Introdução
A China, como se sabe, a partir dos anos 70, abriu sua economia para o mercado externo e iniciou sua fase de globalização, adotando uma política de longo prazo, mesmo sendo um país comunista, mas que aplica um modelo de socialismo moderado, ou de mercado. Graças a isso, obteve sucesso na ampliação de sua economia, estabeleceu fortes relações comerciais com o continente africano e com a América Latina. A partir disso e com visão estratégica de longo prazo, está em constante expansão, pretendendo ser o protagonista da economia mundial e, talvez, possa ultrapassar os Estados Unidos da América, em importância, no cenário mundial. A pesquisa tem por base a bibliografia existente, artigos e notícias sobre a temática apresentada, utilizando-se a metodologia qualitativa, eis que o texto foi elaborado avaliando as opiniões dos autores. Dessa forma, no primeiro bloco será abordado o crescimento e a expansão da economia da China no cenário mundial e a aproximação com o Continente Africano e América Latina. No segundo bloco, uma breve análise das relações da China com os Estados Unidos da América e os riscos e tensões dessas relações para, ao final, avaliar se efetivamente esse “gigante” asiático será capaz de assumir o protagonismo da economia mundial.
1 - A ascensão da China no mercado mundial e suas relações com o Continente Africano e América Latina
Inicialmente, parece contraditório verificar que um país comunista esteja no cenário mundial como a economia que mais cresceu nos últimos 20 anos, pois o mercado é capitalista por natureza e normalmente países comunistas ficam mais restritos a sua economia interna. Países comunistas, pelo que se assiste nos meios de comunicação de massa, traçam menos relações internacionais e, quando fecham acordos com algum país, são por efetiva necessidade de sobrevivência econômica ou política.
A China, dos anos 70 para cá, abriu sua economia e mudou seu pensamento político desde do período de governança de Deng Xiaoping (1978-1992), período em que foi abolido o culto a personalidade do Imperador. Lideranças não podem mais se perpetuar no poder, embora continue sendo um país de cultura milenar e com uma rica filosofia, como refere Eric Van Bussche, historiador e pesquisador da Universidade de Pequim (2002).
Segundo o pesquisador, as mudanças econômicas na China sempre deram certo porque imposta de cima para baixo, pois o povo está acostumado a isso. Exemplo citado foi o que ocorreu na Revolução Cultural, na época de Mao Tsé-Tung (Ditador da República Popular da China entre 1949 e 1976), em que intelectuais foram mandados aos campos de trabalhos forçados e uns denunciavam os outros. Isso funcionou, porque a população está acostumada a acatar ordens e cumprir.
Talvez isso seja o que conduz ao sucesso de qualquer mudança que seja proposta, pois na questão étnica, a China não é uniforme, possuindo 56 etnias, cada uma com sua cultura própria em uma civilização com 2.300 anos de existência. Entretanto, a coesão de pensamento na China sempre foi vinculada a figura do Imperador, pois o povo chinês não tem noção de cidadania, direito e deveres políticos, típicos das democracias.
Segundo CINTRA E PINTO (2015):
O Partido Comunista Chinês prolongou e radicalizou uma tradição milenar, ao criar uma espécie de “dinastia mandarim”, que segue governando a China segundo os mesmos preceitos morais confucianos do período imperial (Fiori, 2013a, 2013b, 2013c; Aglietta e Bai, 2012; Sinedino, 2012; Kissinger, 2011). Isso requer um alinhamento dos interesses das burocracias sobre o bem público comum, ou seja, a estabilidade política e a garantia de uma renda real crescente e de melhores condições de vida para a população chinesa.
Então, para que mudanças econômicas deem certo, é preciso que o povo seja patriótico e submisso e acredite nos projetos de governo, que busca o desenvolvimento econômico do país, para que paralelamente tenha êxito na melhoria das condições de vida de sua população. E isso vem dando certo.
A estratégia traçada e implementada por Deng Xiaoping previu a modernização da agricultura, indústrias, tecnologia e exército, objetivando fortalecer o Estado unitário e centralizado chinês. O desenvolvimento da economia chinesa, nos últimos 30 anos, foi de 10% ao ano, sendo considerada a “fábrica do mundo” e vem conquistando mais poder no plano internacional, no que se refere às negociações multilaterais e bilaterais com os países em desenvolvimento (Open. Cit.).
O processo de desenvolvimento econômico chinês tem avanços e recuos e é de aprendizado contínuo, buscando tornar o país moderno, rico e poderoso. E isso muito se deve a permanência de uma autoridade política advinda do Partido Comunista, o que dá estabilidade e crença aos programas de governo, orientados a uma visão de longo prazo. No processo de crescimento, a China avalia os erros e refaz etapas implementando as alterações necessárias ao sucesso de seu planejamento, o que certamente não daria certo numa democracia com trocas contantes de autoridade política e sem planejamento de longo prazo. Talvez essa diferença seja fundamental para o sucesso da economia chinesa, ao menos por enquanto.
Segundo os autores citados:
Essa trajetória chinesa de desenvolvimento, ainda em construção e que pressupõe um processo de aprendizado contínuo com avanços e recuos, articula uma estratégia nacional, inserida regional e globalmente, que tem como objetivo tornar a China um país moderno, rico e poderoso. Com isso, as políticas macroeconômica, industrial, de ciência e tecnologia, externa e de segurança são direcionadas pelo Estado para a construção de uma estabilidade política, a melhoria das condições de vida do povo chinês e a reconquista de uma posição internacional autônoma. (Open. Cit.)
A grande estratégia chinesa, já em prática e com sucesso, é obter uma posição internacional relevante, sem que os grandes grupos privados internos possam ameaçar a supremacia do Estado no processo de regulação da economia e das relações com o exterior. Ao mesmo tempo, busca que os mecanismos de mercado sirvam a uma diretriz operacional de ultrapassar os concorrentes externos e não um fim em si mesmo. Também promove mudanças estruturais de longo prazo no plano do comércio exterior tanto com países em desenvolvimento quanto com países desenvolvidos, pois estes possibilitam a modernização de seu parque tecnológico e empresarial.
No plano de segurança territorial, busca enfrentar problemas no Mar do Sul da China, diante da atitude dos Estados Unidos da América de reafirmar a sua presença militar e ampliar suas ações no Pacífico Sul. Por ora, os países vizinhos como Vietnã, Filipinas, Malásia, Taiwan e Brunei estão ao lado dos Estados Unidos pois preocupados com sua segurança em razão dos avanços chineses.
Em razão dessas questões territoriais, ainda segundo CINTRA E PINTO (Open. Cit.), referindo MILLER, a China tem buscado ampliar suas relações diplomáticas, com o fito de demonstrar segurança e angariar a confiança dos futuros parceiros comerciais:
No âmbito da diplomacia, a China está cada vez mais usando fóruns multilaterais e bilaterais para expandir sua influência, especialmente nas relações com países em desenvolvimento. Procura implementar medidas que possibilitem a criação de confiança, seja buscando equacionar conflitos de fronteiras, seja intensificando os laços comerciais, seja realizando investimentos que explicitem um envolvimento pacífico. Uma diplomacia mais ofensiva se ancora na cooperação para o desenvolvimento, sem condicionalidades políticas ou exigências para reformas macroeconômicas, mas com requisitos para exportações de produtos manufaturados chineses ou importações de matérias-primas; na expansão da infraestrutura nacional e conexões regionais; em facilidades de comércio; na realização de elevados montantes de investimentos nos países vizinhos, sobretudo Vietnã, Laos, Camboja, Mianmar, Tailândia e Filipinas. (MILLER, 2014)
O avanço na direção do continente Africano, com maior pujança na África do Sul, previsto nos planos de expansão da economia chinesa, teve marco mais acentuado a partir do ano 2003, após o continente africano ter passado por conflitos internos graves decorrentes do regime “Apartheid”1.
A verdade é que a China está há muito tempo interessada na economia da África para expandir suas relações comerciais externas e aumentar o seu poderio econômico mundial, buscando ultrapassar a posição dos EUA. A maioria dos países africanos estão em desenvolvimento o que favorece a atuação de países interessados em investir nessas economias, conforme ALVES (2018):
A China mantém relações com a África desde os anos 50, durante a Guerra Fria, através do apoio a movimentos independentistas, e, mais tarde, dispondo-se a construir estradas, ferrovias e oleodutos, para chegar aos campos de petróleo e às minas de cobre e urânio que alimentam as revoluções industriais dos países africanos. Um milhão de chineses trabalham na África em construções e em atividades de mineração, e o governo chinês, em 50 anos, enviou 18 mil médicos para o continente, que trataram 250 milhões de pacientes.
Ainda, segundo a informação acima, a China, assim como os EUA estão sempre na busca de países em desenvolvimento para expandir seus negócios internacionais e buscar o crescimento de suas economias.
Em razão dos altos investimentos nos Países africanos e ajuda na área da infraestrutura e saúde, com certeza, isso permitirá o desenvolvimento mais eficaz de suas economias internas e trará crescimento no nível de vida da população. Tudo é uma consequência, pois a China importando em grandes volumes leva riquezas a economia interna africana e, com isso, permite que também haja aumento nas importações de produtos chineses para satisfazer as necessidades daquelas classes emergentes, sendo uma via de mão dupla.
Evidentemente, que se os países africanos diversificarem seus produtos, com isso haverá crescimento nas exportações e talvez mais países venham a se interessar em manter relações bilaterais no comércio internacional.
Vale referir que os chineses, em seu plano de expansão internacional, elegeram alguns princípios norteadores de sua atuação, conforme nos referem SOUZA E TELES (2017):
i) respeito mútuo pela soberania e integridade territorial, questões previstas em Vestfália;
ii) princípio da não agressão;
iii) princípio da não intervenção em questões internas de outros Estados;
iv) igualdade e benefício mútuo; e, por fim;
v) a coexistência pacífica.
E isso tem pautado os tratados bilaterais e multilaterais com os países em desenvolvimento do continente africano. Muitos deles, como se sabe, em conflito interno e presididos por lideranças autoritárias.
Em razão disso, a exemplo do que ocorreu no Zimbágue e no Sudão, a China exportou armamento em quantidade suficiente para fortalecer os governos locais, alegando se tratar de relações comerciais e manutenção de sua política de não-envolvimento em conflitos internos, o que causou críticas da comunidade internacional.
Isso porque, segundo os autores citados, nos países que estão em conflito, há forte desrespeito aos direitos civis da população e o fortalecimento armamentista desses governos fez ocorrer maior repressão aos grupos oposicionistas destes regimes autoritários e só aumentar a violação dos direitos humanos da população como um todo.
Além da África, a partir do ano 2000, os chineses também fortaleceram suas parcerias comerciais com países da América latina, interessados nos produtos primários e minérios para exportação. A China, como já antes referido, ganhou posição de destaque no cenário mundial no início do século XXI, tornando-se o primeiro exportador e segundo importador do mundo, como nos referem PAMPLONA E CACCIAMALI (2015).
A China, como mercado “sinocêntrico” (que considera o país o centro da economia mundial) apresenta vantagens na área industrial, especificamente na parte de montagens e seu ritmo de crescimento faz com que tenha necessidade de importar muita matéria-prima, sendo a razão para que faça parcerias com países latino-americanos, exportadores desses produtos primários.
Então, para que aqueles países que estão pensando em estratégias para crescer no mercado global e competir com outros de igual tamanho e potencialidades, tem de levar em consideração o grau de relação econômica que tem com esse “gigante” da economia, segundo PERES (2010, pp.128 e 143, apud PAMPLONA E CACCIAMALI, 2015):
A forte presença da China no comércio internacional como produtora de manufaturados e consumidora de commodities não impõe à América do Sul um destino, mas abre uma oportunidade. É assim que pensa Pérez (2010, p.128) quando afirma que a natureza da competição com a China e outros asiáticos no mercado global é uma das realidades a enfrentar seja qual for a estratégia de desenvolvimento da América Latina. A Ásia enfrenta escassez de matérias-primas e energia, o que permite que a América Latina exporte para lá quantidades crescentes de minerais, produtos agrícolas e energia a preços ascendentes. A América Latina tem dificuldade cada vez maior de competir no segmento da indústria de montagem. Entretanto, como enfatiza Pérez (2010, p.128), sua rica dotação de recursos naturais oferece uma "janela de oportunidade" para "especializar-se em indústrias de processo".16 Pérez (2010, p.143) acredita que usando o aumento de renda para melhorar o perfil tecnológico das exportações e fomentar a capacidade da população de criar riqueza, a América Latina pode especializar-se em materiais feitos sob medida, alimentos sofisticados e outros produtos naturais, enquanto se prepara para ter um bom posicionamento na 6ª Revolução Tecnológica.
Segundo os mencionados autores, a revolução tecnológica chinesa e a abertura de novos segmentos de mercado podem criar possibilidades de commodities de produtos manufaturados e reduzir commodities de produtos primários.
Os países devem pensar suas estratégias para não somente ficarem vinculados a extração e exportação de recursos naturais (interesse da China), mas explorarem novas possibilidades e fazerem crescer o seu parque industrial. País sem indústria fica escravo do mercado de commodities.
A economia chinesa representa divisas para a economia dos países da América Latina em face do volume de importações de matérias-primas para as suas indústrias, e esse cenário parece ainda longe de sofrer alterações. Os países latino-americanos mais pobres não podem abrir mão desse mercado oferecido pelos chineses, mas também devem pensar em estratégias de desenvolvimento de longo prazo.
Há autores que entendem constituir uma política econômica mal sucedida ficar somente com a exploração de recursos naturais, porque “são intensivas em capital, demandam pouca mão de obra qualificada, favorecem a concentração de renda e a corrupção e geram crescimento econômico menor no mongo prazo”. (Cimoli, Dosi e Stiglitz (2009, p.556, apud PAMPLONA E CACCIAMALI, 2015).
Por outro lado, há os que entendem que dá para construir novas oportunidades de desenvolvimento, como Ferran et al. (2002) também referidos no artigo citado, pois para ele “a chave do sucesso é completar a abundância de recursos naturais com boas instituições, capital humano e conhecimento.” Segundo referido autor, a América Latina tem atraso em seu desenvolvimento pela falta desses três elementos.
Nesta área, talvez o Brasil esteja melhor situado em relação aos demais países da América do Sul (Chile e Argentina também não estão tão desindustrializados), com abundância de recursos naturais e um parque industrial consolidado, o que facilitaria ter sucesso em uma diversificação de investimentos. Deve levar em conta que recursos naturais são riquezas “que só se efetiva com capital, tecnologia e conhecimento”.
Deve-se também levar em conta que há exemplos de países que não reagiram de forma passiva e rentista aos “booms” de commodities, conseguindo internalizar e multiplicar os ganhos do comércio internacional por meio da criação e expansão de amplo leque de atividades econômicas nacionais. O Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia e a Noruega são países que conseguiram atingir elevado nível de desenvolvimento com economias baseadas em recursos naturais. (Open. Cit.)
Portanto, a expansão da economia chinesa para o continente africano e para os a América latina tem seus fatores positivos, mas também negativos, podendo variar de país para país, dependendo de sua economia interna e da estratégia de aproveitamento das oportunidades que esse mercado está gerando.
Ter políticas inteligentes e abrir novos mercados sempre será interessante para qualquer economia interna, gerando fluxo de capital produtivo, desenvolvimento industrial, empregabilidade e estabilidade econômica, fugindo da volatilidade do capital virtual.
Dessa maneira, a contribuição da China para a economia mundial e, especificamente, para o continente africano e América Latina, tem sido a ampliação do mercado das exportações, desenvolvimento de novas tecnologias, investimentos em infraestruturas e auxílio para um crescimento econômico sustentável.
Vale registrar que essa estratégia de internacionalização foi planejada no programa do Partido Comunista em 1999, chamado “Going Global”, demonstrando a visão chinesa de longo prazo (CINTRA E PINTO, Open. Cit.).
A intenção da China de criar uma extensa rede de relações com o resto do mundo parece evidente e já concretizada, ainda mais agora estando em curso uma nova obra de infraestrutura que ligará o oceano Pacífico ao Atlântico (Canal Interoceânico da Nicarágua), e que encurtará as distâncias da China ao mercado comum europeu, passando por 21 países.
2 - Influência da expansão chinesa na economia americana
O avanço da economia chinesa no mercado global parece irreversível e é importante para os demais países, porque implica em concorrência com os Estados Unidos da América, favorecendo as relações comerciais, pois onde há concorrência há melhores possibilidades de negociações bilaterais ou multilaterais (ao menos em tese).
Os americanos sempre tiveram a China como grande “inimigo” econômico e não parceiro, pois está tomando seu espaço no mercado mundial. Em razão disso, as relações entre esses dois “gigantes” econômicos são sempre tensas.
Entretanto, ambas as economias são interdependentes e continuam fortes mesmo após a crise de 2008, originada em “Wall Street”, que afetou as várias regiões do mundo.
Segundo RIBEIRO (2018), está havendo forte competição em nível militar entre os dois países, em torno do Mar do Sul da China, como aqui já retratado, porque a região é fundamental para a expansão da força bélica e marítima chinesa, enquanto a presença americana naquele local permanece forte.
Enquanto a economia americana pós-crise “encolheu”, a economia chinesa continuou em expansão, mantendo taxas de crescimento altas e dando continuidade a sua expansão mundial, o que acabou também por favorecer, de certo modo, os americanos, pois neste período pós-crise houve mais importações pela China de produtos americanos do que exportação.
O retrato do comércio EUA-China reflete a continuidade da complementaridade ao menos do ponto de vista comercial. O mercado americano ainda é importante para a China, apesar de representar apenas 10% do total exportado pelo país asiático e apenas 8% do total importado em 2016. As importações chinesas também são fundamentais para os EUA. Os debates em torno das disputas comercias no âmbito da OMC, como as acusações de “dumping”2 e a postura de Trump nas eleições a favor de um maior protecionismo com relação à China refletem essa realidade (Open. Cit. p. 26)
RIBEIRO (2008) também ressalta a importância da expansão da moeda chinesa, o Renminbi, no mercado global, o que tende a fortalecer ainda mais a importância da China no contexto mundial, muito embora o dólar americano ainda siga como principal moeda internacional:
No entanto, os projetos de expansão do Renminbi, a moeda chinesa, continuam a todo vapor, com a abertura de mercados “off shore”3 em Hong Kong e em Londres; a criação de mecanismo de expansão do Renminbi via empréstimos externos; e ainda mecanismos como os “swaps”4 cambiais para transações comerciais. Isso reflete também a preocupação chinesa em expandir-se globalmente por meio da difusão de sua moeda, ainda que a passos lentos (Open. Cit., p. 35)
Na era do Presidente Bill Clinton, segundo o pesquisador BUSSCHE (2002), havia o pensamento no sentido de ajudar a China e ingressar na Organização Mundial do Comércio (OMC), porque ela teria de obedecer regras da organização, princípios democráticos e de livre comércio e isso beneficiaria os americanos na competição econômica.
Para isso, a China teria de retirar restrições do mercado de capitais, dar mais acesso a produtos e empresas estrangeiras, reformar suas indústrias estatais, entre outras mudanças, conforme informado no noticiário da BBC (2019).
Até que ponto tudo isso evoluiu após a entrada da China na OMC em 2001, não se sabe ao certo.
O que se sabe, conforme nos traduz SERRA (2003), é que algumas mudanças ocorreram:
As políticas empreendidas pela China estão hoje bem mais de acordo com a OMC do que em 1986. Como exemplos podem ser citados a queda do nível médio de tarifas de importação – de 40,3 % em 1989 para 16,4% em 2000, e o acordo firmado com os USA, que reduziu as tarifas na área agrícola para 2 / 3 de seu nível de 1997. As quotas serão eliminadas até 2005, e tem havido uma redução geral nas barreiras não tarifárias, que hoje atingem apenas 7,3% dos produtos importados, uma marca bastante inferior aos 23,2% de 1988. A grande maioria das barreiras atuais concentra-se nos setores de aço e equipamentos de transporte. A política de investimentos está também mais aberta, com menores restrições para o estabelecimento de empresas e para a repatriação de lucros. Há dificuldades diversas, entretanto, no que diz respeito aos procedimentos de desembaraço de cargas e par a a concessão de vistos de trabalho. Outras medidas importantes que vêm sendo implementadas são a eliminação de exigências de transferência de tecnologia para os investimentos estrangeiros diretos e de percentuais mínimos de conteúdos locais nos bens produzidos em território chinês por empresas estrangeiras. (http://www.charlespennaforte.pro.br/China%20na%20OMC%20%20Impactos.pdf)
Ao que parece e na análise de SERRA (Open. Cit.) é que a China tem possibilidade de se tornar uma superpotência econômica em futuro próximo (podemos dizer que já se tornou neste momento) e a partir da implementação e estreitamento de suas relações com os Países da ASEAN. Com isso, haverá a atração de capitais externos e reforço da economia da região, formando um grande bloco econômico.
Segundo noticiado no site GRANMA (2019), órgão oficial do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba:
Para a Asean, uma comunidade com mais de 600 milhões de habitantes, integrada por Vietnã, Brunei, Camboja, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Singapura e Tailândia e que pretende defrontar os desafios atuais de maneira coordenada, despregar maior colaboração com seu maior parceiro comercial, mediante o investimento direto, subcontratação de projetos, cooperação tecnológica ou comércio de equipe, resulta de uma importância estratégica. (http://pt.granma.cu/mundo/2016-09-22/contribuicao-da-china-a-economia-mundial)
A competição da China com os Estados Unidos é constante e parece que irá se ampliar nos próximos anos, em razão do aumento do fluxo de capital e da internacionalização de sua moeda (Renminbi).
Como nos refere a análise publicada no site da FUNIBER (2019):
O país realiza modificações em sua economia desde os anos 80. Graças às estratégias adotadas, ele fortaleceu sua estratégia financeira e, pouco a pouco, passou a ser um importante comprador de ativos financeiros tanto dos Estados Unidos quanto da Europa. Por outro lado, o volume do fluxo de capitais atual aumentou suas reservas, calculadas em mais de 440 bilhões de dólares, alcançando a estabilização da taxa de câmbio, conseguindo, ao mesmo tempo, combater qualquer tipo de ataque contra a sua moeda. (https://blogs.funiber.org/pt/empresas-e-rh/2015/06/12/funiber-a-influencia-da-economia-chinesa-no-mundo)
Agora, recentes notícias sobre a taxação dos produtos importados da China pelos EUA, na política atual do Presidente Donald Trump, em maio de 2019, com resposta imediata na taxação dos produtos americanos que ingressarem na China, demonstra a constância dessa “guerra” fiscal com interesses econômicos (segundo publicado no site G1 – GLOBO, 2019).
Também é digno de nota e como já referido no final do bloco “1”, a construção da chamada “nova rota da seda”, que talvez seja o mais significativo investimento chinês no mundo, depois de já ter investido mais de 13 vezes o valor do Plano Marshall, entre os anos 2005 a 2018, como nos refere FIGUEIREDO (2019).
Esse megaprojeto em estradas e infraestruturas pretende unir (conectar) a Ásia a África, Oriente Médio e Europa, por meio de um “cinturão” terrestre e também com uma rota marítima, passando pelo Oceano Pacífico, Índico e alcançando o Mar Mediterrâneo.
Ainda, segundo o referido Assessor de conteúdo do site “politize”, vários benefícios são esperados: oportunidades de desenvolvimento estrutural, novos mercados e novas zonas de livre comércio, diminuir tensões no mar do sul da China, servir de alternativa para países da região do pacífico com a saída dos EUA do Acordo Transpacífico, entre outros.
Por certo, o projeto e sua concretização aumentará a influência da China no mercado global, causando mais atritos e tensões com os Estados Unidos da América, que ainda mantém a liderança na economia mundial.
Considerações Finais
Finalizando o presente artigo, temos ter atendido a proposta inicial no sentido de traçar uma análise sobre a ascensão da economia chinesa no mundo e de suas relações com o continente africano e América Latina.
Foi possível observar que, embora se trate de um país comunista, possui um sistema econômico socialista moderado (de mercado), com uma visão de longo prazo. Seu programa de governo é pensado para dezenas de anos e baseado numa política interna de respeito a autoridade política, ao partido, a crença nos princípios de Confúcio e ao entendimento geral de que o desenvolvimento e a estabilidade econômica são importantes para o futuro da nação e a sobrevivência do povo chinês.
Neste século XXI, a China está cada vez mais forte e expandindo suas relações internacionais, com planos de encurtar distâncias entre o continente asiático e a Europa, com a nova obra do Canal da Nicarágua, o que demonstra a potência de “gigante” da economia mundial.
Na atualidade, ainda temos os Estados Unidos na liderança da economia mundial, mais forte no ocidente por certo, mas a China tem tido relevantes avanços e, ainda mais, com o sucesso e aumento da importância de sua moeda nos negócios internacionais, certamente marcará uma nova posição no mercado mundial.
Como nos refere PAUTASSO (2016, p. 135), a constante modernização da China e seus processos de integração e desenvolvimento abrem novas perspectivas internacionais e podem oferecer alternativas ao modelo econômico americano. A integração Ásia, Europa e África coloca o continente africano em evidência e demonstra a intenção de dar forma global ao projeto, podendo, por certo, dar a China uma nova posição de liderança na economia global.
Diante disso, as empresas devem estar preparadas e seus executivos devem estar atentos as possibilidades e aos riscos no cenário econômico internacional sobre eventuais projetos de expansão de seus negócios para o mercado global.
Referências Bibliográficas
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BUSSCHE, Eric Vanden : Entrevista a BBC – 04 de novembro de 2002 – disponível em: [https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2002/021103_ericbuschefinal.shtml], acesso em 28.05.2019
CINTRA, M. A.; PINTO, E. C.: China em transformação: transição e estratégias de desenvolvimento. Rev. de Econ. Pol., v. 37, n. 2, p. 381- 400, 2017. Disponível em: [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-31572017000200381&script=sci_arttext], acesso em 31.05.2019
FIGUEIREDO, Daniel: One Belt, One Road: entenda a Nova Rota da Seda Chinesa, 2019 – Disponível em: [https://www.politize.com.br/nova-rota-da-seda-chinesa], acesso em 06.06.2019.
FUNIBER : A Influência da Economia Chinesa no Mundo: 2015 . Disponível em [https://blogs.funiber.org/pt/empresas-e-rh/2015/06/12/funiber-a-influencia-da-economia-chinesa-no-mundo ], acesso em 10.06.2019
FORTE, Iramsy Peraza: Contribuição da China a Economia Mundial – Disponível em: [http://pt.granma.cu/mundo/2016-09-22/contribuicao-da-china-a-economia-mundial], acesso em 24.05.2019.
Guerra Comercial EUA x China : Site G1 – GLOBO, 23.05.2019: Como a disputa pode atingir em cheio o Brasil. Disponível em [https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/05/23/guerra-comercial-eua-x-china-como-disputa-pode-atingir-em-cheio-o-brasil.ghtml], acesso em 24.05.2019
PAMPLONA, J. B.; CACCIAMALI, M. C.: O paradoxo da abundância: recursos naturais e desenvolvimento na América Latina. Est. Avan., v. 31, n. 89, p. 251-270, 2017. Disponível em [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142017000100251&script=sci_arttext], acesso em 31.05.2019
PAUTASSO, Diego. O papel da África na Nova Rota da Seda marítima. Revista Brasileira de Estudos Africanos, Porto Alegre, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, pp. 124-135. Disponível em: [http://www.seer.ufrgs.br/rbea/article/ download/70556/40034#page=124]. Acesso em: 18.06.2019.
RIBEIRO, Valéria Lopes: A economia política dos Estados Unidos e da China pós crise de 2008: interdependência econômica e relações interestatais – Volume 33, n.º 67, 2018. Disponível em: [https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/2177-5230.2018v33n67p11], acesso em 06.06.2019
SERRA, E. G.: Considerações sobre os impactos da entrada da China na OMC. Política Externa (USP) , v. 11, p. 16-25, 2003. Disponível em: [http://www.charlespennaforte.pro.br/China%20na%20OMC%20-%20Impactos.pdf ], acesso em 30.05.2019
SOUZA, M. de A. C.; TELES, L. M. : A política externa da China, as relações com a África e a problemática dos direitos humanos. Fronteira: Rev. de Inic. Cient. em Rel. Intern., v. 14, n. 27e28, p. 69-88, 2017. Disponível em: [http://200.229.32.55/index.php/fronteira/article/download/12862/11151], acesso em 06.06.2019.
Notas:
1 - O termo apartheid se refere a uma política racial implantada na África do Sul. Disponível em : https://brasilescola.uol.com.br/geografia/apartheid.htm, acesso em 12.06.2019
2 - Dumping, de uma forma geral, é a comercialização de produtos a preços abaixo do custo de produção. Disponível em [ http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2090:catid=28&Itemid=23 ], acesso em 11.06.2019
3 - O significado do termo inglês offshore é fora da costa, ou no exterior. Mas no dicionário econômico as empresas offshore são aquelas registradas em jurisdições com tributação baixa ou zero, regulamentação pouco rigorosa do setor financeiro e regras mais severas de segredo bancário e anonimato. Disponível em: [https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/04/03/O-que-%C3%A9-uma-offshore-e-para-que-ela-serve], acesso em 11.06.2019.
4 - Na definição mais formal, swap consiste em um acordo para duas partes trocarem o risco de uma posição ativa (credora), ou passiva (devedora), em data futura, conforme critérios preestabelecidos. Essas trocas (swaps) são bastante comuns com posições envolvendo taxas de juro, moedas e commodities. Disponível em: [https://www.bussoladoinvestidor.com.br/o-que-e-swap/ ], acesso em 09.06.2019.