A contratação de serviços de natureza contínua por prazo inicial superior a 12 (doze) meses.

17/10/2019 às 20:30
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Comentários sobre a possibilidade de celebração de contratos administrativos cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza continuada por prazo inicial superior a 12 meses.Análise dos requisitos.

O tema da vigência dos contratos administrativos frequentemente desperta discussões acaloradas, principalmente porque das conclusões alcançadas pelo aplicador da norma podem advir consequências jurídicas e operacionais relevantes. O intuito deste breve estudo é, em linhas gerais, apenas apresentar e promover a reflexão sobre a fixação de um prazo contratual inicial superior a 12 (doze) meses nos casos de serviços a serem executados de forma contínua.

            Em primeiro lugar, é necessário registrar que na prática nem sempre a distinção entre fornecimento e serviço é algo evidente, imune a discussões. Uma boa parte da doutrina e dos órgãos de controle se vale dos critérios fixados no Código Civil Brasileiro para diferenciar uma obrigação de dar daquela de fazer, o que não tem sido, em muitos casos, suficiente para pôr fim à celeuma.

Basta pensar, por exemplo, no caso do serviço de fornecimento de refeições, fornecimento de tíquete alimentação, fornecimento de software, dentre outros. Repare que em alguns casos a classificação utilizada pela administração contratante não será exatamente igual àquela praticada pelo fisco e isso pode acarretar sérios problemas relacionados ao pagamento e eventuais retenções tributárias sobre o valor das notas fiscais emitidas pelo contratado.

Outro ponto que merece atenção diz respeito a algo que se tornou cada vez mais comum na administração: a conversão de um fornecimento em uma prestação de serviço. O exemplo clássico é o fornecimento de combustível, que pode ser transformado em serviço de gerenciamento de abastecimento, desde que o órgão ou entidade administrativa consiga demonstrar o benefício em se contratar a gestão e não o combustível diretamente dos postos distribuidores.

Em muitos casos, esses debates envolvendo a distinção entre fornecimento e serviço ou mesmo a alteração do modelo de contratação buscando o enquadramento do objeto na definição de serviço tem como propósito oferecer à administração a oportunidade de celebrar um contrato que poderá ser renovado por um período máximo de 60 (sessenta) meses.

De acordo com a previsão constante do art. 57 da Lei n.º 8.666/1993, a duração dos contratos administrativos deve ser limitada à vigência dos respectivos créditos orçamentários, ou seja, o prazo máximo de manutenção do vínculo contratual entre a administração e o parceiro privado não poderia ultrapassar o término do exercício financeiro.

A norma, entretanto, apresenta algumas hipóteses nas quais a vigência do contrato não estará incluída na regra geral. Dentre elas, a que nos interessa, neste estudo, é aquela relativa à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, conforme estabelece o inciso II do art. 57 do diploma legal.

Neste ponto, cabe ressaltar que a jurisprudência do Tribunal de Contas da União indica a essencialidade como um dos requisitos para enquadramento do serviço no conceito de natureza continuada. Sendo assim, sob uma perspectiva mais pragmática, um mesmo tipo de serviço pode ser considerado contínuo para um órgão e não sê-lo para outro. É o que ocorre, por exemplo, com o serviço de agenciamento de viagens, que para certos órgãos é essencial e para outros não.

A distinção é relevante, sobretudo porque ao ser classificado como de natureza continuada, a administração passa a ter fundamento jurídico para prorrogar o contrato nos termos do dispositivo legal supramencionado. Sobre os pressupostos para caracterização do serviço de natureza contínua, o TCU se manifesta nos seguintes termos:

A definição como serviço de caráter contínuo deverá ser efetivada a partir da análise de cada caso concreto e de acordo com características e necessidades da instituição contratante. Acórdão 4614-2008 – Segunda Câmara

 

O caráter contínuo de um serviço (art. 57, inciso II, da Lei 8.666/1993) é determinado por sua essencialidade para assegurar a integridade do patrimônio público de forma rotineira e permanente ou para manter o funcionamento das atividades finalísticas do ente administrativo, de modo que sua interrupção possa comprometer a prestação de um serviço público ou o cumprimento da missão institucional. Acórdão 10138-2017 – Segunda Câmara

 

Pois bem, diante desse contexto legal, o gestor público tradicionalmente celebra os contratos classificados como continuados pelo prazo inicial de 12 (doze) meses, promovendo as prorrogações subsequentes pelo mesmo período inicial, até culminar no prazo máximo definido na lei, sendo que para além dele ainda há uma possibilidade excepcional de prorrogação por mais um período, perfazendo, no total, 72 (setenta e dois) meses de vigência contratual, conforme regra estabelecida no art. 57, § 4º, do Estatuto Federal.

Ocorre, porém, que apesar da redação legal não prever expressamente a possiblidade de o prazo inicial do contrato ser fixado em patamar superior a 12 (doze) meses, é juridicamente defensável a tese segundo a qual a administração pública pode fixar um período de vigência inicial diverso do tradicionalmente adotado, inclusive definindo o prazo de vigência originário direto por 60 (sessenta) meses.

Por meio da Orientação Normativa n.º 38, a Advocacia-Geral da União admite que a vigência inicial do contrato seja, excepcionalmente, fixada em um período diverso do tradicionalmente utilizado pelos gestores públicos, condicionando tal hipótese à demonstração técnica do benefício à administração, para quem a peculiaridade e/ou complexidade do objeto justificasse tal medida.

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Como visto, em regra, os contratos cujos objetos sejam constituídos por serviços de natureza contínua devem ser firmados pelo prazo inicial de 12 (doze) meses, com a possibilidade de repetidas renovações até o período máximo admitido em lei. No entanto, a administração pode realizar um estudo nos seus contratos e definir, a partir dos resultados obtidos em tais análises, que o prazo inicial seja superior aos tradicionais 12 (doze) meses.

Um dos elementos que podem ser usados como fundamento para a adoção de prazo contratual mais extenso é a experiência pretérita do órgão contratante, que indique ser a medida mais apropriada, considerando que há um histórico de prorrogações contratuais até o limite máximo permitido, ou seja, constata-se que grande parte dos contratos do órgão ou entidade atingem o limite de 60 (sessenta) meses, indicando que, na prática, os contratos tendem a vigorar por tal período.

Além da avaliação do histórico contratual do órgão ou entidade, a administração também precisa realizar um estudo sobre o eventual proveito econômico decorrente de uma contratação por prazo mais longo. É que para o mercado essa variável pode ter um impacto direto no preço ofertado, pois haverá uma maior segurança jurídica em relação ato tempo de duração do contrato, o que pode provocar uma redução no preço.

Dentre as justificativas para adoção de um prazo de vigência contratual mais extenso, também pode ser citada a redução do custo administrativo correspondente à instrução dos processos de prorrogação contratual. Observe que no caso de um contrato assinado para vigorar por 12 (doze) meses, a administração teria que efetuar 4 (quatro) instruções de renovação (prorrogação) até atingir o limite de 60 (sessenta) meses. Já se o contrato fosse celebrado, por exemplo, por 30 (trinta) meses, haveria a necessidade de se promover apenas 1 (uma) prorrogação.

De mais a mais, quanto maior for a quantidade de prorrogações, maior será o risco de uma empresa se encontrar sancionada justamente durante o período de renovação, o que poderia, a depender da natureza e dos efeitos da penalidade, impedir a prorrogação pretendida pela administração.

No âmbito administrativo, o Tribunal de Contas da União editou a Portaria-TCU n.º 444/2018, que disciplina a contratação de serviços no âmbito da Secretaria do Tribunal, admitindo expressamente a fixação de um prazo contratual superior aos tradicionais 12 (doze) meses. Vejamos:

Art. 32. A depender das características do objeto do contrato de serviços continuados, justificadamente, a contratação inicial ou total poderá ter vigência superior a doze meses, limitada a duração total a sessenta meses.

Com fundamento no referido dispositivo, um grande número de editais de licitação para contratação de serviços a serem prestados de forma contínua publicados pelo TCU estão prevendo a vigência inicial de 30 (trinta) meses.

Deve-se assinalar, ainda, que as condições de habilitação técnica no caso de contratação de serviços de natureza contínua por prazo superior a 12 (doze) meses não devem ser elevados em razão do aumento no prazo de vigência inicial, ou seja, os requisitos de habilitação devem tomar como parâmetro o período de um ano, sob pena de se impor uma restrição na competitividade.

No que se refere ao argumento segundo o qual a contratação por período inicial de 12 (doze) meses permite à administração a utilização da faculdade em prorrogar a avença como instrumento de cobrança de qualidade na prestação do serviço, penso que haveria neste caso uma distorção no instrumento da renovação contratual, que não se presta a esse tipo de objetivo.

Nos casos em que a administração estiver insatisfeita com a execução do objeto contatual, ela deve se valer dos meios apropriados, previstos no termo de contrato, para impor ao contratado as notificações e, se for o caso, as punições cabíveis.

Dessa forma, entendo que a administração deve considerar a possibilidade de firmar contratos para prestação de serviços de natureza contínua com prazo inicial superior a 12 (doze) meses desde que comprovado o benefício para o órgão ou entidade. Trata-se, portanto, de uma obrigação relacionada ao princípio da eficiência administrativa, na medida em que ao não realizar a avaliação técnica e jurídica da medida a administração poder estar onerando desnecessariamente os cofres públicos com custos diretos e indiretos que poderiam, talvez, ser reduzidos.

 

 

Sobre o autor
Evaldo Ramos

Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. Bacharel em Administração e Direito. Pós-graduado em licitações e contratos. Pregoeiro, leiloeiro e presidente de comissões especiais de licitação. Advogado e parecerista na área administrativa. Palestrante e instrutor de cursos na área de pregão eletrônio e presencial, sistema de registro de preços e regime diferenciado e favorecido às pequenas empresas nas licitações públicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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