I – Já ninguém se resigna ao fenômeno da criminalidade violenta, que sobressalta o homem em todos os pontos do globo.
Daqui por que a sociedade contemporânea, em reação típica de legítima defesa, acertou de propugnar a adoção de medidas que sirvam, se não a extirpar-lhe as causas, ao menos a reduzi-las, e com elas os seus funestos efeitos.
Dentre essas providências, conta-se a que ultimamente duas das mais respeitadas e conhecidas instituições do País — Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, e Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo — preconizaram: o desarmamento da população.
Trata-se, em verdade, de iniciativa da primeira importância na campanha pela diminuição do alto índice da delinquência urbana.
Depois da educação (visto que só o indivíduo que se adiantou na meta do saber e da cultura exemplar dos valores éticos é capaz de solucionar seus conflitos segundo os princípios do Direito e da Moral), o fator que mais poderá concorrer para obstar à prática dos crimes violentos contra a pessoa e seu patrimônio ficamos que será a proibição do uso, pelo comum do povo, das armas ofensivas.
Sabe-se que ninguém traz arma consigo, que a não queira usar um dia, o qual, uma vez chegando (Deus não o permita!), fará de seu portador homicida ou vítima. No primeiro caso, armado (e a arma dá coragem até ao pusilânime), não hesitará em resolver, na fumaça da pólvora, suas pendengas; no segundo, desde que seu desafeto o perceba na posse de alguma arma, nisto mesmo achará pretexto de redobrada violência.
São poucos os que se jactam de lhes ter valido a arma em conjuntura difícil; os mais que a ela recorreram em tais ocasiões, esses dirão (dado que ainda possam fazê-lo) que trazer arma consigo não vale os riscos que isto representa.
Reza, deveras, frase da campanha de desarmamento que, de 16 pessoas que tenham reagido com arma de fogo a roubo, 15 levarama pior! A eloquência do número escusa-nos ao esforço dialético de ampliar a argumentação.
A lei que dispôs sobre a criminalização do porte de arma([1]), passa por uma das mais felizes, urgentes e sábias contribuições à cruzada contra a torrente dos delitos atrozes, de incidência diária em todos os núcleos populacionais.
II – A restrição do curso das armas assenta em razões de grosso calibre, entre as quais esta: “O porte de arma é, sempre, potencialmente perigoso”([2]), pois serve de incitamento ao crime, sobretudo os de sangue.
Onde, porém, as armas brancas e de fogo têm (ainda mal!) extraordinário emprego, é na perpetração do roubo, crime de suma vileza, que o Código Penal define pela subtração de coisa alheia móvel mediante grave ameaça ou violência a pessoa. É, das modalidades delituosas, a que mais intranquiliza e mete em desespero os habitantes das metrópoles.
Este, o motivo de o legislador haver reservado a seus autores castigos severíssimos. Se qualificado pelo emprego de arma, a pena mínima cominada ao roubo são 5 anos e 4 meses de reclusão, para cumprimento em regime fechado.
E, a despeito do ceticismo de varões de claro entendimento quanto à eficácia pedagógica da pena de prisão([3]), ainda se não descobriu outra forma que a sobrepuje na cautela da sociedade contra as arremetidas dos que lhe infringiram as regras da convivência.
III – A alguém poderá parecer que não qualifica o roubo o emprego de arma de fantasia (ou de brinquedo), pois lhe falta a capacidade nocente ou vulnerante.
A objeção, com efeito, impressiona. É que a lei se refere a arma, não se considerando como tal a de fantasia; pelo que, se a violência ou grave ameaça foi exercida com arma de fantasia, entende-se que não houve emprego de arma, e pois não tem lugar o aumento de pena a ela devido.
O tema, assim na Doutrina como na Jurisprudência, é ainda hoje ponto de incidência de renhidas controvérsias. Damásio E. de Jesus, penalista exímio, discorre, ao propósito, deste feitio:
“Cremos que o emprego de arma de brinquedo não agrava a pena do crime de roubo, respondendo o sujeito pelo tipo simples. Isso decorre do sistema da tipicidade. O Código Penal somente agrava a pena do delito quando o sujeito emprega arma. Revólver de brinquedo não é arma. Logo, o fato é atípico, diante da circunstância. Caso contrário, por coerência lógica, o porte de revólver de brinquedo constituiria a contravenção do art. 19 da LCP (porte ilegal de arma)” (Código Penal Anotado, 5a. ed., p. 503).
E ninguém dirá não tenha ele voz no capítulo!
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, no entanto, professava orientação diversa, consubstanciada na Súmula nº 174 de sua jurisprudência: “No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena”([4]).
Esta, igualmente, era a jurisprudência predominante no Egrégio Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo:
“Configura a qualificadora do art. 157, § 2º, nº I, do CP o uso de arma que, apesar de brinquedo, é apta a incutir na vítima intimidação e desestímulo a qualquer reação defensiva” (Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, vol. VII,p. 154; rel. Mafra Carbonieri).
Tal entendimento, que se vai cristalizando, tem-se interpretado como resposta eficaz e extrema da Justiça Criminal aos autores de crimes violentos. Para grandes males grandes remédios!
Notas
([1]) Em vigor o novo diploma legislativo e abolido o porte regular, o ato de trazer alguém arma consigo — salvo as exceções que prevê — constitui figura criminosa típica; seu infrator sujeita-se às penas da Lei nº 10.826/03 (Lei das Armas de Fogo).
([2]) José Duarte, Comentários à Lei das Contravenções Penais, 1944,p. 294.
([3]) “Se a experiência mostrou que elas (as prisões) não ressocializam ninguém, ao contrário, corrompem, aviltam, degradam, embrutecem, por que mantê-las?” (Evandro Lins e Silva, Arca de Guardados, 1995,p. 62).
([4]) De presente, no entanto, com a revogação da referida súmula,já não pode prevalecer esse entendimento. O emprego de simulacro de arma de fogo, se idôneo para caracterizar a ameaça à vítima de roubo, por infundir-lhe temor, não o é contudo para autorizar o agravamento da pena. Em verdade, ao julgar o Recurso Especial nº 213.054-SP, na sessão de 24.10.2001, a Terceira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça deliberou o cancelamento da Súmula nº 174 (DJU 7.11.2001). Inteligência diversa do texto legal implicaria considerável prejuízo para os interesses do réu, pois o obrigaria a recorrer ao Colendo Superior Tribunal de Justiça para alcançar o que lhe recusaram outros Juízos ou Tribunais!