1. INTRODUÇÃO
A redução da maioridade penal permeia as discussões em todo o meio jurídico brasileiro. Logo, necessário é fomentar tais discussões através de congressos, fóruns, resumos e artigos científicos. Com a recente aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93 na Câmara dos Deputados, as discussões se tornam ainda mais necessárias, devendo haver uma análise de excelência científica e a necessária cautela para fazer tais alterações.
Utilizando o método de abordagem dedutivo, considerando que o artigo parte de uma análise geral para, posteriormente, tratar da redução da maioridade penal, e o método de procedimento histórico, pois através da história é possível um maior entendimento acerca do tema abordado, percebe – se que a análise da maioridade penal requer um olhar sob a luz de princípios penais e constitucionais.
Deve-se ressaltar, ainda, que a maioridade penal deve ser analisada não apenas sob o aspecto jurídico. É necessário levar em consideração os aspectos sociais na consideração de tal mudança, verificando se não se trata de mais uma solução ilusória e utópica, que vá cercear muito a liberdade sem trazer os resultados pretendidos.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO MENORISTA NO BRASIL
O modelo atual de direitos e garantias a criança e adolescentes é fruto de uma grande evolução no sistema jurídico. Durante muito tempo, crianças e adolescentes eram tratados como adultos em miniatura e foram adotadas as mesmas regras aplicadas aos adultos, sem qualquer tipo de diferenciação ou proteção específica. (TELES; LIMA, p. 1).
2.1 Doutrina da distinção do Direito Penal do menor
O Brasil, por séculos ficou submetido às leis de Portugal. Eram compilados das leis portuguesas, as Ordenações do Reino, nas quais não haviam dissociação entre império e religião. Cabia à Igreja amparar as crianças. (TELES; LIMA, p. 2).
Com as Ordenações Filipinas que vigeram entre 1603 a 1830, apenas crianças com menos de 7 anos eram inimputáveis, os absolutamente incapazes e com ações equiparadas a de animais, de 7 a 17 anos as normas previam que não podia ser aplicado pena de morte aos menores, e, de 17 a 20 anos, a única garantia prevista era a diminuição da pena em um terço, assim, todas as outras penas previstas poderiam ser investidas, não havendo equilíbrio na aplicação dessas. (TELES; LIMA, p. 3).
Com o advento da independência em 1822, surgiram movimentos liberais e revoluções que clamavam por mudança na legislação penal e em 1830 passou a viger o primeiro e único Código Criminal do Brasil, que elevou a menoridade penal de 7 para 14 anos; e aplicação da pena de morte passou a ser a partir dos 17 anos. Introduziu, também, nesse código, a competência do discernimento e maturidade dos menores.
Já no período republicano, em 1890, surge o Código Penal republicano, pelo Decreto n.º 847, que mantinha o critério de discernimento e maturidade, mas retrocedeu ao diminuir a menoridade penal de 14 para 9 anos. Esse Código inovou ao classificar biologicamente as fases da infância e adolescência: infância até os 9 anos, de 9 a 14 anos, impuberdade; de 14 a 21 anos incompletos, seria a menoridade e; a partir dos 21 anos completos, a maioridade. (BRASIL. Código Penal, 1890).
Em 1921, com a lei nº 4.242, o Código Penal Republicano foi alvo de mudanças significativas referente à responsabilidade criminal, estabelecendo a imputabilidade aos menores de 14 anos e incentivo a criação programas e medidas de assistência a menores apresentando progressos no apoio à infância. (TELES; LIMA, p. 4).
2.2 Doutrina da situação irregular
No início do século XX, com a urbanização rápida e desordenada das cidades, surge debate acerca do problema da criminalidade infanto-juvenil. Nesse período o legislador buscava, através da imposição de leis, abarcar soluções e concomitantemente a repressão da criminalidade. A legislação penal brasileira nessa época foi feita baseada na norte-americana, sendo esse país o primeiro a tratar de leis específicas para menores infratores e reproduzida em vários outros países, como, Argentina (1921), México (1927), Brasil (1923), entre outros. (TELES e LIMA, p. 3).
Já em âmbito internacional, em 1911, foi realizado em Paris, o Congresso Internacional de Menores e a Declaração de Gênova de Direitos da Criança, aderida pela Liga das Nações 1924, de fundamental valor, pois, eram os primeiros dispositivos internacionais que tratavam e reconheciam os direitos da criança.
No Brasil, em 1923, surgiu o Juízo de Menores, em que José Cândido de Albuquerque Mello Matos se torna primeiro juiz de menores da América Latina, sendo ele mesmo o primeiro a redigir um código específico que trataria dos direitos das crianças. Em 1927, pelo Decreto n.º 17943-A, foi aprovado o Código de Menores do Brasil, ou como ficou conhecido, o Código de Menores Mello de Matos. (TELES; LIMA, p. 5).
O código trouxe, de maneira sintetizada e aperfeiçoada, leis e decretos que propunham, de forma legal, atenção especial à criança e ao adolescente.
Apesar do avanço, o código não apresentava matéria disciplinadora da infância. Crianças e adolescentes eram tidas como objetos.
O código havia sido redigido, na realidade, devido aumento de crimes realizados por menores e pretendia regularizar a situação em que país se encontrava. Surge assim a doutrina da situação irregular. (TELES; LIMA, p. 5).
A situação irregular poderia derivar da conduta pessoal, da família ou da sociedade. Ainda se subdividiam, de acordo com a situação social, em regular, sendo aqueles menores que detinham os direitos garantidos e irregular os marginalizados, sendo esses os objetos do referido código.
O Código de Menores, apesar de marcado pelo teor discriminatório, foi primeiro a disciplinar sobre a os direitos relativos à infância. Nessa época foram criadas casas de acolhimento de menor para internação dos mesmos, casas essas que não recebiam nenhum auxílio estatal. Posteriormente, na Era Vargas foi criada a SAM (Serviço Assistencial de Menores), cuja finalidade era apoio assistencial e psicopedagogo, mas não vingou. (TELES; LIMA, p. 6).
Em 1940, com a criação do novo Código Penal, iniciou-se um novo ciclo no que diz respeito a inimputabilidade penal no direito brasileiro. Pelo critério biológico, apenas maiores de 18 anos são agentes capazes de punição. Os menores estariam sob legislação específica. Previa ainda, que aqueles maiores de 18 e menores de 21 anos teriam redução do prazo prescricional e atenuação da pena. (BRASIL, 1940).
Pela Lei de Emergência de 1943 (Decreto-lei n.º 6.026), surgiu o preceito de Periculosidade, e através dele, menores de 18 e maiores de 14 anos responderiam pelas condutas ilícitas de acordo com a periculosidade apresentada à sociedade.
No regime militar, o governo instituiu a PNBEM (Política Nacional de Bem-estar do Menor) e como ramificações, criou-se FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor), substitutiva do SAM e FEBEM (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), na qual se executavam as novas medidas inseridas pelo regime. (TELES; LIMA, p. 8).
Ainda no período do regime militar, em 1979, surgiu, pelo Decreto-lei n.º 6.697, o novo Código de Menores, que distinguia pouco do anterior, e ainda seguia a doutrina da situação irregular e legitimava a intervenção estatal sobre jovens que segundo a legislação estivessem em situação irregular. (TELES; LIMA, p. 8).
Em 1924, o Código Penal sofreu novas alterações estéticas, de nomenclatura e localização textual. Desse momento, os menores de 18 anos passaram a ser considerados penalmente inimputáveis, redação esta que pode ser encontrada no Artigo 27 do Código Penal de 1940.
2.3 Doutrina da proteção integral
O cenário internacional, desde o começo do século XX, foi palco de grandes mudanças no que se refere ao direitos das crianças e adolescentes, sendo estas: Declaração de Genebra, 1924, que visava prestar proteção especial independente de raça, cultura ou nacionalidade das crianças; Declaração Universal de Direitos do Homem em 1948; o Pacto de São José da Costa Rica de 1960 e; a Declaração dos Direitos da Criança de 1959, que previa à criança uma infância feliz e pleno gozo em seu próprio benefício dos direitos e das liberdades.
No Brasil, com a volta da democracia, em 1988 é promulgada a nova Constituição da República Federativa do Brasil, (CRFB), repletas de dispositivos que visavam os direitos e garantias pueris, com destaque para o Artigo 227 da CRFB:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).
Por conseguinte, em 1989, o Brasil adere a Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, através do Decreto 99.710/1990, que objetivava defesa e cuidados para com os direitos conferidos às crianças.
Em 13 de julho de 1990 foi sancionada a lei 8.069, titulada como Estatuto da Criança do Adolescente (ECA), cujo princípio fundamental é a proteção integral das crianças e adolescentes do país, inexistido distinção social, econômica ou cultural entre eles, como trata o Artigo 3º:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990).
No ECA estão definidas questões acerca dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes; as sanções, quando há prática de ato ilícito; os órgãos assistenciais; e a tipificação de crime contra criança.
Ao deparar com essa doutrina é possível perceber que as crianças e adolescentes deixam de ser tratadas como objetos, como na doutrina da situação irregular, e passam a ter o real amparo e proteção do Estado. As normas que que versam sobre tais direitos passam a concebê-los como cidadãos plenos, sujeitos à proteção prioritária, assegurando o desenvolvimento físico, moral e psicológico.
Por fim, a doutrina da proteção integral não se limita a amparar apenas crianças e adolescentes que se encontram situação irregular, mas sim, a todos sem distinção, colocando-os como sujeitos de direitos e dignos de respeito. Essa doutrina também é marcada pelo seu caráter democrático que permeia os processos de construção e proteção dos direitos à infância e adolescência. (TELES; LIMA, p. 11).
3. CONCEITO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE
Existem diferentes conceitos de criança e adolescente para diferentes épocas no ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, necessário é que haja o esclarecimento do conceito atualmente adotado pelo Direito Brasileiro, a fim de que se possa compreender quais os critérios utilizados para a sua definição, bem como as suas características. Corrobora – se todo esse esclarecimento para a retirada de qualquer conhecimento prévio forjado pelo senso comum que possa obstruir o entendimento científico do artigo.
Definido anteriormente pela Convenção Internacional de Direitos da Criança de 1889, criança seria todo ser humano com menos de dezoito anos. Posteriormente, em 1990, o artigo segundo do ECA: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. ” Percebe – se assim, a preferência do tratado e do ECA pelo fator biológico para a definição de criança e adolescente, carácter que em outras épocas da legislação brasileira fora diferente, como já explicado anteriormente.
Na maioria dos casos, tanto a criança como o adolescente gozam dos mesmos direitos. Entretanto, ressalta – se que na ocorrência de delitos ou contravenções penais, o tratamento tende a diferenciar. Tratando – se de uma criança infratora, as medidas impostas são mais restritas, relativas à sua comunidade e sua família, evitando – se a pena restritiva de liberdade. Tal tratamento, são apenas medidas de proteção, e, quando se referir à criança, somente poderá ensejar os processos previstos no artigo 101 do ECA, o qual define as medidas a serem tomadas em seus incisos:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar [...]. (BRASIL, 1990).
Já com relação aos atos infracionais praticados por adolescentes, além da aplicação dos dispositivos de proteção previstos no artigo 101 do ECA, são também cabíveis as medidas socioeducativas dispostas no artigo 112 do mesmo Estatuto, o qual versa:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. (BRASIL, 1990).
Dessa forma, verifica – se que a lei brasileira não adotou a diferenciação do conceito de criança e adolescente por mera formalidade. Existem, claramente, casos em que haverá diferenciação entre medidas aplicadas as crianças e medidas aplicadas aos adolescentes. Logo, percebe – se que a lei já menciona uma concreta diferenciação entre crianças e adolescentes dentro de seu próprio Estatuto. Argumenta – se, por fim, que querer não diferenciar ou restringir tal diferenciação entre crianças e adolescentes dos adultos, no tratamento penal, é um total desvio dos princípios já adotados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, tornando – se a redução da maioridade penal, em tal ótica, inviável.
4.QUESTÃO SOCIAL
Percebe-se que a criminalidade no Brasil é decorrência da desigualdade socioeconômica experimentada ao longo da nossa história. Segundo Karam grande parte dos presidiários brasileiros são classificados como absolutamente pobres, mostrando a ineficácia do sistema punitivo, a exata medida que cria diferenças abissais entre réus ricos e pobres (KARAM, 1993). Ferreira frisa em seu artigo: A estrutura do sistema prisional brasileiro frente aos objetivos da teoria da pena, a necessária adoção, por parte do Estado, de políticas públicas que visem solucionar problemas estruturais na origem do problema, mas isso não soa conveniente aos governantes, haja vista que não proporciona o retorno político esperado (FERREIRA, 2012).
São usados diversos elementos por aqueles que são a favor da redução da maioridade penal. Segundo uma pesquisa feita pelo promotor de justiça Murillo José Digiácomo, alguns dos elementos que se usam são, o grande número de crimes cometidos pelos jovens, a “imunidade” que esses jovens têm perante a justiça, a diminuição da violência no país caso os menores de idade “respondessem por seus atos”. Ressalta-se que em sua maioria esses aspectos são mitos criados por uma parcela da sociedade que é conservadora, apontando o dedo para os atos criminosos dos menores, deixando de compreender os aspectos sociais, financeiros e psicológicos que perpassam por esses jovens, e sobrepujam a imensa corrupção e descaso do poder público em investir em uma educação de qualidade, na estruturação de escolas e órgãos públicos ligados à educação e ao cumprimento dos objetivos traçados pelo art. 205, da CRFB/1988 “[...] O pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua classificação para o trabalho”. (DIGIÁCOMO, 2009).
Ocorre que os atos infracionais cometidos por menores de idade ganham amplo destaque nos noticiários, e com isso há a impressão de que esta é uma prática comum, e que assim devem ser punidos a rigor como se fossem psicologicamente adultos. Leva-se ainda, em consideração a falsa ideia da atual impunidade da justiça, o que é inverídico. Uma alusão advinda de forma discriminatória, mesmo considerando casos polêmicos, porém específicos em função do tempo. Reale Júnior afirma que:
Os adolescentes são muito mais que vítimas de crimes do que autores, contribuindo este fato para a queda da expectativa de vida no Brasil, pois se existe um “risco Brasil” este reside na violência da periferia das grandes e médias cidades. Dado impressionante é o de que 65% dos infratores vivem em família desorganizada, junto com a mãe abandonada pelo marido, que por vezes tem filhos de outras uniões também desfeitas e luta para dar sobrevivência à sua prole. (REALE JÚNIOR, 2009).
O clamor popular por aumento da severidade penal, do aumento de penas como resposta por tamanha violência vivida nos dias atuais não pode ser o pensamento geral, sendo que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, que deve prezar por garantias e liberdades individuais construídas há séculos pela legislação brasileira. Ainda segundo Digiácomo, em seu artigo “Redução da idade penal, solução ou ilusão? ”, está mais que provado que a punição pura e simples, bem como a quantidade de pena prevista ou imposta, mesmo para o adulto, não é um fator de diminuição da violência. Um exemplo claro é dado pela chamada “Lei dos Crimes Hediondos” (lei nº 8.072/90), que através de um tratamento mais rigoroso com os autores de tais infrações, pretendia diminuir sua incidência. Ocorre que nunca foram praticados tantos crimes hediondos como atualmente, estando as penitenciárias do país mais abarrotadas de indivíduos do que nunca. (DIGIÁCOMO, 2009).
São numerosos os fatores que provam que a redução da maioridade penal não é o caminho a ser seguido para colocar fim à criminalidade entre os jovens, mais especificamente entre os menores de idade, a redução nada mais é que uma ilusão, e não uma solução. A real solução é modificar a raiz do problema e não o seu resultado. É necessário, por parte do governo, o investimento em educação, abrangendo toda uma situação que cada dia se agrava no país. A grande culpa é de esquemas de políticos que mais buscam o fortalecimento do próprio sistema do que o melhoramento da educação brasileira. Faltam investimentos no núcleo do problema, se os jovens são, em sua maioria, moradores de comunidades carentes, é dever dos governantes o investimento em políticas que melhorarão a educação em tais comunidades, em programas sociais que incorporem não só o jovem, mas toda a sua família.
Gomes diz que a criança e adlescente que atualmente ingressa no mundo do crime perde mais do que sua própria liberdade, perde sua infância e seus sonhos, vive num mundo sem destino. Nesse sentido cria-se um ciclo onde ingressa no vício como algo normal, encara o mundo do crime, depara-se com a prisão considerada centro de internação para menores e muitas vezes acaba com a morte, num sistema prisional falho. A redução da idade penal do menor pode representar um retrocesso ao processo civilizatório e de desenvolvimento quanto à defesa, garantia e promoção do direito dos jovens no Brasil. Não se pode enfrentar o problema aumentando a repressão (GOMES, 2013). Um sistema socioeconômico historicamente desigual e violento só pode gerar mais violência. Segundo o defensor público Balsamão:
Contraditoriamente, nos dias atuais, em que a humanidade desfruta do maior desenvolvimento científico, pretende-se adotar o retrocesso, fundado principalmente no medo da violência e sensação de impunidade. Ao invés de atacar a causa, atua-se sobre o efeito. De nada adiantará atacar o efeito da desigualdade social, a decantada delinquência juvenil, por meio da pretendida redução da maioridade penal. (BALSAMÃO, 2015).
Cabe ao Estado oferecer dois papéis clássicos para melhoria de qualidade de vida desses jovens, estrutura e oportunidades para os adolescentes brasileiros. É, acima de tudo, um problema social. Assim, faz-se necessário o investimento em políticas sociais que ajam na causa do problema, construindo perfis de cidadãos entre os jovens, garantia fundamental que lhes é negada a cada dia.
5. IMPUTABILIDADE E MENORIDADE
5.1 Imputabilidade
A pena pode ser considerada como sendo a comunicação que o Estado faz à sociedade anunciando que existe uma consequência para aqueles que cometem infrações penais. Essa comunicação tem o objetivo de estimular as pessoas a se manterem dentro do marco legal, ou seja, a não cometerem infrações penais. Trata-se da conhecida função preventiva geral da pena. Para que ela se realize, é preciso que os destinatários da mensagem legal possam compreendê-la e, mais do que isso, pautar sua conduta nos termos dessa compreensão. Assim, somente pode sofrer sanção penal aquele que compreende a ilicitude do fato que praticou e, mesmo assim, escolheu praticá-lo. (MOREIRA, 2008).
Portanto, são imputáveis aqueles que têm consciência (da ilicitude do fato) e vontade (possibilidade de escolher entre praticar ou não o ato). Imputabilidade é a capacidade atribuída a alguém de ser responsabilizado penalmente pela infração penal cometida, e inimputabilidade é a ausência dessa capacidade. Difere da responsabilidade penal, que é a obrigação do criminoso de cumprir a pena cominada à infração penal que cometeu. (MOREIRA, 2008).
Os imputáveis que cometem crimes são sancionados com a pena, que tem caráter preventivo e retributivo (CP/1940, art. 59). Por sua vez, os imputáveis que praticam crimes recebem medida de segurança, que é um tratamento psiquiátrico realizado com o objetivo de diminuir a periculosidade do agente (arts. 96 a 99 CP/1940).
A imputabilidade é considerada como um dos elementos da culpabilidade, juntamente com a exigibilidade de conduta diversa e o conhecimento potencial da ilicitude. A culpabilidade, de acordo com a teoria finalista, é o juízo de reprovação que incide sobre aquele que praticou o fato típico e ilícito.
5.2 Menoridade.
O Artigo 27 do Código Penal dispõe que os menores de 18 anos são inimputáveis, sendo submetidos às regras da legislação especial. O art. 228 da CRFB/1988 tem dispositivo de semelhante teor. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) é a legislação especial que trata dos crimes e contravenções cometidos pelos menores (chamados de atos infracionais). O Estatuto considera como criança, o menor de 12 anos, e adolescente, o maior de 12 e menor de 18 anos.
Para as crianças que cometem atos infracionais, são previstas apenas medidas protetivas (art. 101 do ECA), como colocação em família substituta, abrigo em entidade e inclusão em programa de auxílio a alcoólatras e toxicômanos. Os adolescentes infratores são submetidos às medidas socioeducativas previstas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que vão desde a advertência até a internação em estabelecimento educacional.
Boa parte da doutrina explica a inimputabilidade dos menores de 18 anos como uma presunção absoluta da lei de que as pessoas, nessa faixa etária, têm desenvolvimento mental incompleto (critério biológico), por não haverem incorporado inteiramente as regras de convivência da sociedade. Tal argumento nunca foi comprovado pela ciência psiquiátrica. Ao contrário, a evolução da sociedade moderna tem possibilitado a compreensão cada vez mais precoce dos fatos da vida. Trata-se, na verdade, de uma ficção jurídica ditada por uma necessidade político-criminal: tratar os menores de acordo com sua específica condição etária e psicológica. É uma consequência do princípio da isonomia: os iguais devem ser tratados igualmente, e os desiguais, desigualmente. (SUZUKI, 2013).
Além disso, advogar a pura e simples diminuição da maioridade penal esbarra em dois seríssimos entraves: primeiramente, a previsão constitucional de inimputabilidade do menor de 18 anos é um direito individual do menor, sendo, portanto, cláusula pétrea que não pode ter seu alcance restringido, nos termos do art. 60, § 4°, IV da CRFB/1988. Em segundo lugar, deve se considerar também a total ineficácia dessa providência, pois os menores entre 12 e 17 anos recebem sanções da mesma natureza daquelas previstas no Código Penal. (MOREIRA, 2008).
A redução da maioridade penal, seria inviável ou inadmissível, por devido seu retrocesso na política criminal repressiva. A substituição da medida socioeducativa do menor, conforme preceitua no ECA, pela pena do adulto, constitui um retrocesso a política criminal reacionária, inadmissível no Estatuto Democrático de Direito. A pena está em crise, pois são conhecidos os males da instituição total por seu fator criminógeno: a desumanização do preso, a contaminação carcerária, a superpopulação prisional. (MOREIRA, 2008).
O projeto de diminuição da maioridade penal vai na contramão do que se almeja, atualmente, em termos de justiça. Busca-se a abolição da pena de prisão, para alguns delitos de menor gravidade e ofensa à sociedade, substituindo-a pelas chamadas penas alternativas.
6. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
6.1 Ponto de vista de doutrinadores favoráveis à redução da maioridade penal
O penalista Jesus defende que o Código Penal adotou o sistema biológico para a maioridade penal, sujeitando os menores de 18 anos à legislação especial (ECA). Cuida-se de presunção absoluta de inimputabilidade. Acatado o critério biológico, não é preciso que, em face da menoridade, o menor seja “inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Ele acredita que a menoridade, fator biológico, já é suficiente para criar a inimputabilidade. Não se admite prova em contrário. Como ter se casado ou ser um sábio. O limite de idade tem a seguinte regra: o dia do começo inclui-se no prazo. Assim, ele será considerado imputável a partir do primeiro momento dos 18 anos.
Sempre fui contra a redução da maioridade penal, de 18 anos de idade para 16, 14 ou 12 anos. Reconheço que o critério de maioridade adotado pela legislação brasileira, seja na Constituição Federal e no Código Penal, não leva à realidade. Hoje em dia, dizer que um menor que possui 18 anos menos alguns dias não sabe o que faz é absolutamente distante da realidade (JESUS, 2013).
Ele acredita que sob o aspecto técnico, poderia ser o caso de reduzir-se a maioridade, pois o critério biológico adotado pela legislação não corresponde à realidade. Entretanto, sob o prisma humano a redução viria a tornar-se uma tragédia, pois tendo em visa que a alteração da legislação não mudaria o quadro do sistema debilitado que o Brasil possui (JESUS, 2013).
Para Mirabete, o jovem de 16 (dezesseis) a 17 (dezessete) anos, de qualquer meio social, tem hoje amplo conhecimento do mundo e condições e discernimento para compreender a ilicitude de seus atos. No entanto, a redução do limite etário representaria um retrocesso na política penal e penitenciária, uma vez que jogaria esses jovens em um ambiente promíscuo, junto aos delinquentes verdadeiros. Para evitar tal inconveniente, o ECA prevê instrumentos eficazes para impedir a prática reiterada de ilícitos penais por menores de 18 (dezoito) anos. (FABBRINI; MIRABETE, 2013, p. 202).
6.2 Pontos de vista de doutrinadores contrários à redução da maioridade penal
Entre os penalistas contrários à redução está Edgard Magalhães Noronha, que na sua doutrina disserta também a respeito dos fatores que levam os menores a adentrarem na criminalidade. Partindo do art. 227 da CRFB/1988, que é dever de todos, Estado e Sociedade, assegurar os direitos da criança e do adolescente, Noronha afirma que:
Encontra-se o menor nessa fase que é a da formação do caráter. É ele amoldável e ajustável, sofrendo, por isso, a influência do ambiente em que vive. E, agora, ao invés da mão amiga que o ampare e conduza para o viver honesto e útil, é o exemplo de companheiro maior que irá influir sobre ele. (NORONHA, 1990, p. 172).
Noronha enfatiza a importância do ECA para regular o comportamento do menor no que diz respeito ao direito penal, e afirma que a colocação do menor abandonado, sempre que possível, em lar bem constituído é medida recomendável, por ser este ainda a melhor escola.
Não se pode abrir mão, entretanto, dos abrigos e educandários. O recolhimento do menor infrator é uma triste necessidade. Mas devem esses estabelecimentos ser o mais possível lar e escola. Imprescindível é a triagem, separando-se o infrator do abandonado, o pervertido do desvalido, a fim de que uns não contaminem os outros. [...] Predomina, hoje, entre os países, como regra, que o menor deve ficar do direito penal e que as leis, que o tiveram por objeto sejam de caráter tutelar. Não se trata de punição e sim de pedagogia corretiva. Não a pena, mas providência educacional. (NORONHA, 1990, p. 172).
Liberati também opina sobre o assunto:
[...] Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, por ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social à medida que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinquente, menor de 18 anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinquente adulto, expondo-o à contaminação carcerária. (LIBERATI, 2000, p. 23).
7. CONCLUSÃO
A criminalização do menor infrator no Brasil está longe de ser apenas um fato que abrange unicamente o direito penal, é uma anomia que está ligada desde o meio de desenvolvimento do indivíduo até as relações sociais que ele estabelece. Um devastador problema social que toma proporções preocupantes.
A redução da maioridade penal mostra-se uma medida de emergência para um problema social que cabe ao Estado, por lei, tomar providências para restaurar a integridade desses jovens e garantir a harmonia social. O ECA vige para solucionar os problemas que podem vir a acontecer em relação à criança e ao adolescente, sendo desnecessária a redução que em longo prazo só trará um nível alarmante de jovens já dentro do sistema carcerário, este que por sinal, não tem infraestrutura, com superlotações e um sistema que proporcione a reabilitação do preso para que, posteriormente, possa ser reintegrado na sociedade. Inserir crianças e adolescentes que ainda estão formando a sua personalidade num meio poluído desse, seria o mesmo que jogá–los numa escola do crime, onde só aprendem que seus direitos foram ignorados e são tratados como rés.
A solução ideal é o investimento nas políticas socioeducativas, assegurando o que é previsto no art. 227 da CRFB/1988. E no que diz respeito à imputabilidade do menor, deve seguir a legislação adequada ao caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, reintegrando o menor infrator na sociedade, o que vem a ser um caminho benéfico e com mais a ganhar a longo prazo.
8. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 17out. 2019.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm >Acesso em 17 out. 2019.
CALGARO, Fernanda; PASSARINHO, Nathália. Confira Argumentos de defensores e críticos da redução da idade penal, Brasília, 20 de agosto de 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/08/confira-argumentos-de-defensores-e-criticosda-reducao-da-idade-penal.html> Acesso em: 15 de outubro de 2015, às 20h50
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