A Função de Julgar

21/10/2019 às 16:45
Leia nesta página:

Excelentíssimo Senhor Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, eminente Desembargador Luiz Elias Tâmbara;

Excelentíssimo Senhor Corregedor-Geral da Justiça, Dr. José Mário Antonio Cardinale;

Inspirado e gentil orador, Dr. Jo Tatsumi;

Meus amigos:

Permiti que vos diga ligeiras palavras neste augusto recinto onde acabo de ser investido no cargo de Desembargador. Serão por força breves minhas palavras, que não quero acrescentar o gravame e o desconforto aos que me dais a honra de ouvir em pé; ao demais, à tarde, o Dr. Tâmbara presidirá outra solenidade de posse (do colega Américo Angélico). Desta forma, importa falar pouco.

Por especial favor divino, o Dr. Carlos Vico Mañas e eu fomos chamados a compor o grêmio da mais alta Corte Judiciária do Estado: o Egrégio Tribunal de Justiça; bem se compreende, pois, nosso natural regozijo, nossos transportes de alegria! Há outro sentimento, porém, que nos turba o ânimo, e esse já o adivinhais: a consciência de nossa pequenez, em respeito da grandeza de nosso ofício, o belo, o imenso e terrível ofício de julgar!

É voz que João Mendes de A1meida Jr., mestre incomparável do Direito, ao ensinar o processo penal aos alunos das Arcadas, evocava‑lhes episódio da história da antiguidade, em que se exaltavam as funções do Juiz. Recitava-lhes que no Fórum egípcio havia uma pintura mural representando um julgamento, e dos lábios do Magistrado pendiam estas graves palavras: “Eu sou o secretário de Deus, no templo da Verdade e da Justiça”. E rematava o provecto lente do Largo de São Francisco: “Percebeis a grandeza dessa missão e a extensão de sua responsabilidade?!”([1]).

Também o Prof. Hélio Tornaghi, em formoso introito a seu Curso de Processo Penal — introito que por si só vale o livro inteiro—, confessa que lhe fizera grande abalo no espírito certa frase que achara em Pitigrilli: “Que homem é suficientemente Deus para julgar outro homem?!”([2]).

Do mesmo teor, a opinião do insigne Juiz português Pinto Osório: “A ideia de Justiça é a mais pura, a mais nobre, a mais sublime e santa depois da ideia de Deus”([3]).

De tudo bem se mostra que não falo por tropos de linguagem ou encarecimentos retóricos, senão clara e lisamente: o ofício de juiz nenhum homem o poderá exercer, sem que juntamente lhe estremeçam as fibras da alma.

Mas, a justiça entre os homens há de ser feita por homens. O ponto, por isso, está em saber que qualidades neles devem concorrer para que exerçam menos indignamente suas elevadas atribuições.

Fui, a esse propósito, ouvir aquele que, no geral consenso dos doutos, passa por um dos mais abalizados oráculos da Ciência do Direito entre nós: o legendário Prof. Goffredo Telles Jr., que estará comemorando depois de amanhã — 16 de maio — os 89 anos de sua fecunda e radiante existência.

Pedi-lhe, muito de estudo, me fizesse a especial mercê de declarar quais os predicados que, a seu aviso, deviam exornar a pessoa do Magistrado.

Respondeu-me, com acentos de ternura e firmeza nas palavras, que a dois imperativos haviam de atender sempre aqueles que tivessem abraçado a carreira da Magistratura: ao primado absoluto da ordem moral e aos generosos impulsos do coração humano, sem o que nenhum juiz se levantaria nunca à sublimidade de seu ofício.

Ao julgar, ponderou o venerando Mestre, “deve o juiz usar a lógica do jurista, que é, precisamente, a lógica do razoável e do humano”([4]).

Muito me apraz repetir aqui e ainda professar esta sã doutrina, no instante de minha posse neste areópago da Justiça paulista. Proviemos o Dr. Carlos Vico Mañas e eu da classe dos Advogados, particularmente da Advocacia Criminal, onde — tolerai que vo-lo diga sem vaidade nem constrangimento — fizemos largo tirocínio nos abismos das misérias humanas, às quais não podemos fechar as portas de nosso coração.

Todavia, a preciosíssima das pedras da coroa (ou da cruz) do Magistrado há de ser sempre o seu valor moral.

Isto mesmo proclamou, recentemente, com grande fortuna e autoridade, na revista da Escola Paulista da Magistratura, o nosso Presidente: “A força do Judiciário está na moral de seus juízes”([5]). Impossível dizer melhor!

Esta força, de tão notável relevo, poderá até suprir certas deficiências e fraquezas da condição humana, como os mesquinhos dotes de inteligência daqueles que desejaram consagrar-se ao serviço da Justiça, como este obscuro juiz.

Prometi-vos que seria breve, e já estou indo além da marca…; por isso me cerro aqui.

Antes, porém, que termine esta alocução ou arenga, desejava, Senhor Presidente, agradecer do âmago da alma àqueles com os quais estou em dívida ingente (porque de gratidão): aos queridos colegasdo Tribunal de Alçada Criminal, o glorioso Tacrim. Costumo chamar‑ lhes, mais que amigos, irmãos… E isto dizendo, fico dispensado de protestar quanto lhes quero e quão pungente me haverá de ser a saudade de nosso convívio. Muitos, amavelmente, compareceram a esta bonita cerimônia: os Drs. Eduardo Pereira Santos, Antonio Manssur, Eduardo Braga, Alceu Penteado Navarro, Carlos Augusto Bonchristiano e outros mais, que abraço na pessoa do Presidente José Renato Nalini, vulto eminente da Magistratura brasileira, ao qual se reservam grandes destinos.

Des. Luiz Elias Tâmbara, Presidente do Tribunal de Justiça:

“A força do Judiciário está na moral de seus juízes”.

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Fico lisonjeado também de enumerar entre os presentes outros sujeitos da primeira esfera intelectual, como o Dr. João de Scantimburgo, laureado escritor e membro da Academia Brasileira de Letras; o Dr. Paulo Bomfim, Príncipe dos Poetas Brasileiros, que, vivendo entre nós, fez deste palácio da divina Têmis incorruptível também a mansão olímpica das musas! O erudito e operoso Des. Emeric Lévay, intrépido guardião das tradições culturais de nosso Tribunal de Justiça. (Em prova do alegado, basta uma visita à Exposição dos 130 anos do Tribunal); os distintos e cultos Desembargadores Ruy Camilo, Munhoz Soares, Alberto Silva Franco, Nelson Fonseca, Geraldo Amaral Arruda, Junqueira Sangirardi, Ericson Maranho, Pedro Gagliardi, o querido “Pedrinho”, e o Dr. Mohamed Amaro, respeitabilíssimo Vice-Presidente do Tribunal, cuja presença apenas agora pude notar, debaixo dessa portada que lhe serve de moldura (sua melhor moldura, no entanto, fico serão sempre os primores de sua peregrina inteligência e a formosura de seu extremado caráter).

Paulo Bomfim: “O Príncipe dos Poetas Brasileiros”.

Da Advocacia Criminal, cujas insígnias levarei sempre comigo, saúdo o Dr. Ademar Gomes, talentoso e dinâmico presidente da Acrimesp, e também os Drs. Hélio Bialski, Francisco Lobo da Costa Ruiz e Paulo Oliver, advogados de muito nome e competência; e, em especial, o dileto amigo Paulo Sérgio Leite Fernandes, nunca assaz louvado criminalista e paladino da liberdade; o Dr. Paulo José da Costa Jr., o maior penalista contemporâneo, que, como Henrique Ferri, ilustrou a cátedra universitária, e cobriu de glórias a tribuna do Júri; o Prof. Francesco D’Ippolito, “il nostro insegnante di italiano giuridico: La ringrazio della Sua visita”; esses dois vultos imensos do Ministério Público, Dr. Sebastião Baccega e Dr. Gabriel Eduardo Scotti e ainda o amigo Alfredo Abe, sócio-diretor da Millennium Editora.

Minha gratidão pública a meus familiares: minha santa mulher Meirildes, meus filhos Carlos Augusto, Maria Helena e Juliana e seu marido Jomar Juarez Amorim, jovem e aplicado juiz; ao meu netinho Tonico, que, trajado com elegância, também veio a esta magnífica solenidade, por si e representando a irmãzinha Lenita, que nasceu ontem e já deu um sorriso de paz diante do mundo!

Por fim, em meu nome (e no do colega Carlos Vico Mañas), agradeço particularmente a Vossa Excelência, Dr. Luiz Tâmbara, que, na condição de Presidente do Tribunal, oficiou em nossa posse, vinculando-nos definitivamente a seu nome. E rendemos graças a Deus por isso: por ter formalizado nossa ascensão ao Tribunal um Magistrado a quem, por seus méritos excepcionais, acendrado amorà Justiça e inexcedível probidade, todos tomamos por excelso paradigma.

Muito obrigado!


Notas

(*)        Com ligeiras alterações, discurso que, aos 14 de maio de 2004, na solenidade de sua posse no cargo de desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferiu o autor, no Gabinete da Presidência.

([1])       Apud Vicente de Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal, 1958, vol. I, pp. 47-48.

([2])       Curso de Processo Penal, 1980, vol. I,. p. XI.

([3])       “In Memoriam” do Juiz Pinto Osório, p. 28.

([4])       A Folha Dobrada, 1999, p. 162.

([5])       Luiz Elias Tâmbara, in Diálogos & Debates, março/2004, p. 7.

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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