A ilegalidade de provas de natação em concursos de polícia

10/10/2019 às 22:20

Resumo:


  • A exigência de natação em concursos públicos para cargos de Polícia Civil e Polícia Federal é ilegal, pois fere o princípio da isonomia entre os candidatos.

  • A prática da natação não é acessível a todos, sendo um esporte caro e restritivo, o que prejudica candidatos em situação financeira difícil que buscam ingressar nessas carreiras.

  • A persistência da prova de natação nos concursos públicos implica em privilegiar cidadãos com acesso a clubes de natação, desconsiderando a igualdade de direitos e a realidade socioeconômica dos candidatos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Esse texto tem o propósito de trazer uma reflexão acerca da ilegalidade das provas de natação no exame TAF em concursos de polícia.

Toda a injustiça não é, portanto, mais que uma ação arbitrária, isto é — um ataque contra a ideia do direito.[1]

Ihering

De antemão algumas pessoas podem ler esse título e argumentarem: “mas um policial precisa estar preparado, ele tem uma profissão difícil e é bom que ele saiba natação”

E da mesma forma pensamos nós, autores desse artigo: é bom que o policial saiba nadar, e explicaremos aqui de forma detalhada que não somos contra a natação, mas sim contra a exigência da mesma no exame do Teste de Aptidão Física (TAF).

A prova de natação em concursos públicos para os cargos de Polícia Civil e Polícia Federal é ilegal, pois fere o princípio da isonomia entre os candidatos ao cargo público, tendo em vista que nem todas as cidades possuem meios adequados à prática da natação, e isto por lógica básica, iria favorecer alguns candidatos e prejudicar outros. Sendo este, um raciocínio elementar.

A prova do Teste de Aptidão Física (TAF), deve sim, continuar com todos os seus requisitos: salto em distância, corrida, barra e flexões, pois essas modalidades podem ser praticadas por qualquer candidato em qualquer lugar, sendo, portanto, lógicas e legais.

Antes de falar em natação para o exercício da função policial se observa em termos gerais que: a esmagadora maioria dos policiais jamais esteve em missão na água, salvo unidades especializadas, e quando em ação, todos devidamente equipados com coletes salva-vidas.

Portanto, exigir natação no exame TAF, seria tão absurdo como exigir uma prova de habilidade em artes marciais, visto que, se a prerrogativa é o bom preparo do futuro policial, logo, as artes marciais seriam muito mais urgentes do que a natação, pois a chance que um policial tem de se envolver em um enfrentamento físico é alta. Quantos policiais já não perderam suas vidas, por não terem um treinamento marcial mínimo?

Porém, artes marciais e defesa pessoal, podem e são, de fato, ensinadas na academia de polícia, já depois do candidato empossado. Da mesma forma, a natação: pode ser ensinada e praticada já na academia de polícia, mas nunca nos exames do TAF.

A exigência da natação no exame TAF é um erro ad absurdum: fere a lógica e passa por cima do direito de igualdade dos candidatos. Nesse sentido, a prova de natação, depois do candidato ser aprovado em provas escritas concorridas, mostra-se como um verdadeiro imbróglio, devido à falta de isonomia.

A falta de Isonomia em um concurso público, é um erro gritante, e inadmissível em uma sociedade de direitos, devendo ser corrigido o mais rápido possível, pois se o Estado e Direito moderno entendem que deve haver cotas raciais e para pessoas portadoras de deficiência física, no sentido de não ferir a isonomia dos candidatos, então também essa ilegalidade da prova de natação no TAF deve ser retirada.

Os magistrados devem observar que tal colocação é justa e atende ao interesse público, visto que muitos candidatos preparados são lesados na prova de natação, e isso é um prejuízo grande para quem investiu tempo e dinheiro na preparação para um concurso.

Grande parte das cidades brasileiras indispõem de clubes de natação, ou sequer tem recursos naturais como rio ou mar em condições ideais para tal preparação.

Tomemos o seguinte exemplo:

José e João, ambos personagens fictícios, mas que representam uma realidade. José mora no interior da Bahia e João mora na capital Salvador.

Ora, a cidade de Salvador, quando comparada com o tamanho territorial de todo o Estado da Bahia, é pequena como pode se verificar em um mapa.

José e João, ambos inscritos em concursos de Polícia se preparam, em suas respectivas cidades, com uma rotina de estudos, gastam dinheiro com materiais preparatórios e treinam a parte física fazendo corrida, barras e flexões.

A diferença na preparação dos dois é a natação, que é importante e faz todo o diferencial. João, por morar em Salvador, tem acesso a clubes de natação e também a praia.

José, como tantos outros milhares de cidadãos, mora em uma cidade que não tem clubes de natação, ou sequer tem acesso a um rio ou ao mar para a prática da natação. (E já está naturalmente em desvantagem).

Pedro, que assim como José, mora em uma cidade do interior sem clubes de natação, tem acesso ao mar (com muitas ondas), para treinar a natação, mas mesmo assim, é notório que o treino ou a preparação no mar não é a mesma que aquela feita adequadamente em uma piscina. (Ele também está em desvantagem em face a João).

Nesse cenário também se encontra a figura de Jorge, concurseiro, que mora na capital, onde existem clubes de natação, mas ele se encontra, como os outros 10 milhões de brasileiros, desempregado, já gastou reservas de dinheiro para comprar um curso on line, parcelado em 10 vezes no cartão de crédito, e ainda junta dinheiro para as outras despesas da viagem, não dispondo de recursos para fazer aulas de natação, pois a natação é um esporte caro. Jorge cogita que, apenas nadando um pouco, já está bom, sem contudo, reconhecer a dificuldade do teste.

José, Pedro e Jorge, estão em desvantagem na preparação para as provas do TAF, mas mesmo assim insistem em gastar tempo e dinheiro na preparação desse concurso.

Na prova escrita, José, João, Pedro e Jorge conseguiram a tão sonhada aprovação, vencendo uma concorrência de mais de 40 candidatos por vaga. Igualmente na prova do TAF, foram todos aprovados em corrida, barra, flexões, abdominais e salto em distância.

Na prova de natação José, Pedro e Jorge foram desclassificados, pois nadavam com dificuldade e não conseguiram bater o tempo exigido em cronometro.

Nesse caso, os candidatos se sentiram profundamente decepcionados, guardavam uma tristeza silenciosa de quem “nadou, nadou e morreu na praia”. Havendo em suas consciências, a certeza que o problema era apenas deles, sem contudo cogitar que o próprio Estado estava lesando as pessoas.

Pedro, como tantos outros, que se sentem lesados, recorreu à Justiça para contestar sua reprovação por conta de 3 segundos, mas essa seria uma luta longa e desgastante, que de fato não deveria haver, se todos eles tivessem a consciência de que a prova de natação no TAF é uma flagrante ilegalidade.

O processo movido por Pedro, como outros tantos semelhantes, são exemplos de como a justiça fica sobrecarregada por conta de algo que não deveria existir.

NATAÇÃO É UM ESPORTE É UM ESPORTE ACESSIVEL A TODOS?

Não. A natação é um esporte praticado por pessoas que dispõem de clubes de natação em suas cidades, e que podem pagar por esse privilégio. Uma pesquisa básica na internet sobre custos com aulas de natação mostra valores completamente inacessíveis com a realidade do brasileiro trabalhador.

E a realidade de 99% das pessoas que prestam concursos de polícia é a mesma: pessoas em situação de desemprego ou subemprego, que investem suas reservas de dinheiro para tais concursos, seja como sonho profissional ou como melhoria das condições financeiras.

No Estado da Bahia, que tem um tamanho territorial semelhante ao da França, o salário de um policial civil em início de carreira não chega aos 4.000 R$ no ano de 2019, logo, compreende-se por lógica, que ninguém que ganhe salários superiores a esse valor, vá prestar um concurso desse com intuito de regredir salarialmente.

A lógica aponta que: quem faz um concurso de polícia, que paga menos de 4.000 R$, está em situação financeira difícil, passando por desemprego ou subemprego.

Portanto, quando se faz o cálculo sobre o valor do salário mínimo (998 R$ em 2019), e os valores das aulas de natação, observa-se claramente que a natação não é um esporte acessível a todos, que é sim um esporte caro e restritivo.

O que dizer de aulas de natação, 1 vez por semana, (4 vezes no mês) que custam (no barato) mais de 120 R$ por mês?  E o que dizer, quando esse valor é para sócios de clubes?

A preparação 1 vez por semana é suficiente para quem está se preparando para um concurso de polícia? Obvio que não, e portanto um preparação com no mínimo de 2 aulas por semana (8 no mês), vão sair por mais de 200 R$, ressaltando mais uma vez que são preços módicos, pois existem clubes de natação que o treino 1 vez por semana para não sócios passa de 200 R$.

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São valores que vão de 10% a 20% (arredondado) do salário mínimo, e isso, sim, é um fator limitante para a pratica de tal esporte. Ressaltando que aqueles que podem pagar um personal trainer, chegam a pagar 50 a 100 R$ por hora aula. E são esses, que podem investir mais algum dinheiro, que tem mais vantagens em sua preparação.

A cobrança da natação em provas de TAF não é só ilegal, é imoral em um país que luta para se modernizar e combater desigualdades.

Para ficar claro o absurdo, observa-se seguinte representação:

Suponha que um concurso de polícia exija aos seus candidatos uma prova de artes marciais no TAF, uma prova em habilidades de jiu jitsu, por exemplo.

Seria um absurdo sem precedentes, pois, nem todas as cidades tem academia de jiu jitsu, e os que praticam esse esporte há mais tempo estariam em notória vantagem.

Além disso, os custos com o jiu jitsu também são altos por conta dos kimonos e preço das aulas.

E por isso mesmo, as artes marciais e a defesa pessoal ficam dentro da academia de polícia e não na preparação do TAF, pois se a mesma fosse exigida no TAF, isso se configuraria em um flagrante absurdo.

Como o Estado pode cobrar natação de José que mora no interior, numa cidade sem clube de natação e sem mar, um desempenho igual ou melhor que o de João que mora em uma cidade à beira mar e com clubes de natação?

José, pelo direito, é tão cidadão quanto João, mas a exigência que o Estado lhe faz é notoriamente ilegal e prejudicial ao interesse de milhares de candidatos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos nos diz que somos iguais em direitos:

“Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”

E a Constituição Federal também aponta o direito à igualdade:

Artigo 50 (caput) - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”

Sendo necessário ressaltar o seguinte agravante: Grande parte dos concurseiros é formada de pessoas que estão em situação financeira difícil. Muitos deles juntam dinheiro para comprar cursinhos, apostilas, fazer a viagem para a prova, que em via de regra é nas capitais, somando-se a isso, despesas de hospedagem, alimentação e deslocamento.

Aqui, o fator financeiro não é um detalhe, mas uma realidade, visto que boa parte dos inscritos, às vésperas da prova, não tem dinheiro para custear suas despesas com a viagem e simplesmente desistem do concurso.

Nesse caso, como é que José, que mora no interior vai ter condição de pagar um clube de natação, se na sua cidade o mesmo é inexistente? Não seria isso uma maneira visível de excluir José do concurso?

Quando temos um cenário de mais de 10 milhões de desempregados em âmbito Nacional e brasileiros passando situações difíceis, é visível que aqueles que podem ter acesso e custear aulas em clubes de natação são uma parcela diminuta e mais privilegiada da sociedade, aumentado assim a disparidade entre candidatos.

Ora, se as provas de natação persistirem em concursos públicos para as carreiras policiais, isso implica em dizer, por lógica elementar, que alguns cidadãos têm mais direitos que outros e que o Estado privilegia cidadãos que tem acesso a clubes de natação em detrimento daqueles que não tem esse mesmo acesso.

Portanto, diante do exposto, o presente artigo busca provocar a justiça sobre o tema exposto, visando a retirada das provas de natação no exame do TAF para concursos da Polícia Civil e Federal no território nacional.


[1] R. von Ihering. A Luta pelo Direito, p 30

Sobre o autor
Cristiano costa Magalhães

Graduado em Letras Português-Inglês pela UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz), professor de inglês e revisor de textos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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