A multa atrelada ao agravo interno protelatório como instrumento de efetivação da duração razoável do processo.

Função, razoabilidade e proporcionalidade.

14/10/2019 às 15:27
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O agravo interno, outrora conhecido como agravo regimental, foi regulado no Novo Código de Processo Civil, sendo cabível para impugnar decisões monocráticas do relator do recurso, constituindo um importante instrumento, mas cujo exercício exige cautela.

Introdução

A essa altura, contando já mais de três anos, o novo Código de Processo Civil não é mais tão novidade assim. Muito já se discutiu sobre ele nesse período de transição, e já sabemos que muita coisa mudou. É claro que ainda está longe de termos uma visão exata da nova lei processual, de encontramos todas as respostas para pergunta que ainda nem foram feitas. Muito estudo se faz necessário sobre ele, bem como demanda uma adaptação maior dos operadores do direito.

De toda sorte, o novo CPC está aí, e já podemos tirar algumas observações. Assim é que uma das inovações do Código de Processo Civil de 2015 foi a positivação, na lei processual maior, do recurso denominado Agravo Interno, inexistente no Código revogado e que passa a ter regulamentação específica, que prevê a imposição de multa pelo seu uso meramente protelatório. E porque importante ao processo em geral, a aplicação da referida multa será o assunto deste pequeno ensaio que nos propusemos a realizar.

1. Do agravo interno.

1.1. Conceito.

Agravo interno – que num passado não tão longínquo já foi conhecido também como agravo regimental – é o nome do recurso próprio para impugnar decisões monocráticas proferidas pelo relator de um recurso no tribunal. Em obra anterior, destacamos que “o agravo regimental (ou interno) é espécie de agravo própria para impugnar decisões monocráticas proferidas no tribunal[1]. A função precípua desse recurso é levar o conhecimento da matéria decidida monocraticamente para o órgão colegiado. Nesse sentido, afirma Elpídio Donizetti:

Trata-se de previsão que tem como objetivo permitir à parte que prejudicada impugnar decisão interna do juízo de um Tribunal. No caso de o relator pertencente a um órgão colegiado proferir uma decisão monocrática, e sendo esta impugnada mediante agravo interno, a sua decisão monocrática será revisada pelo próprio órgão colegiado ao qual pertence[2].

É interno, porque é um recurso que se processa de forma restrita no âmbito de um tribunal, ou seja, o recurso, contra a decisão do relator, será julgado pelo órgão colegiado do mesmo tribunal.

1.2. Decisão Monocrática.

Entende-se por monocrática a decisão proferida por apenas um julgador (mono = um). Ela se contrapõe à decisão colegiada, que é aquela proferida por uma turma de julgadores.

O normal, em um recurso qualquer (apelação, agravo de instrumento, ordinário, extraordinário ou especial) é que ele seja julgado pelo órgão colegiado onde, pressupõe-se, os desembargadores ou Ministros poderão debater entre si as questões de fato ou de direito suscitadas pelo recorrente. Mas situações ocorrem em que o relator está autorizado a decidir o recurso sozinho, em decisão monocrática. Tais situações estão previstas no Código de Processo Civil, no art. 932, incisos III, IV e V. São elas:

a) Inciso III: Não conhecer recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida: Dentre as atribuições do relator, está a de realizar o juízo de admissibilidade do recurso. Assim, ele não admitirá o recurso, em decisão monocrática, quando não estiverem presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, sejam eles intrínsecos ou extrínsecos.

b) Inciso IV: Negar provimento a recurso contrário a: a) súmulas dos tribunais superiores ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido no julgamento de recursos repetitivos, e; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência: Negar provimento significa julgar o mérito do recurso. Quando o fundamento do recurso se baseia em matéria que é contrária à jurisprudência sumulada dos tribunais superiores ou de tese firmada no julgamento de casos repetitivos, o relator deverá negar-lhe provimento, em decisão monocrática.  

c) Inciso V: Dar provimento a recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmulas dos tribunais superiores ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido no julgamento de recursos repetitivos, e; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência: Dar provimento ao recurso também implica no julgamento do mérito do recuso. Caso a decisão recorrida esteja em desacordo com a jurisprudência sumulada dos tribunais superiores ou com tese firmada no julgamento de casos repetitivos, o relator poderá dar provimento ao recurso, em decisão monocrática.

A decisão monocrática, que é uma exceção ao postulado da colegialidade, enseja recurso, em atenção ao princípio do duplo grau de jurisdição.

1.3. O agravo interno antes do CPC/2015.

O agravo interno não é uma novidade decorrente do CPC/2015. Ele já existia anteriormente, embora não houvesse previsão expressa no CPC/1973: ele tinha previsão, com o simples nome de agravo, nos regimentos internos dos tribunais. O CPC/1973 apenas fazia referência e ele, de passagem, nos arts. 532, 545 e 557.

Por ter previsão no regimento interno, também era conhecido como agravo regimental. E, em geral, seu prazo era de 05 (cinco) dias.

1.4. O agravo interno no CPC/2015.

Embora o agravo regimental fosse amplamente utilizado pelos operadores do direito, havia uma lacuna na lei processual, fazendo com ele carecesse de uniformidade, eis tal recurso estava sujeito à previsão de cada regimento interno de cada tribunal do País. Por conta disso, ao redigir o texto do novo Código de Processo Civil, o legislador aproveitou a boa oportunidade de regulá-lo. Assim, fez inserir no Livro III, Título II – Dos recursos, o capítulo IV para tratar do agravo interno. A sua previsão legal está no caput do art. 1.021, que dispõe que “contra decisão do relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao procedimento, as regras do regimento interno do tribunal”.

Com isso, passamos a ter disposição expressa, na nossa mais importante legislação processual, do agravo interno, garantindo, assim, a necessária previsão legal e suprindo a uniformidade faltante. Elpídio Donizetti esclarece que “o novo CPC mantém a competência dos órgãos julgadores no que tange ao processamento, mas unifica as hipóteses de cabimento dessa espécie recursal, esboçando seus contornos essenciais para uma adequação constitucional[3].

A maior novidade é que o texto legal deixa claro e especificado que não é qualquer decisão monocrática que pode ser alvo do agravo interno, mas apenas decisão proferida pelo relator de um recurso. Além disso, tal recurso passa a contar com um nome apropriado e definitivo – agravo interno – até então inexistente, fazendo desaparecer do mundo jurídico processual o chamado agravo regimental, nomenclatura que não deve mais ser utilizada para designá-lo. Por fim, é importante observar que o prazo desse recurso foi fixado em 15 dias úteis, por força do disposto no art. 1.003, § 5º, do Código de Processo Civil.

1.5. Do processamento do agravo interno.

Embora o caput do art. 1.021 do CPC relegue o processamento do agravo interno para o Regimento Interno dos Tribunais, é possível estabelecer uma teoria geral do seu processamento, sintetizada nos seguintes itens:

a) O agravo interno deve ser interposto por petição escrita (CPC, art. 1.021, § 1º). O prazo é de 15 dias úteis (CPC, art. 1.003, § 5º), sendo que o Ministério Público (cf. CPC, art. 180), a Defensoria Pública (cf. CPC, art. 186) e os Advogados Públicos (cf. CPC, art. 183) terão prazo em dobro (STJ, súmula 116[4]).

b) Nas razões do agravo, o agravante deverá formalizar impugnação específica contra os fundamentos da decisão monocrática agravada (CPC, art. 1.021, § 1º), sob pena de não conhecimento do recurso (STJ, súmula 182[5]).

c) A petição deve ser endereçada ao relator que proferiu a decisão monocrática atacada, que determinará a intimação do agravado para responder ao agravo no prazo de 15 dias, sendo que o relator, ao depois, poderá retratar-se e voltar atrás em sua decisão. Se não o fizer, deverá enviar o recurso ao colegiado, para julgamento (CPC, art. 1.021, § 2º).

2. Da previsão de multa para o agravo interno e o princípio da duração razoável do processo.

2.1. O princípio da duração razoável do processo.

2.1.1. A duração razoável como princípio constitucional.

Como um sistema constitucionalista, o nosso ordenamento tem na Constituição Federal sua lei maior e, sendo assim, ela vai influenciar o direito processual, tal como faz com os outros ramos do direito. A nossa Constituição Federal de 1988 tem como principal característica ser principiológica, ou seja, ela estabelece princípios, mais do que normas. Os princípios são importantes, porque são eles que dão valor à norma jurídica, constituindo as verdadeiras vigas mestras do sistema jurídico. E, nesse diapasão, a nossa Carta Política estabelece também os princípios referentes ao direito processual, dentre os quais destacamos o principio da duração razoável do processo.

Não presente no texto original da Constituição de 1988, tal princípio foi a ela incorporado no ano de 2004, por força da Emenda Constitucional n. 45, que acrescentou o inciso LXVIII ao art. 5º, com a seguinte redação: “A todos, no âmbito judicial ou administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação”.

Mas, conquanto louvável a intenção do legislador reformista, sempre tivemos a sensação de que principal problema que atinge esse princípio está no fato de que razoável é um conceito indeterminado e subjetivo. Indeterminado, porque a CF não cuidou de esclarecer nem de definir o que é razoável, nem qual o lapso temporal que se afigure como razoável, e subjetivo, porque varia de pessoa para pessoa, sendo que o que é razoável para alguém pode não o ser para outrem[6].

Além disso, própria natureza da causa e sua complexidade também colaboram para dificultar a definição do que seria razoável. Sobre essa questão, Humberto Theodoro Jr. salienta que

não há, nem poderia haver, na lei, uma predeterminação do tempo qualificado como razoável para a conclusão do processo. O que não se pode tolerar é a procrastinação injustificável decorrente de pouca ou total ineficiência dos serviços judiciários, de modo que a garantia de duração razoável se traduz na marcha do processo sem delongas inexplicáveis e intoleráveis[7].

Por conta disso, Nelson Nery Jr. propõe que a razoável duração do processo seja aferível por meio de critérios objetivos, “já que não se afigura possível o tratamento dogmático apriorístico da matéria”[8]. Tais critérios, segundo aquele doutrinador, seriam: a) a natureza do processo e complexidade da causa; b) o comportamento das partes e seus procuradores; c) a atividade e o comportamento das autoridades judiciárias e administrativas competentes; e, 4) a fixação legal de prazos para a prática de atos processuais que assegure o direito ao contraditório e ampla defesa.[9]

De toda sorte, a Constituição traçou o caminho para um processo mais célere, que é, em última análise, o desejo de todos os operadores do direito.

2.1.2. A duração razoável como princípio específico do processo civil.

Escorado nos princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988, veio a lume, em 2015, o novo Código de Processo Civil (em vigor desde março de 2016). Dentre eles, o princípio da duração razoável do processo, como vimos acima, que foi replicado no art. 4º da novel Lei Processual, estabelecendo que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

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De fato, esse princípio estampado no art. 4º do CPC vai exercer uma influência direta em todo o Código, construído que foi de modo a alcançar a celeridade almejada, evitando posturas meramente protelatórias. Em outra obra, comentando esse art. 4º, ousamos afirmar que “esse princípio vai definir mudanças importantes no processo civil, como se verá ao longo do novo CPC, tais como a eliminação do efeito suspensivo, como regra, nos recursos (art. 995) e incidentes processuais (art. 919, referente aos embargos à execução); a extinção de alguns recursos (embargos infringentes, agravo retido) e incidentes (a eliminação da ação declaratória incidental e da exceção de incompetência); o fim da cautelar como processo autônomo (ela passa a ser um incidente do próprio processo ‘principal’), entre outros, como busca por maior celeridade processual”[10]. Acrescentamos a esse rol, agora e também, as multas estabelecidas para sancionar recursos protelatórios, como ocorre com o agravo interno, que é o objeto do presente estudo.

2.2. A multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC.

Ao prever, no art. 1.021, o agravo interno entre os recursos possíveis no CPC, o legislador cominou uma multa no § 4º daquele artigo para o seu uso indevido, assim considerado quando o agravo for considerado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime. A multa a ser aplicada nesses casos varia entre 1% e 5% do valor da causa atualizado.

2.2.1. Requisitos legais para a imposição da multa.

Necessário observar que o próprio texto legal já estabelece os requisitos para a aplicação da multa, o que nos parece, então, que se trata de questão taxativa, não abrindo brecha para ampliações. De acordo com o que dispõe aquele § 4º, a multa é de ser aplicada quando o agravo “for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime”. São dois requisitos que devem estar presentes concomitantemente.

2.2.1.1. Manifestamente inadmissível ou improcedente.

Aqui o primeiro requisito autorizador da aplicação da multa. O agravo deve ser considerado manifestamente inadmissível ou manifestamente improcedente para que a multa possa ser aplicada. Não basta que seja apenas inadmissível ou improcedente, mas sim que seja manifestamente inadmissível ou improcedente. E aqui é preciso fazer o alerta de que o adjetivo “manifestamente” aplica-se não apenas à inadmissibilidade, mas também à improcedência do agravo. Comentando isso anteriormente, pudemos advertir que

é preciso atenção, todavia, porque a leitura desatenta desse dispositivo legal pode conduzir à interpretação errônea de que basta a simples improcedência do agravo para aplicar-se a multa. Mas não é assim. O adjetivo ‘manifestamente’ refere-se tanto à inadmissibilidade quanto à improcedência. Destarte, apenas ao agravo manifestamente improcedente deve ser aplicada a multa. O simples improvimento do agravo, por razões normais de decisão, que não revelem ser ele manifestamente improcedente, não gera a multa[11].      

Corroborando esse nosso entendimento, temos o Enunciado 358 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 1.021, § 4º) A aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, exige manifesta inadmissibilidade ou manifesta improcedência” e o Enunciado 74, das Jornadas de Processo Civil: “O termo ‘manifestamente’ previsto no § 4º do art. 1.021 do CPC se refere tanto à improcedência quanto à inadmissibilidade do agravo”[12].

Destarte, somente quando o tribunal declarar, fundamentadamente, que o agravo interno é manifestamente inadmissível ou manifestamente improcedente, é que se abre caminho para a aplicação da multa. Mas não é só.

2.2.1.2. Em votação unânime.

O segundo requisito exigido pela lei para a aplicação da multa – e que deve coexistir com o primeiro – é que o acórdão seja unânime. Somente quando todos os julgadores votarem no mesmo sentido, pela manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso, é que se poderá aplicar a multa. Caso o julgamento de dê por maioria de votos, ou seja, quando houver votos discordantes e vencidos, mesmo que se considere o recurso manifestamente inadmissível ou improcedente, não se poderá aplicar a multa ao recorrente. Nesse sentido, o Enunciado 359, do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 1.021, § 4º) A aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, exige que a manifesta inadmissibilidade seja declarada por unanimidade”[13].

2.2.2. Natureza jurídica da multa.

A multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC tem, nitidamente, dois aspectos: um preventivo e outro repressivo. Num primeiro momento, ela assume um caráter de prevenção: ela serve para alertar a parte sobre a consequência de lançar mão de um recurso manifestamente inadmissível ou improcedente, de forma a evitar a sua ocorrência. Assim, sabendo que poderá ser multada, a parte pensará duas vezes antes de sacar tal recurso, desestimulando a tanto. Já num segundo momento, ela apresenta o caráter de repressão contra o recurso interposto quando manifestamente inadmissível ou improcedente, servindo para mostrar à sociedade que não se vai tolerar a mera protelação do feito. 

Indubitavelmente, a referida multa tem escora no princípio da duração razoável do processo, pois serve para balizar o comportamento das partes contra a indesejável procrastinação do processo por meio de expedientes pouco recomendáveis, como ocorre com os recursos manifestamente infundados. Evitando-se expedientes protelatórios, estar-se-á contribuindo para a solução da lide em menor tempo.    

2.2.3. Valor da multa: razoabilidade.

Para fixar o valor da multa, o legislador foi coerente: adotou um parâmetro variável entre 1% e 5% do valor da causa atualizado, deixando ao alvitre do julgador, diante das peculiaridades do caso concreto, estabelecer o percentual aplicável. É que há casos em que 1% será muito pouco, não representando o desestímulo pretendido, e outros em que 5% será muito alto, e a multa terá natureza de confisco, que não é o seu objetivo.

Dentro daquela variante, o julgador terá flexibilidade para aplicar a multa com razoabilidade, em face das contingências específicas da causa em questão, atendendo ao seu fim precípuo. 

2.2.4. Valor da multa: proporcionalidade e possibilidade de alteração do valor imposto por meio de embargos de declaração – o ARE 895868-RJ do STF.

Sobre a questão da fixação da multa, tem-se por fundamental a decisão proferida no acórdão proferido no ARE 895868-RJ do STF, que estabeleceu outro critério: ao lado da razoabilidade, a fixação do valor da multa deve atender ao critério da proporcionalidade. Isso é aferível pela análise do caso concreto. Como a lei adota um critério variável para a fixação da multa – entre 1% e 5% do valor da causa atualizado – o julgador, ao aplicá-la, deve levar em consideração as peculiaridades do caso submetido a julgamento, em especial do proveito econômico que dele pode resultar. Destarte, o percentual aplicado para fixar o valor da multa deve ser proporcional com a gravidade do ato, bem como com realidade econômica resultante do processo. A multa não pode, por isso mesmo, sobrepujar eventual vantagem econômica que a parte obtém com o processo, sob pena de se tornar desproporcional.

Imagine-se uma ação de indenização por danos materiais e morais em que é atribuído o valor da causa em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), e que é julgada parcialmente procedente para condenar o réu no pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). O autor recorre da decisão, seu recurso não é admitido pelo relator em decisão monocrática, ele então interpõe o agravo interno que é declarado por unanimidade manifestamente inadmissível, aplicando-lhe a multa de 5% sobre o valor da causa. Nesse caso hipotético, a multa atingiria o patamar de R$ 50.000,00, ou seja, equivalente ao proveito econômico resultante do processo, com flagrante caráter confiscatório.

Parece absurdo imaginar que, o que a parte recebesse de indenização no processo, seria utilizado para pagar uma multa processual, mas era exatamente isso que estava acontecendo no acórdão do STF acima mencionado: o valor da multa aplicada, em percentual de 5% sobre o valor da causa, era superior ao valor da própria condenação. Em face dessa circunstância, a parte valeu-se dos embargos de declaração para tentar revertê-la, diminuindo o valor da multa.

Embora se saiba que os declaratórios não têm como função modificar o julgado – mas apenas integrá-lo – é possível atribuir a eles efeito modificativo ocasional (TST, súmula 278[14]). E surtiu resultado, na medida em que o STF acabou por acolher os embargos de declaração, ali, para o fim de modificar o percentual da multa, baixando-o de 5% para 1% sobre o valor da causa, eliminando a desproporcionalidade existente no acórdão embargado.

No fundamento do acórdão em comento o relator, Min. Edson Fachin, albergando tudo que aqui escrevemos, cuidou de esclarecer: “à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, entendo que a diminuição do valor da multa para o percentual de 1% é medida que se impõe, como requerido pelo embargante”[15]. E prosseguiu: “Ressalto que esta concepção em nada contrasta com a norma instituída pelo art. 1.021, § 4º, do CPC, uma vez que a fixação da sanção em seu patamar mínimo atinge, no presente caso, de forma plena, o objetivo de resguardar a razoável duração do processo, tendo em conta a manutenção do caráter repressivo e preventivo do dispositivo legal, considerados o valor atualizado da causa e da condenação principal”[16].

Conclusão.

O agravo interno foi definitivamente regulamentado pelo CPC/2015, abandonando-se, de vez, a terminologia de agravo regimental. A sua função é atacar decisão monocrática do relator do recurso, levando-a à apreciação do órgão colegiado.

Ao final desse singelo ensaio, da análise dos dispositivos legais aplicáveis á espécie, bem como do acórdão proferido no ARE 895.868-RJ, do STF, podemos tirar algumas importantes conclusões:

a) A multa prevista no art. 1.021, § 4º do CPC tem caráter duplo de prevenção e repressão, tendo como supedâneo o princípio da duração razoável do processo;

b) Na fixação da multa, que se dá no percentual entre 1% e 5% do valor da causa atualizado, o julgador deve levar em consideração os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, sempre em face das peculiaridades do caso concreto. 

c) Os embargos de declaração constituem instrumento hábil e cabível para discutir e modificar o valor da multa imposta quando não observados os postulados mencionados no item 2 acima.

 

 

 

 

Bibliografia.

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2016, 19ª edição.

NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2010, 10ª edição.

SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de. Código de Processo Civil anotado e interpretado conforme a doutrina e a jurisprudência. São Paulo: Rideel, 2018.

_____. Manual de direito processual civil. São Paulo: Rideel, 2018, 2ª edição.

_____. Novo CPC comentado artigo por artigo. São Paulo: Rideel, 2017, 2ª edição.

_____. Comentários à Lei do Mandado de Segurança. São Paulo: Rideel, 2015.

 


[1] Fernando Augusto De Vita Borges de Sales, Comentários à Lei do Mandado de Segurança, p. 83.

[2] Curso didático de direito processual civil, p. 1495.

[3] Curso didático de direito processual civil, p. 1495.

[4] STJ, súmula 116. A Fazenda Pública e o Ministério Público têm o prazo em dobro para interpor o agravo regimental no Superior Tribunal de Justiça.

[5] STJ, súmula 182. É inviável o agravo do artigo 545 do Código de Processo Civil* que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada. (*refere-se ao CPC/1973, com equivalência no art. 1.021 do CPC/2015).

[6] Cf. Fernando Augusto De Vita Borges de Sales, Manual de direito processual civil, 2ª edição, pp. 19-20.

[7] Curso de direito processual civil, vol. 1, 58ª edição, pp. 65-66.

[8] Princípios do processo na Constituição Federal, 10ª edição, p. 320.

[9] Obra e página citadas.

[10] Fernando Augusto De Vita Borges de Sales, Novo CPC comentado artigo por artigo, 2ª edição, p. 26.

[11] Fernando Augusto De Vita Borges de Sales, Novo CPC comentado artigo por artigo, 2ª edição, p. 702.

[12] Cf. Fernando Augusto De Vita Borges de Sales, Código de Processo Civil anotado e interpretado conforme a doutrina e a jurisprudência, p. 725.

[13] Cf. Fernando Augusto De Vita Borges de Sales, Código de Processo Civil anotado e interpretado conforme a doutrina e a jurisprudência, p. 725.

[14] TST, súmula 278. A natureza da omissão suprida pelo julgamento de embargos declaratórios pode ocasionar efeito modificativo no julgado.

[15] STF, ARE 895.868-RJ, Rel. Min. Edson Fachin.

[16] STF, ARE 895.868-RJ, Rel. Min. Edson Fachin.

Sobre o autor
Fernando Augusto Sales

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem. Autor dos livros: Direito do Trabalho de A a Z, pela Editora Saraiva; Súmulas do TST comentadas, pela Editora LTr; Manual de Processo do trabalho; Novo CPC Comentado; Manual de Direito Processual Civil; Estudo comparativo do CPC de 1973 com o CPC de 2015; Comentários à Lei do Mandado de Segurança e Ética para concursos e OAB, pela Editora Rideel; Direito Ambiental Empresarial; Direito Empresarial Contemporâneo e Súmulas do STJ em Matéria Processual Civil Comentadas em Face do Novo CPC, pela editora Rumo Legal; Código Civil comentado [em 3 vols], Manual de Direito do Consumidor, Direitos da pessoa com câncer, Direito Digital e as relações privadas na internet, Manual da LGPD, Manual de Prática Processual Civil; Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade Limitada nas Relações de Consumo, Juizados Especiais Cíveis: comentários à legislação; Manual de Prática Processual Trabalhista e Nova Lei de Falência e Recuperação, pela editora JH Mizuno.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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