Em 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário (RE) 590.415/SC que tratou do princípio da irrenunciabilidade de direitos trabalhistas e sua aplicação ao Direito Coletivo do Trabalho.
A questão constitucional residia no alcance do arts. 5º, incisos II, LV e XXXV e 7º, incisos XIII e XXVI, da Constituição Federal e a manutenção de norma coletiva de trabalho que restringe direito trabalhista, desde que não seja absolutamente indisponível, independentemente da explicitação de vantagens compensatórias.
Neste Recurso Extraordinário quando da análise do mérito ficou consignado que:
[...] 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. [...] (RE 590415, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-101 DIVULG 28-05-2015 PUBLIC 29-05-2015)
Com base neste entendimento muitas ações sobre a mesma matéria foram julgadas improcedentes fundamentadas nesta possibilidade de redução de direitos por meio de negociação coletiva.
Ocorre que o tema jamais passou perto de ser pacificado.
Recentemente em julgamento proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (Goiás) a discussão foi reacesa. O Regional em análise de recurso entendeu que apesar de haver previsão no acordo coletivo, o empregador estaria obrigado ao pagamento de minutos como horas “in itinere” por estar situado em local de difícil acesso e o horário do transporte público ser incompatível com a jornada de trabalho, independentemente da norma coletiva prever expressamente a possiblidade de supressão do pagamento destes valores, desde que o empregador se incumbisse de tal transporte.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a decisão e negou seguimento ao recurso extraordinário, motivando a interposição do agravo ao STF pelo empregado.
O Supremo Tribunal Federal novamente foi chamado para analisar caso em que se discutia a validade de norma coletiva que autorizava a supressão do pagamento das horas “in itinere” ao empregado em contrapartida do fornecimento do transporte pelo empregador até o local de trabalho.
No RE 1.121.633/GO de relatoria do Ministro Gilmar Mendes fora determinada a suspensão de todos os processos, individuais ou coletivos que versem sobre validade de cláusula de acordo coletivo que em possam representar supressão de direitos não previstos na Constituição Federal.
Foram os termos da decisão:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.121.633 GOIÁS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Despacho: O processo de origem trata de reclamação trabalhista que resultou no deferimento do pagamento de horas extras decorrentes de horas in itinere. A questão central foca-se na validade de cláusula de acordo coletivo que, ao tempo que prevê a faculdade de a empresa fornecer o transporte aos empregados, suprime o pagamento do respectivo tempo de percurso. O acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) reformou a sentença de primeiro grau e afirmou, não obstante a previsão no acordo coletivo, que a empresa se encontra em local de difícil acesso e que o horário do transporte público era incompatível com a jornada de trabalho, o que confere ao empregado o direito ao pagamento dos minutos como horas in itinere. Inconformada, a recorrente (Mineração Serra Grande S.A.) interpôs recurso de revista, que teve seu seguimento negado. Ao agravo de instrumento interposto em seguida também foi negado seguimento. Após, foi interposto agravo interno, que teve seu provimento negado e cujo acórdão foi objeto então de embargos à subseção especializada (SBDI1), que foram, por sua vez, indeferidos. A recorrente interpôs recurso extraordinário, que teve seu seguimento negado, ocasião em que foi interposto agravo (artigo 1042 do Código de Processo Civil), que igualmente teve seu seguimento negado, ao que a recorrente interpôs agravo interno perante o Supremo Tribunal Federal, o que então ensejou a reconsideração da decisão anterior e a respectiva apreciação do recurso extraordinário no Plenário Virtual. Em 3.5.2019, o STF, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada e, no mérito, não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, que será submetida a posterior julgamento no Plenário físico (tema 1.046). A Confederação Nacional da Indústria (CNI) requer sua admissão no feito na qualidade de amicus curiae (§4º do artigo 1035 do CPC c/c §3º do artigo 323 do Regimento Interno do STF), bem como a suspensão das ações que versam sobre o tema. A intervenção do amicus curiae cabe quando houver “relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia” (art. 138, caput, do CPC/2015). Não resta dúvida acerca da importância da causa, cujo tema (validade de cláusula de acordo coletivo) vai além do interesse das partes, apresentando, pois, repercussão transindividual ou institucional. Ademais, até o reconhecimento da presente repercussão geral, muitas dessas ações tinham sua improcedência determinada pela aplicação dos fundamentos determinantes do paradigma (RE-RG 590.415, Min. Roberto Barroso), que consignou a possibilidade de redução de direitos por meio de negociação coletiva e a inaplicabilidade do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas ao direito coletivo do trabalho. Uma vez recortada nova temática constitucional (semelhante à anterior) para julgamento, e não aplicado o precedente no Plenário Virtual desta Suprema Corte, existe o justo receio de que as categorias sejam novamente inseridas em uma conjuntura de insegurança jurídica, com o enfraquecimento do instituto das negociações coletivas. Posto isso, admito a Confederação Nacional da Indústria (CNI) como amicus curiae (art. 138, caput, do CPC/2015). Determino, ainda, a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional, nos termos do artigo 1035, §5º, do CPC, uma vez que o plenário virtual do STF reconheceu a repercussão geral do tema. Publique-se. Brasília, 28 de junho de 2019. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente. (ARE 1121633, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 28/06/2019, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 31/07/2019 PUBLIC 01/08/2019)
Acatando a determinação proferida alhures o C. Tribunal Superior do Trabalho nos autos do E-RR - 819-71.2017.5.10.0022 de forma escorreita entendeu que a decisão da suspensão alcança todos os processos em que se discuta o tema da norma coletiva de trabalho que limite ou restrinja direito trabalhista que não esteja assegurado pela Carta Maior.
Decisão: por maioria, examinando questão de ordem, que a determinação de suspensão dos processos que tratam de matéria relativa ao Tema 1046 não se limita aos casos concretos subjacentes aos temas 357 e 762 (redução do intervalo intrajornada e majoração da jornada de trabalho, no regime de turnos ininterruptos de revezamento, por negociação coletiva; validade de norma coletiva que permite a supressão de horas "in itinere" mediante comprovação de compensação), mas alcança todos aqueles em que se discute a validade de norma coletiva de trabalho que limite ou restrinja direito trabalhista não assegurado constitucionalmente, e, em razão disso, suspender o julgamento do presente feito, devendo os autos permanecerem na Secretaria da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais até ulterior determinação do Supremo Tribunal Federal, vencidos os Exmos. Ministros Cláudio Mascarenhas Brandão, Walmir Oliveira da Costa, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann, Lelio Bentes Corrêa e Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Observação:
I - Juntará voto vencido quanto à questão de ordem o Exmo. Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão;
II - Juntará voto convergente quanto à questão de ordem o Exmo. Ministro Renato de Lacerda Paiva;
III - O Exmo. Ministro Augusto César Leite de Carvalho registrou ressalva de entendimento quanto ao 3º item das "conclusões" do voto do Exmo. Ministro Renato de Lacerda Paiva ora adotado pelo Exmo. Ministro Relator;
VI - O voto do Exmo. Ministro Relator, o voto vencido do Exmo. Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão e o voto convergente do Exmo. Ministro Renato de Lacerda Paiva serão anexados a esta Certidão. (E-RR - 819-71.2017.5.10.0022, SBDI-1, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, julgado em 10/10/2019)
Assim, as demandas que tratarem de discussão de validade e alcance de norma deverão ter o seu processamento suspenso com base nos já citados ARE 1121633/GO e E-RR-819-71.2017.5.10.0022.
Em que pese vislumbre-se indagações sobre o momento em que a suspensão deve ocorrer, é certo que as decisões pautam-se expressamente no artigo 1.035, §5º do Código de Processo Civil que indica que a determinação de suspensão decorrente do reconhecimento da repercussão geral é do “processamento” dos processos pendentes e não a suspensão após instrução processual.
O conteúdo do dispositivo não permite interpretação polissêmica, senão vejamos:
CPC, Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo. [...]
§5º - Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional. (destaque nosso)
Por fim, cumpre esclarecer que por se tratar de decisão que reconhece repercussão geral, a inobservância da determinação do relator desafia Reclamação para preservação de competência tanto do C. STF como do TST.
CPC, Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: [...]
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
Assim, até que se tenha o efetivo julgamento do ARE 1121633/GO pelo Supremo Tribunal Federal, um sem número de processos deverão ser suspensos.