Os entraves para a separação da Catalunha

Catalunha

20/10/2019 às 20:36
Leia nesta página:

Um referendo sobre a independência de uma parte do território espanhol nunca poderá ser realizado apenas na Comunidade Autônoma que a reivindica. Teria de ser feito a nível nacional.

A Espanha, assim como inúmeros outros Estados atualmente constituídos, é um território multinacional, ou seja, é formada por várias nações ou por diversos grupos étnicos regionais com identidade nacional diferenciada àquela do país ao qual pertencem. Nesse sentido, esse território é um dos principais locais do mundo em que há movimentos separatistas, com um forte clamor pela independência local em busca da constituição de um novo país.

Esse é o caso dos catalães, que, assim como outros grupos étnicos espanhóis (tais como os Bascos, os Galegos  e os Navarros, outros povos da Espanha), possuem um forte sentimento separatista, que é alimentado pelo nacionalismo arraigado que esse grupo regional possui.

Os registros mais antigos sobre a presença desse povo na região são do século XII. Durante muitos anos, a Catalunha também integrou o reino de Aragão, em conjunção com o domínio de Barcelona, mas foi com a Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1714) que o seu território passou a se tornar, de fato, parte do Estado Espanhol.

Os catalães são um grupo étnico ligado à Catalunha, região reconhecida como nacionalidade histórica no Artigo Segundo da Constituição Espanhola de 1978. O termo que se estende principalmente no atual território da Espanha, mas também no extremo sul da França (Catalunha Norte) e no Principado de Andorra.

Catalunha (em catalão: Catalunya, em occitano: Catalonha, em castelhano: Cataluña) é uma comunidade autônoma da Espanha localizada na extremidade leste da Península Ibérica. É designada como uma nacionalidade pelo seu Estatuto. A Catalunha é composta por quatro províncias: Barcelona, ​​Girona, Lérida e Tarragona.

Atualmente, a região da Catalunha possui uma economia comparável à de Portugal, abrigando muitas grandes empresas e sendo um dos principais centros comerciais e turísticos da Espanha. Essa conjuntura, somada ao fato de a Espanha ter sido uma das principais afetadas pela crise recente da União Europeia, vem contribuindo ainda mais para o acirramento das relações entre o governo local e a administração nacional.

Embora nunca tenha sido uma nação independente, a Catalunha tem um governo regional, o Generalitat, como a polícia (os Mossos d’Esquadra) e a Suprema Corte. Sua ocupação territorial é equivalente a 13% de todo território espanhol. A discordância com algumas políticas da Espanha, sobretudo as de cunho econômico, são um dos maiores impulsionadores do separatismo.

Além disso, a Catalunha possui o seu próprio idioma oficial, o catalão, falado pela maioria da população e que reforça a noção de unidade e separação da Espanha.

Dessa forma, para os catalães favoráveis a independência da Catalunha, a separação é uma chance de reforçar a sua identidade, sobretudo cultura e idioma.

Muitos separatistas dizem que não se sentem espanhóis ou não concordam com as políticas adotadas por Madri. Fator este que que vem se fortalecendo nos últimos anos.

A Catalunha tem grande importância para a economia espanhola, representando em torno de 19% do PIB da nação hoje – índice quase igual ao de Madri (18,9%) e o governo espanhol é contra a independência do território catalão.

Além disso, com 7,5 milhões de habitantes, abriga 16% da população nacional (46,5 milhões). No entanto, os seus moradores julgam que o repasse que a região recebe do governo de Madri é pequena demais ao mesmo tempo em que uma eventual separação da Catalunha poderia trazer incertezas à economia espanhola.

A Catalunha precisaria de reconhecimento e apoio internacional ou um acordo com o governo espanhol para ser reconhecida como nação independente. O que ainda não existe por parte da comunidade internacional.

O discurso da unidade nacional é um dos motes para que a Espanha seja contrária à independência da Catalunha. No entanto, questões econômicas parecem figurar como as principais responsáveis pela aversão do governo espanhol à causa dos independentistas. A região abriga indústrias de ponta e e lidera setores chave da economia do território nacional espanhol. Exemplo disso é a presença na Catalunha de mais da metade das 1.600 companhias espanholas que têm participação alemã.

Com a Constituição espanhola de 1931, a Catalunha conseguiu pela primeira vez certa autonomia em relação ao governo central de Madri, passando a ser governada pelos nacionalistas. Após a Guerra Civil que terminou com a derrubada da República e a escalada fascista do general Francisco Franco, a região catalã passou a ser perseguida e perdeu toda a sua autonomia. Passou-se, por exemplo, a proibir o idioma catalão.

Passados 40 anos de ditadura franquista, a Espanha se tornou novamente uma República, com a promulgação da Constituição de 1978. Os catalães exerceram grande influência na elaboração da atual Carta Magna, podendo moldar o texto a diversas necessidades regionais. De concepção descentralizadora, os catalães conquistaram, com a Constituição, a autonomia desejada.

O que a Catalunha e a Espanha perdem em caso de separação

A Catalunha perde:

1) A permanência na União Europeia - Se a Catalunha se converter em um novo Estado, terá que solicitar seu ingresso na instituição e cumprir todas as exigências rigorosas, um processo que leva anos.

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2) A zona do euro - "Ninguém emprestaria euros ao Estado catalão, e ele teria que imprimir sua própria moeda. E ela seria brutalmente inflacionária" afirma o economista Feito à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

3) O Banco Central Europeu - Ao ficar de fora da zona do euro, a Catalunha perderia a rede de segurança que inclui o Banco Central Europeu, que durante a crise salvou várias entidades espanholas.

4) A economia - O PIB catalão se contrairia entre 25% e 30% em caso da secessão. O banco Credit Suisse, por sua vez, afirma que essa redução seria da ordem de 20%.

5) Fuga de empresas - Segundo Feito, 80% das empresas na Catalunha são multinacionais e só estão na região porque ela faz parte da UE. Se saírem do bloco econômico, terão que pagar taxas.

A Espanha perde:

1) Sua região mais próspera - A independência custaria à Espanha a perda de 19% de seu PIB e de 18,4% de suas empresas - resultando em um Estado mais pobre. O PIB per capita também cairia para 23,50 euros, segundo cálculos do professor Sagués.

2) Inovação e empreendimento - Barcelona ocupa o 5º lugar no ranking de startups na Europa, uma posição à frente de Madri. No ano passado, as startups catalãs captaram 282 milhões de euros, o que representou 56% de todos os investimentos realizados na Espanha.

A região também lidera o ranking de pedidos de patentes do país: em 2016, 35,1% das 547 solicitações vieram da Catalunha, contra 20,6% de Madri, segundo o Escritório Europeu de Patentes.

3) Infraestrutura - A independência da Catalunha levaria a Espanha a perder seu principal porto no mar Mediterrâneo, o de Barcelona, que no ano de 2016 movimentou 48 milhões de toneladas.

4) Dívida externa e ativos - O valor seria de US$ 90 bilhões, o equivalente a 35,4% de seu PIB. Desse total, US$ 61 bilhões correspondem a compromissos com o governo da Espanha. o mais provável em caso da secessão é que a Espanha tenha de pagar sozinha o total da dívida enquanto tenta resolver o conflito com o novo país nos tribunais internacionais, explica o economista Feito.

5) Patrimônio cultural e turismo - A Espanha é uma potência turística. No ano de 2016, recebeu 75,3 milhões de visitantes estrangeiros, um recorde. Quase um quarto dessas pessoas (22,5%) tinham a Catalunha como destino.

Com essa medida, obras de Salvador Dalí ou de Joan Miró que estão em exposição em museus de Madri, como o Reina Sofia, por exemplo, teriam que ser entregues ao novo Estado.

O separatismo não é aceito pela Constituição da Espanha e também rejeitado pelas normas da União Europeia. A constituição espanhola mais recente, escrita em 1978, é socialista, centralizadora e interventora. Essa constituição limita liberdades para criação de opções regionais. Há problemas de repasses de impostos e de representação política distorcida. Nesse contexto, ter centralização torna-se um risco politico eterno, visto que a vontade por separatismo das diversas regiões espanholas (o da Catalunha, o do País Basco, o de Navarra e o da Galícia) tem assombrado o país por várias gerações.

O entendimento do art.º 92 da Constituição espanhola que tem prevalecido, desde logo por ser partilhado pelos dois principais partidos de poder espanhóis (o PP, ao centro-direita e o PSOE, ao centro-esquerda), tem fechado essa possibilidade. A posição é a de que um referendo sobre a independência de uma parte do território espanhol nunca poderá ser realizado apenas na Comunidade Autônoma que a reivindica. Teria de ser feito a nível nacional.

O artigo 155 prevê o modo de atuação caso uma região autónoma de Espanha interrompa o cumprimento da Constituição, ou coloque em causa o interesse geral espanhol.

“Se uma Comunidade Autónoma não cumprir as obrigações que a Constituição ou outras leis lhe imponham, ou atuar de forma que atente gravemente contra o interesse geral de Espanha o Governo, com requerimento prévio enviado ao Presidente da Comunidade Autónoma e, em caso de não ser atendido, com a aprovação por maioria absoluta do Senado poderá adotar as medidas necessárias para obrigar àquela ao cumprimento forçoso de ditas obrigações ou para a proteção do mencionado interesse geral.”

Para que serve o artigo 155?

Em termos simples, serve para proteger a integridade do território espanhol e as próprias regiões autónomas. Como a Constituição de Espanha reconhece o direito a regiões autónomas, com direito a governos regionais, foi preciso prever uma forma de impedir que estas instituições regionais fossem utilizadas com outros objetivos.

 

Referências:

BORRELL, Josep. LLORACH, Joan. Las Cuentas y los Cuentos de la Independencia. Madrid: Editora Catarata, 2015.

Constituição Espanhola de 29 de dezembro de 1978. Disponível em http://www.congreso.es/consti/constitucion/indice/index.htm Acesso em 20 de outubro de 2019.

ROSELLO, Maria Amparo dos Santos. Separatismo político: o caso da Catalunha. Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcellina / Ano 15 – nº 41 / 2015. Disponível em www.faculdadesantamarcellina.com.br. Acesso em: 20 de outubro de 2019.

http://www.catalonia.com.br/catalunha.asp

 

Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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