I) INTRODUÇÃO
Num recente julgado proferido pela 11ª Câmara do TRT 15, a Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada a pagar R$ 5 mil reais de indenização por danos morais a um ex- pastor demitido e que não recebeu suas verbas rescisórias.
Além disto, o ex- pastor também afirmou que teria sido obrigado a se submeter a vasectomia “para professar a fé cristã”.
No que se refere a este último pedido, apurou-se na instrução processual que o reclamante “nada referiu na petição inicial em relação a dor moral pelo constrangimento de se submeter à vasectomia para poder exercer a função de pastor” e, só depois no decorrer do processo, alegou que teria sido pressionado a se submeter à vasectomia, sob o fundamento de que “filhos atrapalhariam seu pastorado”.
O Desembargador Relator do processo n.º 0000648-57.2011.5.15.0064, Dr. Antonio Franciso Montanagna, salientou que, por não terem sido apontados esses fundamentos petição na inicial, agora lhe seria “vedado alterar as causas de seu pedido neste momento”.
Com base na situação real acima exposta, pergunta-se:
Até quando pode ocorrer a alteração do pedido e/ou da causa de pedir na reclamação trabalhista?
Senão vejamos.
Em primeiro lugar, convém destacar que na Justiça do Trabalho não há dispositivo legal específico contemplando tal situação, de modo que se torna indispensável a aplicação do direito processual comum, com as “ponderações” exigidas no art. 769 da CLT:
Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
Reportando-me ao direito processual civil comum, observo que a questão está prevista no art. 329, CPC, in verbis:
Art. 329. O autor poderá:
I - até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento do réu;
II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo à reconvenção e à respectiva causa de pedir.
Como é possível notar acima, o Código de Processo Civil fala em “citação” como momento processual limite para a alteração do pedido ou de sua causa de pedir, independentemente do consentimento do réu.
Com efeito, para promover a “adaptação” da legislação civil à dinâmica processual trabalhista, são necessários alguns esclarecimentos “terminológicos” utilizados na Consolidação das Leis Trabalhista.
Buscando justificar a autonomia do processo do trabalho, o legislador pátrio utilizou na CLT, de maneira indiscriminada, o termo “notificação” como meio adequado para a comunicação de todo e qualquer ato processual realizado no âmbito da Justiça laboral (seja citação ou intimação).
Aliás, no entender do eminente Professor Renato Saraiva, nem haveria que se falar “em citação” do reclamado, mas sim de “notificação” do mesmo, por meio de remessa automática pelo servidor Chefe de Secretaria da Vara, dentro de 48 horas do recebimento da ação, via postal, contendo a cópia da petição inicial, notificando-o a comparecer à audiência de julgamento, ocasião em que poderia apresentar, se quiser, sua defesa.
Para todos os efeitos, no processo do trabalho haverá – vez por outra – a utilização das expressões “notificação” e “citação” como sinônimos.
Ultrapassados tais esclarecimentos “semânticos”, voltemo-nos ao cerne da discussão sobre qual o momento processual limite para o autor alterar/aditar sua petição inicial trabalhista.
Uma parcela minoritária da doutrina trabalhista afirma ser inadmissível o aditamento da petição inicial em audiência, porque, por ocasião da sua realização, a “citação” já estaria cumprida – vez que com a expedição da citação postal no processo trabalhista e o seu recebimento pelo destinatário, tornar-se-ia imodificável o pedido.
Com o máximo e devido respeito, ouso dissentir.
Reputo que a posição mais compatível com o princípio da celeridade processual do trabalho é aquela que permite sim a alteração do pedido em sede de audiência, mas antes do recebimento da defesa.
A propósito, a jurisprudência trabalhista abundantemente corrobora este entender:
RECURSO ORDINÁRIO. PRINCÍPIO DA ESTABILIZAÇÃO DA LIDE. MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR.
O princípio da estabilização da lide no direito processual civil preceitua que, uma vez formada a relação processual através da citação, a demanda permanecerá imutável (art.264 e294 do CPC). Na seara processual trabalhista a estabilização da lide ocorre somente com a apresentação da defesa em audiência. Por isso, no processo do trabalho, o reclamante somente pode aditar (ou alterar) a inicial sem a anuência da parte contrária antes da apresentação de defesa. (TRT-2 – RO: 00015012920125020085. Relator: Marcelo Freire Gonçalves, data de julgamento: 20/03/2014. 12ª Turma)
RECURSO ORDINÁRIO. ENQUADRAMENTO COMO BANCÁRIA. ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR NO TOCANTE ÀS ATIVIDADES DESEMPENHADAS APÓS A CONTESTAÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ESTABILIZAÇÃO DA LIDE CONFIGURADA.
A causa de pedir versa sobre enquadramento como bancária e a empregada, após a apresentação da defesa, descreve atividades não declaradas na inicial, afrontando, assim, o princípio da estabilização da lide. Recurso Ordinário improcedente. (TRT – 1 RO: 00021120420135010431. Relator: Theocrito Borges dos Santos Filho, data de julgamento: 05/07/2017, 7ª Turma)
AGRAVO DE PETIÇÃO. PRINCÍPIO DA ESTABILIZAÇÃO DA LIDE. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE
A lide estabiliza-se com a inicial e a defesa que traçam os seus contornos. Não é cogitável, sem completo olvido dos princípios do devido processo legal, contraditório, ampla defesa e da própria estabilização da lide que, diante do insucesso na demanda, se altere a causa de pedir em sede recursal. (TRT – 12 AP: 00023664120115120010. Relator: José Ernesto Manzi, data de julgamento: 09/07/2012, 3ª Turma)
Esclareço que tal entendimento alicerça-se no fato de que a “citação” no processo do trabalho tem a finalidade precípua de chamar o reclamado para comparecer à audiência inaugural em que se busca – ao menos num primeiro momento – uma tentativa de conciliação entre as partes, até mesmo sob pena de nulidade. Assim, só e tão somente após a eventual “não conciliação” é que a defesa será efetivamente apresentada em audiência.
Não é demais recordar, mais uma vez, que no processo do trabalho a citação (rectius notificação) é ato do Diretor de Secretaria, conforme disposto no art. 841 da CLT. Logo, o primeiro momento em que o Juiz do Trabalho entra “em contato” com o processo é justamente na audiência inaugural.
Assim, considerando que a finalidade primordial da audiência inaugural é focada na tentativa de conciliação, apenas se ela não ocorrer, é que podemos falar na estabilização subjetiva da demanda trabalhista – e não com a citação como ocorre lá no processo civil comum.
Entretanto, importantíssimo recordar que, se houver o aditamento “tempestivo” da reclamação trabalhista, deverá ser concedido ao reclamado prazo complementar para elaborar sua defesa quanto a todos os fatos articulados na reclamatória trabalhista, inclusive seu aditamento, de modo que a audiência deve ser adiada. Não é demais lembrar que, após o recebimento da defesa, o aditamento somente será possível com a concordância do reclamado.
Conclusão:
Na seara trabalhista a estabilização subjetiva da demanda ocorre somente com a apresentação da defesa em audiência. Logo, no processo do trabalho, o reclamante somente pode aditar (alterar) a inicial, sem a anuência da parte contrária, antes da apresentação da defesa.
Importante evocar que, ressalvado entendimento diverso, a inserção antecipada da contestação no Sistema PJe (art. 29 da Res. 136/2014 do CSJT) não tem o condão de alterar o prazo final para a alteração da ação, sem a anuência da parte contrária, porque, tecnicamente, a contestação (defesa direta) ainda não ocorreu, já que protocolada sob condição suspensiva.
Por fim, foi possível verificar que a jurisprudência laboral é firme no sentido de que a estabilização da demanda só ocorre apenas quando rejeitada a proposta de conciliação em audiência, após o que é efetivamente recebida a contestação, conforme dispõe os arts. 846 e 847 da CLT.
Referências bibliográficas:
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 22ª ed. São Paulo. Saraiva, 2007.
PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de conhecimento: direito processual do trabalho, organização judiciária trabalhista brasileira, processo e procedimento, prática. 4ª ed. São Paulo. LTr. 1998.
RIBEIRO, Fábio Túlio Correia. Processo do Trabalho básico: da inicial à sentença. São Paulo: LTr, 1997.
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito Processual do Trabalho. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.
SAAD, Eduardo Gabriel. Direito Processual do Trabalho. 2ª ed. São Paulo. Ltr.1998.
SARAIVA, Renato. Processo do Trabalho. 5ª ed., Rio de Janeiro. Forense.2009.
SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 2ª ed. São Paulo. LTr.2009.