O sonho do brasileiro é ter o imóvel próprio, porém, enquanto isso não ocorre, o cidadão se contenta em alugar. Mas só quem já foi locador ou locatário conhece a dor de cabeça que pode ser quando este contrato é judicializado.
Por um lado, o locador busca a segurança de que não sofrerá prejuízos com a disponibilização do seu imóvel a terceiros e, por outro, o locatário deseja ter suas demandas atendidas e ter um serviço de qualidade, já que paga mensalmente pela utilização do imóvel.
Com isso, surgiu a discussão se o Código de Defesa do Consumidor seria aplicável aos contratos de locação, visto que, para alguns juristas, seria uma espécie de prestação de serviço, configurando uma relação de consumo.
A jurisprudência não concorda com esse posicionamento. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que não existe relação de consumo entre locatário e locador, visto que o contrato de locação possui lei específica (Lei nº 8.245/91), e que, para ser fornecedor é preciso que a pessoa desenvolva atividade com habitualidade, expertise e intuito de lucro, o que não necessariamente ocorre na locação.
“A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que ‘não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de locação regido pela Lei 8.245/1991, porquanto, além de fazerem parte de microssistemas distintos do âmbito normativo do direito privado, as relações jurídicas não possuem os traços característicos da relação de consumo, previstos nos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/1990’.” AgInt no AREsp 1147805/RS
No caso de locação de imóveis em que há a intermediação de imobiliária, somente haverá relação de consumo entre o proprietário do imóvel com a imobiliária e o locatário com a imobiliária. Isso porque esta atua como administradora da atividade de locação, prestando serviços tanto ao locador quanto ao locatário.
Já nos casos em que há a locação de imóvel próprio, sem a intermediação de imobiliária, o contrato não poderá ser questionado sobre a luz do Código de Defesa do Consumidor, pois não se trata de relação de consumo.
A tese da Corte Superior é de que a atividade da imobiliária trabalha com duas relações jurídicas distintas: a de prestação de serviços, estabelecida entre o proprietário de um ou mais imóveis e essa administradora, e a de locação propriamente dita, em que a imobiliária atua como intermediária de um contrato de locação (REsp 509.304/PR).
Tal entendimento se demonstra acertado, visto que muitas pessoas quando alugam diretamente o seu imóvel não possuem o know how, nem a expertise de uma imobiliária, nem habitualidade nessa prestação de serviço, sendo evidentemente uma relação contratual entre duas pessoas físicas – locador e locatário.
Caso contrário, considerar-se-ia como fornecedor qualquer pessoa que aufira lucro, o que não é o caso.
No direito do consumidor, a relação de consumo é marcada por uma desigualdade entre as partes: o consumidor é visto como hipossuficiente em comparação ao fornecedor, visto que este último, normalmente, possui uma grande estrutura e conhecimento sobre a área. A assimetria de informações aliada ao poder econômico são, portanto, as condicionantes da presunção da hipossuficiência na relação consumerista.
Em contrapartida, a relação contratual privada é marcada pela paridade e simetria, até que haja a presença de elementos que justifiquem uma clara desigualdade entre as partes (Art. 421-A Código Civil).
Portanto, quando há uma controvérsia na relação do inquilino e o locador de um imóvel, é fundamental compreender quem deve ser colocado como polo passivo no caso. O primeiro passo é fundamental analisar como constam as partes no contrato de locação, e analisar, ainda, se há uma relação direta entre locador e locatário ou se esta é intermediada por uma imobiliária.
Por fim, com o crescimento urbano e o crescimento de moradias em condomínio, a tendência é que o número de contratos de locação cresça cada vez mais, portanto, é necessária uma atuação diligente do locador e locatário visando a constituição de uma relação contratual. Um contrato padrão ou “de papelaria” acaba colocando o locador em uma situação prejudicial em relação à proteção de seu imóvel e o locatário em uma situação de fragilidade em relação aos seus direitos locatícios. Para que isso não aconteça, e você tenha um problema por anos a fio, sempre busque o apoio jurídico para ter certeza dos riscos que o presente contrato oferece aos seus direitos como inquilino ou locador.