O princípio da imutabilidade dos veredictos do Tribunal do Júri

30/10/2019 às 21:28

Resumo:


  • O Júri foi instituído no Brasil em 18 de junho de 1822, inicialmente para julgar crimes de imprensa.

  • O Tribunal do Júri é disciplinado pela Constituição Federal de 1988, assegurando plenitude de defesa, sigilo das votações e soberania dos veredictos.

  • A plenitude de defesa no júri envolve o exercício técnico e extrajurídico da defesa, enquanto a soberania dos veredictos impede a modificação da decisão dos jurados pelo tribunal técnico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Júri foi instituído no ordenamento pátrio em 18 de junho de 1822, pelo então príncipe regente Dom Pedro, por meio de um Decreto Imperial, todavia em caracteres muito distintos do Tribunal do Júri como se encontra hodiernamente.

O Júri foi instituído no ordenamento pátrio em 18 de junho de 1822, pelo então príncipe regente Dom Pedro, por meio de um Decreto Imperial, todavia em caracteres muito distintos do Tribunal do Júri como se encontra hodiernamente. A princípio a sua competência era limitada ao julgamento dos crimes de imprensa, de modo que, não havendo instância superior a recorrer, cabia ao condenado à clemência Real. Quanto à sua instituição, tem-se que:

Coube ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, em vereação extraordinária de 4 de fevereiro de 1822, dirigir-se a Sua Alteza, o Príncipe Regente D. Pedro, solicitando a criação do juízo dos Jurados, para execução da Lei de Liberdade de Imprensa no Rio de Janeiro, aonde a criação do Juízo dos Jurados parece exequível sem conveniente, atenta a muita população de que se compõe, e as muitas luzes que já possui [1].

Noutro giro, atualmente o júri é disciplinado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, inserido no Capítulo Dos Direitos e Garantias Individuais, que se caracterizam pelo caráter nucleico intangível, não podendo ser suprimidos sequer por emendas constitucionais, sob o fim de aumentar o direito de defesa dos acusados, em uma perspectiva minimalista, por prática de crimes dolosos contra a vida. Quanto ao júri, dispõe a CF/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida [2]; (grifo nosso).

Destarte, a Constituição reconhece a instituição do júri, com organização a ser oferecida por lei complementar, assegurando-lhe a plenitude de defesa; o sigilo das votações; a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida. Tais características merecem uma análise mais detida a partir deste ponto, tendo em vista que a soberania dos veredictos se apresenta como ponto capital da presente pesquisa. No que se refere à plenitude de defesa, tem-se que:

A plenitude de defesa implica no exercício da defesa em um grau ainda maior do que a ampla defesa. Defesa plena, sem dúvida, é uma expressão mais intensa e mais abrangente do que defesa ampla. Compreende dois aspectos: primeiro, o pleno exercício da defesa técnica, por parte do profissional habilitado, o qual não precisará restringir-se a uma atuação exclusivamente técnica, podendo também servir-se de argumentação extrajurídica, invocando razões de ordem social, emocional, de política criminal, etc. Esta defesa deve ser fiscalizada pelo juiz-presidente, o qual poderá até dissolver o conselho de sentença e declarar o réu indefeso (art. 497, V [CPP]), quando entender ineficiente a atuação do defensor [3].

Ressaltar-se-á que o exercício da autodefesa se firmou pelo direito de apresentação da proposição para debater por parte do próprio réu, no ato da interrogação, de modo que venha a descrever ao juiz togado a versão dos fatos que entender ser mais benéfica para a concretização de sua defesa. Frisa-se que, ainda que o defensor apresente outra versão do crime, o juiz se obriga a incluir a tese do acusado em respeito ao princípio constitucional da plenitude de defesa, sob pena de nulidade. Quanto ao sigilo nas votações:

É princípio informador específico do júri, a ele não se aplicando o disposto no art. 93, IX, CF, que trata do princípio da publicidade das decisões do Poder Judiciário. Assim, conforme já decidiu o STF, não existe inconstitucionalidade alguma nos dispositivos que tratam da sala secreta (arts. 476 480 e 481). Quando a decisão se dá por unanimidade de votos, quebra-se esse sigilo, pois sabem que os sete jurados votaram naquele sentido. Por esta razão, há que sustente que deva a votação do quesito ser interrompida assim que surgir o quarto voto idêntico (sendo apenas sete os jurados, não haveria como ser modificado o destino daquele quesito) [4].(grifo nosso).

No tangente à soberania dos veredictos, mister se faz a seguinte observação, que por sua vez engendrará a análise central do presente trabalho:

Implica a impossibilidade de o tribunal técnico modificar a decisão dos jurados pelo mérito. Trata-se de princípio relativo, pois no caso da apelação das decisões do júri por mérito (art. 593, III, d) o Tribunal pode anular o julgamento e determinar a realização de um novo, se entender que a decisão dos jurados afrontou manifestamente a prova dos autos. Além disso, na revisão criminal, a mitigação desse princípio é ainda maior, porque o réu condenado definitivamente pode até ser absolvido pelo tribunal revisor, caso a decisão seja arbitrária. Não há anulação nesse caso, mas absolvição, isto é, modificação direta do mérito da decisão dos jurados. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Tratando-se de decisão do júri, a revisão é pertinente, quando a decisão se ofereça manifestamente contrária à prova dos autos, de forma dupla. Primeiro, porque o veredicto do júri, por se revestir de garantia constitucional da soberania, só poderá ser anulado, quando proferido de forma arbitrária, absolutamente distorcida da prova. Segundo, porque a própria natureza da revisão sempre pressupõe decisão manifestamente contrária à evidência dos autos [5].” (grifo nosso).

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Posto isso, considerar-se-á que a soberania do júri se trata de um princípio constitucional que pode ser alvo de variações em conformidade ao seu caráter relativo, face à impossibilidade de obstar o princípio da verdade real, como norteador do processo penal.


Notas

  1. MARQUES, José Frederico. Elementos do direito processual penal, v.4, 2ª ed. Campinas – São Paulo: Millennium, 2000, p. 117.

  2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 30 jul. 2019.

  3. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, 2006. p. 637. 4 Ibid. p. 638.

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