Estado afugenta o capital privado, pelo justo receio da forçosa preponderância que o Estado exercerá na administração da empresa e na escolha de seus dirigentes, feita, em regra, sob critérios políticos [...]. O capital privado foge de colaborar com o capital do Estado porque não confia na capacidade e eficiência administrativas do Estado(GUDIN, 1977, p. 82).

Para Gudin(1977,p. 83), era preciso dar totais condições para que o capital estrangeiro se interessasse em investir em nosso país, principalmente o dos Estados Unidos, mas “qual será o capital estrangeiro que para aqui afluirá, ao ver que o Governo realiza operações de crédito ‘de Governo a Governo’ para suprir capital e assim assumir a tutela de indústrias nacionais, ‘evitando novas iniciativas concorrentes?’”. Inclusive, na sua avaliação, os capitais nacionais também não se arriscariam em empreendimentos industriais por absorverem as indústrias já instaladas protegidas pelo Estado. Gudin, em adesão à ideia monetarista, elencaria a inflação como o maior desafio a ser solucionado na economia brasileira e, para isso, proporia medidas para estancá-la.

Gudin, ao contrário de Roberto Simonsen, grande idealizador do sistema S, era contra esse sistema com sua visão liberal. Roberto Simonsen tinha uma visão desenvolvimentista em que o Estado teria uma grande participação. Gudin era contra essa ideia.

O sistema surgiu no debate entre as vertentes desenvolvimentista e outra de cunho liberal-mercadista.

De um lado, pelo desenvolvimento, estava Roberto Simonsen, e, de outro, pelo liberalismo, Eugênio Gudin.

O primeiro destacava a presença do Estado na economia e da necessidade da industrialização, como forma de aumentar a renda nacional.

Entre outros pontos, Simonsen destacava que:

“Impõe-se (...) a planificação da economia brasileira em moldes capazes de proporcionar os meios adequados para satisfazer as necessidades essenciais de nossas populações e prover o país de uma estruturação econômica e social, forte e estável, fornecendo à nação os recursos indispensáveis à sua segurança e sua colocação em lugar condigno, na esfera internacional”.

A diretriz deveria, em suas palavras, ser de amplo espectro:

“A planificação do fortalecimento econômico nacional deve, assim, abranger, por igual, o trato dos problemas industriais, agrícolas e comerciais, como o dos sociais e econômicos, de ordem geral”.

Gudin respondia:

“O conselheiro Roberto Simonsen filia-se (...) à corrente dos que veem no ‘plano’ a salvação de todos os problemas econômicos, espécie de palavra mágica que a tudo resolve, mística de planificação que nos legaram o fracassado New Deal americano, as economias corporativas da Itália e de Portugal e os planos quinquenais da Rússia. Não compartilho dessa fé”

( ...) “A verdade é que temos caminhado assustadoramente no Brasil para o capitalismo de Estado. O próprio projeto Simonsen assinala (...) a lista das indústrias já tuteladas pelo Estado: aço, álcalis, álcool anidro, petróleo, celulose, alumínio, etc. Que celeuma não levantaria nos Estados Unidos a ideia de uma encampação pelo Estado da United States Steel e das jazidas de minério do Lago Superior, ou na Inglaterra a da nacionalização das indústrias do aço, do petróleo, dos álcalis etc.?”

Em verdade, Simonsen enxergava o esboço de um pais moderno, pensando na modernização da indústria nacional.

O legado de Simonsen inclui ainda a criação do Centro das Indústrias de São Paulo (Ciesp), o Serviço Social da Indústria (Sesi), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e Escola Livre de Sociologia e Política.

Chegamos aos dias atuais, onde se nota que o atual ministro da economia dá continuidade ao pensamento econômico de Simonsen, que, nos últimos anos de vida, aliou-se ao trabalhismo getulista.

Como acentuou a revista Carta Capital, em sua edição de setembro último, entre as guerras subterrâneas que o bolsonarismo dirige às expressões do espírito no Brasil, uma delas está eclodindo de forma ainda quase invisível ao olho público. Trata-se da investida do governo contra o chamado Sistema S (que inclui Sesc, Sesi, Senai, Senac, Sebrae e outras instituições ligadas às confederações patronais do País). Esse sistema possibilita o acesso a lazer, cultura, esporte, saúde, educação técnica e entretenimento para cerca de 12 milhões de pessoas.

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O Sistema S possui, aproximadamente, 3,5 mil unidades no País, emprega mais de 150 mil pessoas e paga 8 bilhões de reais em salários. Ao fixar um corte compulsório de 30% no orçamento dessas instituições, que deverá vigorar a partir do próximo ano, o governo deflagrou um processo de encolhimento em cadeia nas suas atividades. Em todo o País, já começam a pipocar demissões de funcionários e cancelamento de programações.

Desativam-se unidades e contingenciam-se despesas. O aperto orçamentário atinge primeiramente os fornecedores, obrigados a negociar serviços com preços do ano passado.

"Em dezembro do ano passado, o hoje ministro prometeu “meter a faca” nas contribuições que as empresas fazem para essas instituições, reduzindo-as em até 50%. Em discurso na época, chegou a dizer que os braços do Sistema S “arrecadam recursos, destinam pouco dinheiro para educação e usam o restante para financiar campanhas políticas e comprar apoio para aprovar leis favoráveis”."

"Um corte de 30% a 50% nas contribuições obrigatórias era citado por Guedes como parte de um amplo programa de desoneração da folha salarial, capaz de gerar milhões de empregos."

O pensamento liberal de Gudin está vivo no mundo neoliberal do atual ministro da Economia.

O corte no Sistema S ocorre por iniciativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, que vem se empenhando nessa ação desde antes da eleição de 2018. Os cursos profissionalizantes do Senai atingiram 2,3 milhões de matrículas no ano passado. No Sesi, 1,2 milhão de alunos cursam a educação básica, e as unidades do Sesc têm 4,6 milhões de beneficiários. O refluxo preventivo das entidades do Sistema S é inexplicável, já que as instituições possuem uma reserva admirável de recursos. Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, de 2017, o saldo de caixa detido por Sesc, Senac, Sesi, Senai e Sebrae, ao fim de 2016, era de 17,4 bilhões de reais. “Entre as companhias abertas não financeiras do País, apenas a Petrobras tinha um caixa acima desse valor na mesma data, de 69 bilhões de reais – a Vale era a segunda, com 13,8 bilhões de reais.” A atitude de recolhimento de empresários e industriais sugere um realismo de adaptação, mais do que uma necessidade real.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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