O CÓDIGO PENAL DE 1969
Rogério Tadeu Romano
O Código Penal de 1969, na verdade, não foi adiante.
A substituição do Código Penal de 1940 foi tentada pelo Decreto-lei n° 1.004, de 21 de outubro de 1969, mas as críticas foram tão grandes que foi ele modificado substancialmente pela Lei n° 6.016, de 31 de dezembro de 1973. Apesar de vários adiamentos para o começo de sua vigência foi revogado pela Lei n° 6.578, de 11 de outubro de 1978.
Era previsto para entrar em vigência em 1970.
Era chamado de Código Hungria, pelas lições ali hauridas do grande Nelson Hungria.
Destaco alguns pontos daquele Código:
- Tentativa: Na punição por tentativa manteve-se o critério da redução da pena, de um a dois terços como regra geral. Todavia, nos casos de gravidade excepcional, observada a lição de Costa e Silva(Código Penal, 1943, pág. 89), jurista importante no primeiro Código Penal da República, em 1890, permitiu-se a aplicação da pena prevista para o crime consumado. Assim se o agente querendo matar, inutiliza a vítima, tornando-a, por exemplo, cega e paralítica, merece a pena do crime consumado.
- Na definição da culpa stricto sensu, abandonou-se o critério do Código Penal de 1940. A ilicitude nos crimes culposos surge pela discrepância entre a conduta observada e as exigências do ordenamento jurídico. A culpa, a ser observada, está em função da reprovabilidade e da observância por parte do agente, nas circunstâncias em que se encontrava, do cuidado exigido, da diligência ordinária;
- Estado de necessidade: Ao lado da necessidade que exclui a culpa(que o anteprojeto do Código de 1969 denominava de inexigibilidade de outra conduta) aparece o estado de necessidade que exclui a ilicitude. Pressupõe o primeiro a ação antijurídica e só tem cabimento quando for inaplicável o segundo. O estado de necessidade que exclui a conduta somente se configura quando o mal causado pela sua natureza e importância é consideravelmente inferior ao mal evitado. Fora daí o Código de 1969 inscrevia que a situação de necessidade podia conduzir à exclusão da culpa, quando o bem a salvar seja do próprio agente ou de pessoa a quem ele estivesse ligado por estreitas ligações de parentesco ou afeição. Em favor dessa última fórmula, foi abandonado o critério restrito do anteprojeto em sua formulação original(parente em linha reta, irmão ou cônjuge). A conduta deixa de ser reprovável quando inexigível comportamento diverso, o que haverá de ocorrer sempre em situações excepcionais;
- Maioridade: Foi mantido, em regra geral, o limite de 18 anos. Mas, de forma excepcional, podia ser declarado inimputável o menor de 16 a 18 anos. Observe-se que o VI Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, reunido em Roma, em 1953, fixou o limite de 16 anos;
- Das penas: Manteve-se o sistema de dupla pena privativa de liberdade(reclusão e detenção). Não foi aceita a sugestão do Anteprojeto no sentido de elevar a pena privativa de reclusão, que acabou mantida em 30 anos. O máximo da detenção foi fixada em 10 anos. O projeto acolheu, dando a devida discricionariedade ao juiz, o critério de penas substitutivas. No caso de semi-imputáveis, a pena pode ser substituída por medida de segurança detentiva. A reclusão podia ser substituída pela pena de detenção, e esta pela de multa, vedada, entretanto, a dupla substituição. A pena de reclusão não superior a dois anos, poderia ser substituída pela de detenção, desde que o réu fosse primário e de bons antecedentes e tivesse realizado o ressarcimento do dano antes da sentença condenatória. A pena de detenção não superior a seis meses poderia ser substituída pela pena de multa, nas mesmas condições. Em ambos os casos tratava-se de pena imposta e não de pena cominada ao crime. A substituição poderia se dar quando o juiz considerasse que a pena menos grave fosse bastante como advertência e justa retribuição pelo malefício praticado. A substituição da pena de reclusão para a de detenção permitia que o juiz concedesse a substituição condicional da pena, se julgasse conveniente;
- Prisões abertas: O projeto permitia que as prisões em regime de reclusão ou de detenção poderiam ser cumpridas em estabelecimento penal aberto, sob o regime de semiliberdade e confiança;
- Reincidência: entre as agravantes firmava-se a reincidência. Foi eliminado o que se chamava de reincidência específica. Não se consideravam para efeito de reincidência os crimes militares e políticos. Igualmente, não se consideraram os anistiados;
- Criminosos habituais: elimina-se a medida de segurança para os imputáveis. A habitualidade seria considerada presumida e o criminoso reincide pela segunda vez na prática de crime doloso da mesma natureza, punível com a pena privativa de liberdade, em período de tempo não superior a cinco anos, descontado o que se refere ao cumprimento de pena. Reincidir pela segunda vez é praticar um terceiro crime. Nesse caso a lei presume a habitualidade. A habitualidade poderia ser reconhecida pelo juiz, se embora, sem condenação anterior, em período de tempo não superior a cinco anos, comete crimes da mesma natureza, puníveis com pena privativa de liberdade e demonstra por suas condições de vida acentuada inclinação para tais crimes. Com tal pena, transfere-se a individualização para o momento posterior à sentença, considerando-se a impossibilidade de determinar, rigorosamente, a medida de culpabilidade do agente e o momento em que estarão atingidas as exigências da retribuição e da reparação, incluindo a recuperação social do delinquente, que deve realizar-se por via judicial, como ensinou Eduardo Correia(Código Penal, Projeto da Parte Geral, 1963, pág. 57). Mas não se trata de uma pena de segurança. Importante ressaltar que, no Projeto, tinha-se que se o criminoso fosse habitual ou por tendência, a pena aplicável seria por prazo indeterminado. A duração mínima dessa pena(que não pode, em caso algum, ser inferior a três anos) é a pena fixada pelo juiz para infração penal que estaria sendo julgada;
- Art. 58. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I - ser o agente menor de vinte e um ou maior de setenta anos;
II - ser meritório seu comportamento anterior;
III - ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria de crime ignorada ou imputada a outrem;
e) cometido o crime sob a influência da multidão em tumulto, se, ilícita a reunião, não provocou o tumulto.
- Livramento condicional: Reduziu-se para 2 anos o limite da pena permitida para tal benefício.
- O perdão judicial foi acrescentado entre as causas de extinção da punibilidade;
- Prescrição: em matéria de prescrição o projeto eliminou a prescrição pela pena em concreto, estabelecendo que depois da sentença condenatória, de que somente o réu tenha recorrido, ela se regula, ainda, daí por diante, pela pena imposta.
Destaco ainda:
Fundamentação da medida da pena
Art. 55. Na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
Circunstâncias agravantes
Art. 56. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não integrantes ou qualificados do crime:
I - a reincidência;
II - ter o agente cometido o crime:
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
c) depois de embriagar-se propositadamente para cometê-lo;
d) à traição, de emboscada, com surpresa, ou mediante outro recurso insidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima;
e) com emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo ou qualquer outro meio dissimulado ou cruel ou de que podia resultar perigo comum;
f) mediante paga ou promessa de recompensa;
g) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
h) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade;
i) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
j) contra criança, velho ou enfermo;
l) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
m) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou desgraça particular do ofendido. (Circunstâncias agravantes)
Apresentou inovações de relevo: algumas impostas pelos fatos da vida, a exigirem sua previsão e adequação jurídicas, v .g ., o “furto de uso” (art. 166), a “atuação abusiva de instituição financeira” (art. 193), a “ofensa à pessoa jurídica” (art. 131), a “chantagem” (art. 171), a “fraude em jogo desportivo ou competição” (art. 185), a “embriaguez ao volante” (art. 289), o “abuso de radiação” (art. 281), o “peculato de uso” (art. 350), etc.; outras trazidas pela evolução dos conceitos jurídico-penais, trabalhados pela dogmática e filtrados pela jurisprudência, refletidos no melhor disciplinamento de institutos tradicionais como o “erro de direito” (art. 20), a “reincidência” (art. 57), o “concurso de crimes” (art. 65), o “excesso” na legítima defesa (art. 29, § l 9), etc.; outras, ainda, que defluem da exigência da “política criminal”, com as novas formulações dos institutos do “livramento condicional” (art. 75 e seguintes), da “suspensão condicional da pena” (art. 71 e seguintes), da “reabilitação” (art. 117 e seguintes), etc.; finalmente, aquelas que foram simplesmente incorporadas de leis extravagantes, como a “usura” (art. 195), a “fraude contra o fisco” (art. 376), etc.
Observem-se algumas censuras que foram feitas ao projeto.
Relativamente à parte especial, cinco inovações, dentre outras, merecem particular consideração, a saber;. — defeituosa, parece-nos, a solução dada ao “infanticídio”, pela substituição, no perfil legal, do “estado puerperal” pelo “motivo de honra”, sobremodo porque o Código já prevê, como entidade privilegiada, o aborto honoris causa. Se a mulher se sente desonrada diante de uma gravidez não desejada, por que aguardar o parto? A formulação do art. 122 oportuniza a prática de injustiça no tratamento da mulher que mate o próprio filho levada por perturbação fisio-psíquica (hipótese do art. 22, § único do Código vigente) e a que faça por motivo de honra, eis que a primeira não goza mais do “privilégio” que à segunda se concede. O melhor que poderá suceder àquela é ser condenada por homicídio com pena diminuída (art. 31, § único);. — o condicionamento da ação penal à “representação” do ofendido na hipótese de “lesão corporal leve” ou “culposa” merece encómios pelo desafogo que trará aos Cartórios policiais e judiciais e pela legalização do procedimento irregular — principalmente na hipótese de lesões culposas — consistente no arquivamento de inquéritos quando a vítima a isso assentia;. — o “furto de uso”, configurado como entidade privilegiada em relação ao furto comum e já contemplado em Códigos antigos, é disposição altamente louvável, não apenas como medida repressiva, mas, também, pela distinção que autoriza fazer entre os autores do furto tout court e do furto para uso momentâneo, colocados, ultimamente, em reiteradas decisões, em pé de igualdade, pela necessidade de repressão;— a coibição do abuso na utilização de veículos e coisas (oficiais), a que tem sido impotentes as administrações, impunha-se como medida moralizadora, sendo, assim, elogiável a configuração, como crime, do “peculato de uso” ;— aspecto importante do novo diploma reside no aumento das medidas de repressão ao impropriamente denominado “crime do automóvel” . Estão previstos como entidades autônomas a “embriaguez ao volante” (art. 289), o “perigo resultante de violação de regra de trânsito” (art. 290), e a “fuga após acidente, com abandono da vítima” (art. 291) .