Eu sonho contra o racismo.

Faz bem pra alma e para a humanidade

26/10/2019 às 17:58
Leia nesta página:

E quem não sonha? Fascistas sonham com o racismo, por óbvio.

Num seriado que não vale muito, a não ser pelos títulos dos episódios – cada um destacando um pensamento do Alcorão –, aprendi esta lição muçulmana: "Se os desejos fossem atendidos o tempo todo, qual seria a diferença entre a realidade e os sonhos?".

Me trouxe muitas perguntas, todas sem resposta, e uma que fixei melhor: “Quem sois e o que quereis?”. Essa é impossível de responder, na totalidade, mas em suaves parcelas pode levar a algumas pistas, como: “Gente como eu não suporta o racismo”.

Outra questão clássica é aquela, “o que fez da sua vida?”. Pois bem, poderia ser rico, ter sucesso, dinheiro, quem sabe poder, poderia ser Juiz de Direito – se bem que, nesse caso, não estaria escrevendo aqui desse modo –; porém, virei a bússola em 180 graus por livre escolha.

Como professor de universidade federal, posso dizer que tenho o melhor trabalho do mundo; salvo algumas exceções absurdas, sempre impostas, posso e devo dizer que sou feliz no meu trabalho: é o melhor trabalho do mundo. Retirando-se alguns dias, poucos dias e dependendo da vizinhança na rotina, leio, penso, falo, escrevo com liberdade e autonomia.

E além de liberdade e autonomia para escrever, ler, pensar, falar, o que mais poderia desejar um professor ou uma professora? Dinheiro e reconhecimento seriam ótimos. No entanto, se é verdade que “o coração tem razões que a própria razão desconhece” (Pascal), agora gostaria da certeza de que passarei muitos anos escrevendo sobre o que o coração mandar e a razão permitir.

Um dos privilégios de professores e de professoras como eu é se dar esse presente, compartilhar com outras pessoas seus pensamentos, suas angústias e buscar nisso tudo algum aprendizado, para além da soma-zero, alguma resultante que seja um conhecimento compartilhado. Talvez, quem sabe outro tipo de magia social, só professores e professoras possam juntar, quase todo dia, “realidade e sonhos”.

“Meus desejos”, portanto, são quer o Sol, a Lua, meu amor, nenhuma dor, só os sonhos de adulto e as fantasias de criança. Quero o mundo, o beija-flor e meu amor pra beijar sem fim. Quero paz, um país decente, nenhuma gente demente, uma folha e um lápis, essa vontade de contar o que eu quero. Nenhuma fome e injustiça no mundo, nenhum poder que não respeite a fraqueza dos outros, é o que também quero. Quero a Outra igual ao Outro, o negro e o branco, o vermelho, o azul e o verde-amarelo. Quero um arco-íris que não enfeite a bandeira de ninguém, mas que revele ao mundo que as cores não dizem nada. Até porque, se as cores dissessem o que somos de fato, feliz seria o dautônico. E como não há preto e branco, na vida, fico neste claro-escuro, no lusco-fusco de quem já viveu 54 anos.

Pensando nisso, acho que sou um dos tipos estranhos vagando na Terra: sou branco de alma preta, adoro a negritude, os negros, as negras, sou cigano, sagitariano, Filho de Ogum, espanhol. Às vezes, como hoje, também sou inventor de histórias. Outros são exímios contadores de histórias, mas hoje fico feliz em poder levar essa adiante.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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