O projeto de lei n° 600/2019 prevê alterações no Código de Trânsito Brasileiro (o “CTB”), a fim de suprimir a substituição da pena nos crimes previstos no §3º do art. 302 e no §2º do art. 303 do referido código.
A legislação atual admite a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, chamadas também de penas alternativas, conforme a regulação do art. 44 do Código Penal.
A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é possível, dentre outros requisitos, quando a pena privativa de liberdade não for superior a 4 anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo.
Para incidir em um crime culposo o agente deve desenvolver uma conduta voluntária (livremente praticada, sem qualquer coação), abstendo-se do dever de cuidado objetivo (regras básicas, uniformes e gerais de atenção e cautela) e, com isso, produzir um resultado danoso involuntário (o resultado causado jamais pode ser decorrência da vontade do autor), conforme bem preconiza a melhor doutrina.
Esse resultado deve ser previsível (possível de ser visualizado pelo agente, antes da prática da conduta), típico (expressamente previsto em lei, pois somente se pune a culpa se constar do tipo) e ligado por nexo causal ao comportamento do agente.
Dessa forma, os tribunais de justiça vêm decidindo pela substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ainda que o agente pratique homicídio ou lesão corporal culposa na direção de veículo automotor.
Para coibir esse posicionamento foi apresentado ao Poder Legislativo projeto que prevê a alteração do Código de Trânsito Brasileiro, a fim de acrescentar o seguinte dispositivo: “Art. 312-B. Aos crimes previstos no §3º do art. 302 e no §2º do art. 303 deste Código, não se aplica o disposto no inciso I do art. 44 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940”.
A justificativa apresentada pelo Senador Fabiano Contarato, autor do projeto, são as altas taxas de mortes decorrentes de acidentes de trânsito, uma vez que, segundo dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde, aproximadamente 1,25 milhão de pessoas morrem todos os anos vítimas de acidentes de trânsito, sendo esta a principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos.
A aplicabilidade das penas restritivas de direitos, segundo Fabiano, traz impunidade, pois o resultado morte é extremamente gravoso, e causa, para a família da vítima, uma perda imensurável.
É certo que a morte ou a lesão grave decorrente de um crime devem ser tratadas de forma rigorosa; contudo, estudos demonstram que agravar a pena, apenas, não reduz a criminalidade.
A supressão do direito à substituição da pena privativa de liberdade nos crimes culposos na direção de veículo automotor não trará efetiva solução à questão, e também irá acentuar o problema da superlotação dos estabelecimentos prisionais, sistema que não consegue minimamente preservar o direito à dignidade da pessoa humana.
As contradições de iniciativas legislativas e governamentais, contudo, chamam a atenção. Se, por um lado, quer-se endurecer a punição, por outro, há medidas no sentido de ampliar o limite de velocidade, reduzir pardais móveis e acabar com a obrigatoriedade do uso de cadeiras de segurança para crianças.
Trabalha-se com a lógica inversa: mais rigor na punição e afrouxamento na “prevenção”.
Quem sabe não se consegue trabalhar de forma mais linear? Fortalecer trabalhos de prevenção. Depois, caso esse trabalho permanente não conseguisse reduzir as mortes, aí sim se pensaria no endurecimento da pena.