O CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA INDEPENDE DO FATO DE EXISTIR UMA UNIDADE FAMILIAR
Rogério Tadeu Romano
O crime inserido no artigo 288 do Código Penal, na redação original, exigia associação de mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes, pois é crime coletivo permanente, de perigo abstrato.
No tipo penal do artigo 288 do código Penal, entende-se que é necessário que, além dessa reunião, haja um vínculo associativo permanente para fins criminosos, uma predisposição comum de meios para a prática de uma série indeterminada de delitos e uma contínua vinculação entre os associados para a concretização do programa delinquencial(RT 493/322, 570/352,575/414, dentre outros).
Faz-se necessário a estabilidade e permanência com o fim de cometer crimes, uma organização entre seus membros que revele um acordo com relação a duradoura atuação em comum.
O dolo que se requer é do tipo específico.
Trata-se de crime permanente.
No magistério de Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1981, volume III, pág. 288.), que se contrapõe ao de Nelson Hungria(Comentários ao Código Penal,5ª edição, Forense, 1981, volume IX, pág. 178.) não se exclui o delito, se a quadrilha for constituída para a prática de crime continuado(RJTJESP 33/273, 42/378, RT 538:389.90). Crimes autônomos, relativamente à quadrilha, podem, em tese, configurar forma continuada ou mesmo a habitualidade, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no HC 4.029, DJU de 16 de dezembro de 1996, pág. 50.950.
Sendo assim o crime de quadrilha se caracteriza não só por serem mais de três os membros como ainda apresentar-se a associação criminosa com as características de estabilidade ou permanência com o fim de cometer crimes, com uma organização entre seus membros que revele acordo sobre a duradoura atuação em comum(RT 296/114, 464/410, 459/357).
Costuma-se dizer que é possível provar a existência do crime consubstanciado no artigo 288 do Código Penal diante da estreita ligação entre os membros de um grupo, com reuniões, decisões comuns, preparo de planos(RT 255/339).
Porém, é inconcebível a prática desse crime, quadrilha ou bando que são termos sinônimos, para a prática de crimes culposos, crimes de dever, ou ainda pretedolosos, quando há a involuntariedade do evento. Ainda é inconcebível caracterizar a quadrilha pelas meras gestões para persuadir outras pessoas a formar a quadrilha, atos preparatórios, que não se enquadram no tipo penal, não havendo que se falar em tentativa.
Veio, finalmente, a Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, definindo organização criminosa e ainda dispondo sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, revogando-se a Lei 9.034, de 3 de maio de 1995 e, ao final, passando a chamar de associação criminosa, o crime previsto no artigo 288 do Código Penal, com a seguinte redação: ¨Associarem-se 3(três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes¨, com pena prevista de 1(um) ano a 3(três) anos, aumentando-se a pena até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
No caso em discussão, reproduzo o que foi assinalado no site do STF:
“A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o ex-ministro e ex-deputado federal Geddel Vieira Lima a 14 anos e 10 meses de reclusão e 106 dias-multa, em regime inicial fechado, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Pelos mesmos delitos, seu irmão, o ex-deputado Lúcio Vieira Lima, foi condenado a 10 anos e 6 meses de reclusão, também em regime inicial fechado, e 60 dias-multa.
Os irmãos Vieira Lima também foram sentenciados solidariamente ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 52 milhões e impedidos de ocupar cargo ou função pública pelo dobro do prazo das penas privativas de liberdade. Foi decretada ainda a perda dos bens e valores acumulados em razão das condutas criminosas em favor da União.
O julgamento da Ação Penal (AP) 1030, relacionada aos R$ 51 milhões em dinheiro encontrados em um apartamento em Salvador (BA) em 2017, foi concluído nesta terça-feira (22) com os votos dos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, presidente da Segunda Turma.
De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), entre 2010 e 2017, Geddel, Lúcio e Marluce Vieira Lima, mãe dos ex-deputados, com o auxílio do assessor parlamentar Job Brandão, praticaram atos de lavagem de dinheiro com a finalidade de ocultar valores provenientes de crimes antecedentes. Os valores oriundos dessas práticas foram ocultados e dissimulados por meio de empreendimentos imobiliários administrados pelo empresário Luiz Fernando Costa.
Em sessões anteriores, os ministros Edson Fachin, relator, e Celso de Mello, revisor, haviam votado pela condenação dos irmãos em relação aos dois crimes. Na sessão de hoje, eles foram integralmente acompanhados pela ministra Cármen Lúcia. Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votaram pela condenação de Geddel e Lúcio apenas pelo crime de lavagem de dinheiro.
Por unanimidade, Job Brandão e Luiz Fernando Costa foram absolvidos por falta de provas. Os ministros entenderam que, embora tenham auxiliado no transporte e dos valores, não foi comprovado que tivessem ciência da origem ilícita do dinheiro e que seus atos teriam contribuído para a reinserção dos valores no mercado de forma a ocultar os crimes antecedentes.
Em relação a Marluce Vieira Lima, foi mantida a decisão do relator, ministro Edson Fachin, que remeteu o processo à Justiça Federal em Brasília.
O ministro Lewandowski abriu divergência parcial e votou pela absolvição dos irmãos Vieira Lima por associação criminosa, pois entendeu que não estão configurados os elementos que caracterizam o crime (a reunião de pelo menos três pessoas, de forma estável e permanente, com a finalidade específica de cometer crimes). Para ele, não é possível dizer que os membros da família apenas tenham se reunido para a prática de lavagem de dinheiro porque, ao lado de negócios ilícitos, desenvolviam vários outros de natureza legal. Observou ainda que, como a denúncia em relação à mãe foi remetida à primeira instância, não é possível presumir que ela tenha participado dos atos ilícitos sem que se faça pré-julgamento.
O ministro Lewandowski também divergiu sobre a remessa dos autos na parte relativa a Marluce à Justiça Federal em Brasília e se pronunciou pelo envio do processo à Justiça Federal da Bahia. Em seu voto, ele ainda negava a fixação de indenização por danos morais coletivos no âmbito da ação penal. Seu voto foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes.”
Tem-se a redação do artigo 288 do Código Penal:
O crime de associação criminosa consiste no fato de "associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes" (CP, art. 288, caput). São dois os elementos que integram o delito: (1) a conduta de associarem três ou mais pessoas; (2) para o fim específico de cometer crimes.
Trata-se de crime comum (aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa), plurissubsistente (costuma se realizar por meio de vários atos), comissivo (decorre de uma atividade positiva dos agentes "associarem-se") e, excepcionalmente, comissivo por omissão (quando o resultado deveria ser impedido pelos garantes – art. 13, § 2º, do CP), de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio de execução), formal (se consuma sem a produção do resultado naturalístico, consistente na efetiva perturbação da paz pública), de perigo comum abstrato (aquele que coloca um número indeterminado de pessoas em perigo, mas não precisa ser demonstrado e provado, por ser presumido pela lei), permanente (a consumação se prolonga no tempo), plurissubjetivo (somente pode ser praticado por três ou mais pessoas), doloso (não há previsão de modalidade culposa), transeunte (costuma ser praticado de forma que não deixa vestígios, impossibilitando ou se tornando desnecessária a comprovação da materialidade por meio de prova pericial).
O núcleo do tipo penal é associarem-se (unirem-se, agregarem-se, juntarem-se, agruparem-se). A conduta típica consiste em associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes. Nélson Hungria esclarece: "Associar-se quer dizer reunir-se, aliar-se ou congregar-se estável ou permanentemente, para a consecução de um fim comum. [...] reunião estável ou permanente (que não significa perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes. A nota de estabilidade ou permanência da aliança é essencial"( Comentários ao Código Penal – Volume IX. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1959, pp. 177-178).
Assim, a associação criminosa, em estudo, deve ter como característica a união estável e permanente dessas pessoas, para o fim específico de cometer crimes, pois é essa referida característica que distingue a associação criminosa do concurso de pessoas (coautoria ou participação) para a prática de crimes em geral. Além disso, a caracterização da associação criminosa não depende da existência de uma organização detalhadamente definida, com hierarquia entre seus membros e a divisão prévia das funções de cada um deles.
Como bem observa Rogério Greco, "para que se configure o delito de associação criminosa será preciso conjugar seu caráter de estabilidade, permanência, com a finalidade de praticar um número indeterminado de crimes. A reunião desse mesmo número de pessoas para a prática de um único crime, ou mesmo dois deles, não importa no reconhecimento do delito em estudo"( Comentários ao Código Penal – Volume IX. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1959, pp. 177-178).
É crime contra a paz pública.
Nenhum momento a lei, numa interpretação lógica e sistemática, exclui da conduta criminosa em debate o fato de haver um vínculo familiar. Para o delito basta estabilidade, permanência, com a finalidade de praticar um número indeterminado de crimes. Infelizmente, no círculo social, há famílias que se dedicam a prática de crimes. Tal é uma infelicidade para a cultura familiar em que vivemos. Mas não exclui o crime.
Com o devido respeito o crime de associação criminosa fala em se caracteriza não só por exigir que mais de três os membros façam dela parte como ainda apresentar-se a associação criminosa com as características de estabilidade ou permanência com o fim de cometer crimes, com uma organização entre seus membros que revele acordo sobre a duradoura atuação em comum.
O crime versado é autônomo, pois independe dos crimes cometidos pela associação.
São requisitos para ele: estabilidade, permanência e existência de um número mínimo de pessoas exigidas pela lei penal. Para tanto, é imprescindível a organização, preordenação dolosa, estabilidade e permanência, devendo haver um animus associativo prévio, agindo os participantes de modo coeso, numa conjugação de esforços unindo suas condutas embora separando as funções.
Essa coesão e existência pode acontecer perfeitamente envolvendo pessoas da mesma família, que tracem uma conduta criminosa a ser executada através de vários delitos.