Há quem diga que o julgamento a ser proferido pelo STF sobre a inconstitucionalidade da prisão antes do trânsito em julgado da decisão penal condenatória, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a depender do resultado, pode provocar a ruptura de um movimento de pacificação social. Entre os que se manifestam dessa forma estão diversas autoridades que ocupam posições de destaque, inclusive militares.
Deve ficar claro que o tal movimento de pacificação social parece ser algo presente apenas no imaginário dos que acreditam na existência de um “estado anterior de guerra”, que estaria migrando para o outro extremo, a partir das eleições de 2018.
Contudo, todos sabem que existe uma polarização no ambiente político e social brasileiro e que esse espírito belicoso não está reduzindo, por diversos motivos, entre os quais se pode destacar o empenho pessoal de algumas autoridades em fomentar uma discórdia munida pelo ódio.
Mostra-se extremamente grave que tais autoridades pretendam, de alguma forma, influenciar o funcionamento do STF, uma vez que compete a essa Corte definir se determinada norma jurídica está de acordo com a Constituição Federal.
A própria ideia de pacificação é indeterminada. A ausência de conflito é algo idealizado ou que só existe abstratamente, o que não significa, contudo, que as pessoas devam buscar inimigos. Mas, na sociedade, os bens e interesses necessários aos seres humanos mostram-se limitados, o que faz surgir o conflito. Portanto, a questão é menos de como se deve atuar para pôr fim aos conflitos e mais de como se deve “lidar” com eles.
Em termos institucionais, o primeiro ponto a ser observada é o de que se devem respeitar as regras que estabelecem “competências”, porque “se todo mudo tem poder para exercer certa função”, fica sem sentido dar nome a quem detém poder.
Significa que os conflitos devem ser tratados através das vias próprias e pelos órgãos estatais que a Constituição Federal e as leis vigentes estabelecem. Isso não quer dizer que o STF ao julgar uma ação constitucional deva abster-se de indagar, por exemplo, as repercussões econômicas e sociais das suas decisões. Essas repercussões devem ser consideradas, mas sempre nos limites das normas Constitucionais.
Mostra-se pouco mais do que evidente que o Judiciário deve aplicar as normas jurídicas advindas da interpretação do texto legal. Não cabe ao poder executivo ou, em especial, aos militares, por exemplo, indicar como tal tarefa deve realizar-se, pois a separação das funções exercidas pelas autoridades estatais figura como ingrediente crucial para que os Poderes Constituídos mantenham um relacionamento harmonioso.
A paz social figura como uma meta inalcançável, mas isso não quer significar que se deva abdicar de buscá-la, por um imperativo ético. Neste tema mostra-se indispensável pensar na importância de que os agentes públicos, que ocupam cargos de cúpula de grande visibilidade, atuem e se expressem de forma cuidadosa, pois as suas manifestações podem apresentar efeitos nefastos para o estado de direito e para a democracia.
Por outro lado, é sempre bom lembrar que o STF tem o poder de controlar a constitucionalidade de regras jurídica elaboradas pelo parlamento, que é composto de membros eleitos pelo povo. Assim, ao exercer essa função, deve considerar excepcional declarar a nulidade de uma lei. Vale dizer, em último caso, o STF está autorizado pela própria Constituição a ir de encontro à voz do povo corporificada nas leis feitas pelo parlamento.
As baionetas não podem ter mais força do que a Constituição. Os brasileiros, que ainda não se deram conta do acerto dessa afirmativa, devem procurar informação sobre a época em que vigeu o regime militar, quando a liberdade foi limitada a obedecer. Temos que ficar de olho em um futuro sem retrocessos.