Direito de Família e proteção à mulher

10/10/2019 às 14:52
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As mulheres passaram séculos em posição social inferior ao homem e essa realidade já se encontra diferente, no entanto, ainda há esclarecimentos a serem realizados para que a realidade de direitos iguais seja alcançada.

Com o passar dos anos, a mulher tem adquirido maior disposição de seus direitos e maior equiparação ao homem. Ainda existe machismo em nossa sociedade, mas é necessário reconhecer e tornar público o quanto a mulher já alcançou até aqui.

Em pleno ano de 2019, nem todas as pessoas detêm o conhecimento mínimo a respeito dos direitos adquiridos após o fim de uma sociedade conjugal, seja por desinteresse ou por abusividade do parceiro, cabe aos profissionais do Direito garantirem a divulgação da informação para alcançar o mínimo de sua função essencial à justiça.

O início de uma sociedade conjugal é envolvida por sonhos e não se imagina que pode um dia acabar. Com esse pensamento, muitos deixam de realizar pactos antenupciais ou sequer formalizam o casamento, vivendo em união estável por anos a fio. No entanto, todos têm a liberdade de escolherem permanecer ou não nessa sociedade, o importante é que tenham o conhecimento para que o medo da dependência econômica, existência de filhos ou permanência do sobrenome do esposo não sejam empecilhos para tomar essa decisão. A possibilidade de requerer alimentos do pai da criança, ainda que não sejam casados, também foi uma grande vitória para a independência social da mulher.

PENSÃO ALIMENTÍCIA ENTRE EX-CÔNJUGES

O estabelecimento de pensão alimentícia é muito comum quando um casal opta por separar sua convivência e os filhos do casal moram com um deles, mas essa possibilidade existe também quando sequer há filhos, a pensão de alimentos voltada para o ex-cônjuge.

Geralmente o arbitramento envolve incapacidade profissional ou dificuldade de inserção em mercado de trabalho, por diversos motivos, do alimentado e decorre de uma realidade na qual um dos cônjuges sempre foi o responsável pelo suprimento financeiro enquanto o outro se dedicava à família de outra forma. A separação de um casal não deve ser fator que interrompa a dignidade da pessoa humana a um dos ex-cônjuges e, por isso, é cabível que a isonomia entre eles permaneça por um tempo após o evento para manutenção de ambos.

Antigamente essa obrigação era vitalícia, mas, atualmente é frequentemente arbitrada de forma temporária, por um tempo que seja, em tese, suficiente para suprir o fator impeditivo do ex-cônjuge se manter sozinho. É possível que seja arbitrada de forma vitalícia, mas a análise da necessidade do alimentado e da possibilidade do alimentante caberá ao caso concreto, por esse motivo o arbitramento judicial dessa obrigação pode ser questionado sempre que houver alteração na condição de vida das partes.

A pensão alimentícia surge a partir do dever de assistência recíproca entre os conviventes de casamento ou união estável. Os alimentos necessários são os essenciais para a manutenção da vida do antigo consorte e os alimentos civis não são considerados pensão alimentícia, mas é possível requerê-los conforme uma análise social.

Serão considerados os recursos e padrão social do casal enquanto durou a sociedade conjugal e se buscará que esse patamar seja mantido para ambos ao fim da coabitação e esses alimentos buscam evitar que ocorra qualquer desequilíbrio econômico para equalizar as desvantagens socioeconômicos decorrentes do fim da união. Entretanto, é comum que essa análise aconteça após a partilha de bens do casal para então iniciar a verificação de possível desequilíbrio mesmo depois de transferida a meação de cada um.

Assim, os alimentos ao ex-cônjuge estimulam os direitos iguais entre homens e mulheres, além de incentivar que a mulher retorne ao mercado de trabalho quando for apta para tal. Atualmente é comum a mulher sustentar a família financeiramente, mas ainda há reflexos de casamentos com costumes do século passado nos quais ela não participava financeiramente.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende ser possível a exoneração da pensão alimentícia quando o tempo de seu fornecimento restar como comprovado para a recolocação no mercado de trabalho do ex-cônjuge alimentado.

USUCAPIÃO FAMILIAR

A usucapião é uma fonte originária de propriedade e o direito pertence ao cônjuge que permaneceu no lar quando o outro abandonou de forma voluntária a posse do imóvel.

Código Civil determina como requisitos: a) o exercício de posse direta com exclusividade, por pelo menos dois anos ininterruptos, sobre o imóvel em que divida a propriedade com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar e b) utilizar esse imóvel para sua moradia ou de sua família. Atendidas essas condições, é possível adquirir o domínio integral da propriedade.

O conceito de abandono do lar é ainda questionado porque abre espaço para interpretações que configuram uma separação de fato do casal. No entanto, para a aquisição da usucapião familiar, é necessário que o abandono de lar configure total abandono afetivo e da tutela familiar, ou seja, desamparo por quem deveria ser provedor da família.

Esse instituto visa solucionar diversas situações que existem na prática e que, geralmente, o ex-consorte que abandonou o lar dificulta a solução porque não pretende abrir mão da propriedade do imóvel que dividia com sua família. A Usucapião familiar permite que aquele que deu origem ao abandono perca a propriedade e esta pertença ao ex-cônjuge que permaneceu no lar.

ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Mais uma possibilidade de fornecimento de alimentos é quando a mulher grávida se encontra desamparada pelo pai da criança, o instituto jurídico chamado alimentos gravídicos.

O nascituro (criança gerada que ainda está na vida intra-uterina) tem seus direitos resguardados a partir da sua concepção e, por isso, será detentor do direito de nascimento com vida, alimentação, saúde, dentre outros. É possível agrupar esses direitos básicos sob o nome de alimentos gravídicos, uma pretensão para que se garanta uma gestação e nascimento da criança de acordo com as condições econômicas de seus pais. Deve ser observado o binômio necessidade da criança e possibilidade financeira de seu pai, mas uma vez quantificados esses fatores, torna-se mais fácil equalizar as responsabilidades dos genitores, dado que ambos devem colaborar para a boa formação do filho na proporção dos recursos de cada um.

Os alimentos gravídicos são devidos ao nascituro, mas percebidos pela gestante, são valores suficientes para cobrir custos relativos ao período de gravidez como assistência médica e psicológica, exames, internação, desenvolvimento seguro do feto e medicamentos, da concepção ao parto, após esse momento será cabível outra espécie de alimentos: a pensão alimentícia. Esses custos devem ser divididos pelos pais, a mãe também tem responsabilidade financeira de acordo com sua realidade econômica.

A obrigação de alimentos gravídicos é devida pelo pai da criança, mas nem toda gravidez permite que ocorra o exame de filiação do nascituro e, nessas situações, basta indicar os indícios de paternidade para que o suposto pai adquira essa responsabilidade. Se o suposto pai tiver certeza de que não é o pai biológico, recomenda-se que ele ajuíze uma ação negatória de paternidade para que seja exonerado dessa responsabilidade.

No ordenamento jurídico brasileiro os alimentos são irrepetíveis e não seriam, em tese, devolvidos. No entanto, se, quando a criança nascer, uma posterior descoberta, através de exame de DNA, determinar que a pessoa responsabilizada não é o verdadeiro pai, há possibilidade de recuperar todos os valores por meio de uma ação de indenização (dano material e moral) em face da mãe da criança. Os princípios da boa fé e da vedação ao enriquecimento ilícito devem superar a irrepetibilidade de verbas alimentares.

Se a mãe da criança agiu de boa fé e não houve evidente enriquecimento ilícito, a ação pode ser, ainda, ajuizada em face do verdadeiro pai da criança, um terceiro que realmente deveria ter alcançado essa obrigação. Essa solução garante a proteção de gestante e nascituro e, ainda, o ressarcimento de valores fornecidos pelo não genitor.

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É importante observar que nem sempre é possível um exame de DNA em nascituro, mas se o suposto pai recusar fazer o exame após o nascimento da criança, há presunção relativa de paternidade, segundo o STJ.

DIREITO AO SOBRENOME DO EX-CÔNJUGE

O nome é um direito da personalidade e pode ser alterado em situações específicas, como o casamento ou registro de união estável. Durante a vigência do Código Civil de 1916 era obrigatório que a mulher acrescesse ao seu nome o sobrenome (patronímico) de seu esposo e até hoje pode ser uma tradição, apesar de não haver mais obrigatoriedade. Atualmente também é possível que o homem adquira o sobrenome de sua esposa.

O STJ já definiu que o direito de alteração do nome pode ocorrer durante o tempo de vínculo conjugal, mas o meio processual será uma ação de retificação de registros públicos e não no processo de habilitação para o casamento.

Com a dissolução do casamento, há a possibilidade de os ex-cônjuges retornarem os seus nomes para os que usavam antes da sociedade conjugal. Isso pode acontecer no cartório, por acordo das partes ou através de uma sentença judicial nos casos em que há um processo em curso. Antes do atual Código Civil de 2002, essa alteração, em regra, era obrigatória, mas a legislação daquela época ignorava diversos efeitos que isso poderia causar.

Primeiramente, sob o aspecto financeiro, houve mulheres que se tornaram conhecidas pelos sobrenomes de seus maridos e no divórcio os perderam, o que resultou em nítido prejuízo para elas. Em segundo lugar, sob o ponto de vista humano, encontraram-se muitas mulheres que foram proibidas de usarem o mesmo sobrenome de seus filhos porque eles, obviamente, tinham também o sobrenome de seus pais, uma afronta direta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

A aquisição do sobrenome do consorte constitui direito da personalidade e, uma vez adquirido, pertence ao detentor do nome e não apenas àquele que o forneceu, afinal o nome é meio de identificação social e não pode ser alterado de forma obrigatória.

Uma vez adquirido o sobrenome pela sociedade conjugal, apenas a renúncia pelo que adquiriu o nome possibilita a alteração do registro civil e o retorno ao seu nome anterior. A mudança ou manutenção do nome que agregou com o casamento é uma escolha que cabe apenas ao detentor do nome.

CONCLUSÃO

A mulher, atualmente, detém muitos direitos que permitem uma maior igualdade entre os gêneros, mas a maioria os desconhece.

Ainda falta grande mudança cultural para alcançar essa utopia social de igualdade, mas a possibilidade de pensão alimentícia, alimentos gravídicos e alteração do nome decorrente de divórcio garante cada vez maior liberdade feminina.

A pensão alimentícia e a possibilidade de permanência do patronímico são direitos disponíveis e podem ser objeto de acordo entre as partes, no entanto os alimentos gravídicos são direitos indisponíveis e devem ser pleiteados conforme a necessidade do nascituro.

Os direitos humanos protegem todo ser humano, mas sua aplicabilidade deve ser de acordo com a necessidade de cada grupo social. Portanto, não hesite em buscar justiça para uma pretensão jurídica, procure um advogado especializado e conheça melhor os seus direitos femininos.

Sobre a autora
Clarissa Fernanda Rodrigues

Advogada sócia em PRX Advogados. https://www.prxadvogados.com.br/ Pós graduanda em Direito Tributário. Pós-graduação em Direito Público. Membro das Comissões de Assuntos Tributários e de Contratos e Responsabilidade Civil da OAB/DF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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