O estacionamento de viaturas policiais sobre os passeios e as calçadas

10/10/2019 às 20:25
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Não é incomum que viaturas policiais parem ou estacionem sobre passeios e calçadas, sob o pretexto de dar ostensividade à presença da polícia com a finalidade de preservar a ordem pública. Tal conduta é legal?

Não é incomum que viaturas policiais parem ou estacionem sobre passeios e calçadas, sob a justificativa de dar ostensividade à presença da polícia com a finalidade de preservar a ordem pública.

Tal procedimento realizado pela polícia é legal?

Antes de demonstrar os entendimentos existentes, é importante conceituar parada, estacionamento, passeio e calçada.

O ANEXO I da Lei n. 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro - define os conceitos dos termos mencionados, a saber.

PARADA - imobilização do veículo com a finalidade e pelo tempo estritamente necessário para efetuar embarque ou desembarque de passageiros.

ESTACIONAMENTO - imobilização de veículos por tempo superior ao necessário para embarque ou desembarque de passageiros.

PASSEIO - parte da calçada ou da pista de rolamento, neste último caso, separada por pintura ou elemento físico separador, livre de interferências, destinada à circulação exclusiva de pedestres e, excepcionalmente, de ciclistas.

CALÇADA - parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins.

Expostos os conceitos, passamos a analisar se tal procedimento realizado pela polícia é legal.

Há os dois entendimentos.

O primeiro preconiza ser ilegal, na medida em que o art. 29, VIII, do Código de Trânsito Brasileiro dispõe que os veículos que gozam de livre parada e estacionamento no local de prestação do serviço são os que prestam serviços de utilidade pública e que estejam em atendimento na via.1

O art. 3º, § 1º, da Resolução CONTRAN n. 268, de 15/02/2008, define os veículos que são considerados prestadores de serviço de utilidade pública e não menciona a viatura policial.

Art. 3º Os veículos prestadores de serviços de utilidade pública, referidos no inciso VIII do art. 29 do Código de Trânsito Brasileiro, identificam-se pela instalação de dispositivo, não removível, de iluminação intermitente ou rotativa, e somente com luz amarelo-âmbar.

§ 1º Para os efeitos deste artigo, são considerados veículos prestadores de serviço de utilidade pública:

I - os destinados à manutenção e reparo de redes de energia elétrica, de água e esgotos, de gás combustível canalizado e de comunicações;

II - os que se destinam à conservação, manutenção e sinalização viária, quando a serviço de órgão executivo de trânsito ou executivo rodoviário;

III - os destinados ao socorro mecânico de emergência nas vias abertas à circulação pública;

IV - os veículos especiais destinados ao transporte de valores;

V - os veículos destinados ao serviço de escolta, quando registrados em órgão rodoviário para tal finalidade;

VI - os veículos especiais destinados ao recolhimento de lixo a serviço da Administração Pública.

O inciso VII do art. 29 do Código de Trânsito Brasileiro autoriza que os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozem de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente.2

Trata-se de veículos que prestam serviços de interesse público.

Nota-se que a viatura policial somente poderá estacionar e parar sobre as calçadas e passeios quando em serviço de urgência e não sem uma situação de normalidade ou de atendimento de ocorrência, pois em se tratando de atendimento o inciso VIII do art. 29 não contemplou a viatura, que presta serviço de segurança pública, mas somente os veículos que prestam serviço de utilidade pública, elencados no art. 3º, § 1º, da Resolução CONTRAN n. 268/08.

Por serviço de urgência deve-se entender qualquer situação que demanda atendimento imediato, que não pode esperar, que necessite de uma pronta resposta, seja em razão da gravidade ou de qualquer circunstância do caso concreto que exija uma atuação imediata, como o atendimento de uma ocorrência policial em que agentes de roubo estejam em flagrante delito ou de uma ambulância que preste socorro a uma vítima de qualquer acidente que esteja em estado grave.

Nesse sentido, o Conselho Estadual de Trânsito do Estado de Goiás lançou o Parecer n. 010/093, que trata da legalidade do estacionamento de viaturas policiais sobre passeios e calçadas, ocasião em que afirmou ser ilegal a conduta de viaturas policiais estacionarem sobre as calçadas, salvo em serviço de urgência.

O parecer distingue os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, como prestadores de serviço público (art. 29, VII, do CTB), dos veículos prestadores de serviços de utilidade pública (art. 29, VIII, do CTB ) que são os indicados no art. 3º, § 1º, da Resolução CONTRAN n. 268/08 e conclui que:

os veículos que prestam serviços de interesse público, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente. Caso estes veículos não se encontrem conforme situação descrita, estando estacionados em áreas de passeio, de circulação de pedestres e de ciclos, em ilhas, refúgios, divisores de pistas e locais análogos, poderão ser autuados por infração ao Artigo 181, inciso VIII, do CTB.

Dessa forma, para a primeira corrente, a viatura policial, salvo situações de urgência, não podem parar ou estacionar sobre as calçadas e passeios, sob pena de estarem sujeitas à autuação por infração de trânsito (arts. 181, VIII, 182, VI, ambos do CTB)4, cuja multa poderá ser aplicada por órgão de trânsito ou por outra viatura.

O primeiro entendimento não merece prosperar, razão pela qual passo a expor fundamentos para divergir e expor um segundo entendimento, que considera legal o estacionamento e parada de viaturas sobre passeio e calçadas, ainda que não haja uma situação de urgência.

Com efeito, o art. 29, VIII, do Código de Trânsito assevera que “os veículos prestadores de serviços de utilidade pública, quando em atendimento na via, gozam de livre parada e estacionamento no local da prestação de serviço, desde que devidamente sinalizados, devendo estar identificados na forma estabelecida pelo CONTRAN”.

Para chegar à conclusão da legalidade do estacionamento e parada de viaturas policiais sobre passeios e calçadas será necessário analisar o conceito de “veículos prestadores de serviços de utilidade pública”; “atendimento na via”; “local da prestação de serviço”, “devidamente sinalizados” e de “identificados na forma estabelecida pelo CONTRAN”.

Os veículos prestadores de serviços de utilidade pública são todos aqueles que desempenham algum serviço de ordem pública, conforme lições de Arnaldo Rizzardo, que cita como exemplo “o caminhão da coleta de lixo, guinchos (somente em caso de socorro de emergência), carros-fortes, veículos de empresas de serviço telefônico ou de energia elétrica, viaturas que tratam de obra de saneamento urbano etc. Enfim, aos veículos utilizados em serviços de caráter público gozando de livre parada e estacionamento, permite-se parar e estacionar em locais que, em princípio, são proibidos e inadequados.”5

José dos Santos Carvalho Filho leciona que “Os serviços de utilidade pública se destinam diretamente aos indivíduos, ou seja, são proporcionados para sua fruição direta. Entre eles estão o de energia domiciliar, fornecimento de gás, atendimento em postos médicos, ensino etc.”6

O Decreto-Lei 3.365/41 trata das desapropriações por utilidade pública e traz um rol em que contém “segurança nacional”, “a defesa do Estado”, “salubridade pública”, o “funcionamento dos meios de transporte coletivo”, dentre outros, o que demonstra que o conceito de utilidade púbica é amplo e deve incluir a segurança pública.

Trata-se de rol não taxativo, conforme leciona Matheus Carvalho, ao dizer que as disposições legais não são exaustivas acerca das hipóteses de utilidade pública, uma vez que se trata de conceito jurídico indeterminado, no qual impera “uma margem de discricionariedade ao administrador público, que poderá exercê-la com base em critérios de oportunidade e conveniência.”7

Dessa forma, é perfeitamente possível incluir as viaturas policiais como prestadoras de serviço de utilidade pública, por serem os órgãos policiais os responsáveis pela segurança pública e a Polícia Militar, especificamente, pela polícia ostensiva e preservação da ordem pública.

Em que pese o rol do art. 3º, § 1º, da Resolução CONTRAN n. 268/08 não mencionar a viatura policial, tal rol não pode ser interpretado como taxativo, exatamente pelas mesmas razões que o rol do Decreto-Lei 3.365/41 não deve ser interpretado de forma taxativa. Além do mais, o Código de Trânsito Brasileiro, no artigo 28, III, ao autorizar que os veículos prestadores de serviços de utilidade pública gozem de livre parda e estacionamento foi expresso em dizer que o CONTRAN regulamentaria a forma de identificação desses veículos e não quais veículos se encaixariam no conceito de “utilidade pública”, o que corrobora os argumentos de que o rol mencionado pelo CONTRAN é exemplificativo, já que onde a lei não restringiu, não cabe ao intérprete (CONTRAN) restringir.

Art. 28 (…) VIII - os veículos prestadores de serviços de utilidade pública, quando em atendimento na via, gozam de livre parada e estacionamento no local da prestação de serviço, desde que devidamente sinalizados, devendo estar identificados na forma estabelecida pelo CONTRAN;

Por atendimento na via deve-se entender pela efetiva prestação de serviço que, em se tratando de viatura policial, consiste na prestação de serviço de segurança pública, que estará caracterizado pela simples presença ostensiva do órgão policial.

Assim, a mera presença de uma viatura da Polícia Militar é suficiente para caracterizar a prestação de serviço e, consequentemente, o atendimento na via, pois não há necessidade que haja o atendimento de uma ocorrência policial, que consiste somente em uma das formas da prestação de serviço da Polícia Militar, até porque a finalidade precípua do policiamento é a prevenção.

A prestação de serviço de segurança pública pode ocorrer de iniciativa ou em decorrência de solicitação.

Tome como exemplo a passagem de viaturas por determinadas ruas após o recebimento de uma ligação no 190 em que o denunciante disse haver indivíduos em atitude suspeita. Haverá o atendimento pela Polícia Militar quando a viatura passar pelo local mediante solicitação, bem com haverá o atendimento pela instituição quando a viatura passar pelo local de iniciativa.

Portanto, sempre que uma viatura realizar o policiamento estará caracterizada a efetiva prestação de serviço e consequentemente o atendimento de serviço de interesse público (preservação da ordem pública). Seria de todo incongruente permitir que uma viatura policial permanecesse sobre o passeio após a prática de um crime (repressão), para atender a uma ocorrência, mas não pudesse permanecer antes da ocorrência do crime (prevenção), sendo que a missão constitucional da Polícia Militar é a preservação da ordem pública, razão pela qual deve ser dada primazia, sempre, à prevenção e quando a ordem pública for violada, deve ocorrer a restauração da ordem pública.

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A doutrina de José Almeida Sobrinho8, ao comentar o art. 28, VIII, do CTB ensina que:

Esses veículos, destinados ao atendimento de serviços de uso comum da sociedade, têm prerrogativa de livre parada e estacionamento porque são equipados especificamente para atender interrupção ou defeito nessas atividades essenciais à vida da sociedade, tais como água, esgoto, energia elétrica, telefonia e outros.

É importante frisar que não há necessidade de emergência para que a prerrogativa de livre parada e estacionamento tenha validade; basta que o veiculo esteja efetivamente sendo utilizado para o reparo do serviço na via pública, pois o inciso VIII diz apenas “quando em atendimento na via”, e não quando em atendimento de emergência. Dessa forma, mesmo em atividade de simples manutenção, os veículos dessa espécie gozam da prerrogativa.

Verifique-se que seu deslocamento é regular, da mesma forma que os veículos comuns. Apenas e tão somente quando parados ou estacionados, enquanto se dá a prestação do serviço, é que podem usufruir desse privilégio legal. Ainda assim não é necessário que o próprio veículo esteja sendo utilizado para o serviço em si, basta que esteja transportando equipamentos e pessoal para a obra e que sua presença no local seja útil e conveniente.

Nota-se não haver necessidade de que haja uma situação emergencial para que a viatura fique sobre o passeio, sendo necessário que haja a efetiva prestação de serviço público, o que abrange a simples manutenção de serviços de utilidade pública, como é o caso da segurança pública.

O local de prestação de serviço é aquele em que a viatura estará parada ou estacionada, que no caso em discussão, será um passeio ou calçada.

As viaturas policiais utilizadas para o patrulhamento ostensivo são devidamente identificadas, o que, por si só, é suficiente para sinalizar que há a presença de uma viatura policial de forma que permita aos outros usuários da via enxergarem em tempo hábil que há um veículo prestador de serviço de utilidade pública, o que atende ao disposto no art. 4º, II, da Resolução CONTRAN n. 268/08.

Portanto, as viaturas policiais gozam de livre parada e estacionamento, independentemente de proibições ou restrições estabelecidas na legislação de trânsito9, devendo resguardar a segurança dos pedestres e usuários da via, de forma que não impeça a passagem com segurança de todos que transitam na via.

Nesse sentido, a Polícia Militar de Minas Gerais na Instrução n. 3.03.22/2017-CG que trata dos Procedimentos Básicos de Estacionamento e Posicionamento de Viaturas e de Guarnição Policial Militar assegura no item 5.1.10 que “Em caso de ações e operações policiais militares previamente programadas, ou, visando a garantia (preservação, manutenção e restabelecimento) da ordem pública e o interesse da coletividade, a Guarnição poderá posicionar a viatura em locais como passeios, praças, rotatórias, canteiros centrais, etc. Nestes casos a Guarnição deverá atentar para aspectos de segurança dos integrantes da GuPM, dos pedestres e demais usuários da via; preferencialmente não deverá obstruir totalmente as referidas áreas de circulação, mas quando necessário ou conveniente fazê-lo, deverá cuidar da adequada sinalização que a situação exigir, obedecendo-se o contido no art 29 do CTB e Resolução Nº 268/08 do DENATRAN.”

Por fim, eventual multa lavrada de viatura policial que se encontre sobre passeio ou calçada, em cumprimento à missão constitucional de preservação da ordem pública, é ilegal e caso não seja anulada pela própria administração, deve ser anulada pelo Poder Judiciário.

1 Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas: VIII - os veículos prestadores de serviços de utilidade pública, quando em atendimento na via, gozam de livre parada e estacionamento no local da prestação de serviço, desde que devidamente sinalizados, devendo estar identificados na forma estabelecida pelo CONTRAN;

2 Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas: VII - os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições: (...)

3 Processo n. 125416209

4 Art. 181. Estacionar o veículo: VIII - no passeio ou sobre faixa destinada a pedestre, sobre ciclovia ou ciclofaixa, bem como nas ilhas, refúgios, ao lado ou sobre canteiros centrais, divisores de pista de rolamento, marcas de canalização, gramados ou jardim público: Infração - grave; Penalidade – multa; Medida administrativa - remoção do veículo;

Art. 182. Parar o veículo: VI - no passeio ou sobre faixa destinada a pedestres, nas ilhas, refúgios, canteiros centrais e divisores de pista de rolamento e marcas de canalização: Infração - leve; Penalidade - multa;

5 Trecho extraído do Parecer n. 010/09 do CETRAN/GO, que citou o livro “Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro”, de Arnaldo Rizzardo.

6 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2018.

7 CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª edição. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 1006.

8 ALMEIDA SOBRINHO, José. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro: Artigo por artigo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013. 162 p. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br>. Acesso em: 10 out. 2019.

9Resolução CONTRAN n. 268/08 - Art. 4º Os veículos de que trata o artigo anterior gozarão de livre parada e estacionamento, independentemente de proibições ou restrições estabelecidas na legislação de trânsito ou através de sinalização regulamentar, quando se encontrarem: I - em efetiva operação no local de prestação dos serviços a que se destinarem; II - devidamente identificados pela energização ou acionamento do dispositivo luminoso e utilizando dispositivo de sinalização auxiliar que permita aos outros usuários da via enxergarem em tempo hábil o veículo prestador de serviço de utilidade pública. Parágrafo único. Fica proibido o acionamento ou energização do dispositivo luminoso durante o deslocamento do veículo, exceto nos casos previstos nos incisos III, V e VI do § 1º do artigo anterior.

Sobre o autor
Rodrigo Foureaux

Juiz de Direito - TJGO. Mestre em Direito. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz do TJAL. É Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Bacharel em Direito e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social. Especialista em Direito Público. Autor do livro "Justiça Militar: Aspectos Gerais e Controversos".

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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