A Oratória Forense e a Tribuna do Júri

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04/11/2019 às 15:30

Resumo:


  • O advogado deve ser trabalhador, estudioso e honesto para vencer na vida profissional.

  • A força moral é essencial para os advogados e cultores do Direito.

  • Além da cultura humanística, é importante que o advogado se abalance nas virtudes, como viver honestamente e não prejudicar ninguém.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

VII –    Além da cultura humanística, deve o advogado abalizar-se nas virtudes.

A trilogia de Justiniano, nas Institutas, ou os preceitos de Direito são: “Vivere honeste” (viver honestamente); “neminem laedere”(não prejudicar a ninguém); “suum cuique tribuere” (dar a cada um o que é seu).

A grande força do Advogado e dos cultores do Direito é a força moral.

Para vencer na vida profissional, deve o advogado ser trabalhador, estudioso e honesto!

Não é utopia, mas a realização do verdadeiro ideal do Advogado: com os pés firmes e resoluto, pisar a terra e, com as mãos, tentar alcançar as estrelas do céu!

Muito obrigado!

Nótula

A respeito do famoso drama judiciário de que foi protagonista certa mãe, acusada de homicídio — matara o próprio filho, no dia 24 de abril de 1931, por haver furtado um chapéu([13]) — e, afinal, julgadae absolvida pelo júri, em veredicto unânime, tendo-se encarregadode sua defesa o renomado criminalista Antônio Covello (Antônio Augusto de Covello Jr.), escreveu Humberto de Campos uma página imortal. Não posso menos de reproduzi-la aqui (adaptado o texto à ortografia oficial), numa como simples e justa homenagem a esses dois supremos artistas da palavra.

Mãe

O Tribunal do Júri absolveu ontem, por unanimidade, em São Paulo, uma senhora que matou, com um tiro de revólver, o próprio filho. Aglomerado à porta do templo da Justiça humana, o povo prestou uma grande e ruidosa homenagem à criminosa, conduzindo-a pelas ruas da cidade, entre aclamações entusiásticas. O assassinado era menor, e havia furtado um chapéu num clube de regatas. A mãe, temendo que seu filho se tornasse, pela vida adiante, um ladrão, correu a uma casa de armas, comprou uma “Smith & Wesson”, e meteu-lheuma bala na cabeça. Presa e julgada, foi absolvida. Absolvida, foi ovacionada, carregada em charola, glorificada pela multidão.

Eu não sei se, entre as pessoas que percorreram as ruas paulistas, justificando publicamente essa criminosa, havia mulheres, e se, entre as mulheres que lhe batiam palmas, havia alguma que fosse mãe. As noções da honra e da probidade devem ser profundas, na alma da mulher. Mais profundo deve ser, porém, no seu coração, o amor a seu filho. A mãe de Pausânias, correndo a auxiliar os éforos que muravam as portas do templo de Minerva, em Esparta, no qual se refugiara o famoso capitão acusado de traição à pátria, pode parecer admirável aos olhos dos historiadores e dos poetas antigos. Mais sublime é, porém, Níobe, tornada em rochedo, petrificada de dor, chorando surdamente os pedaços do coração que os deuses lhe tinham levado.

– Lembrai-vos de Abraão, senhora, dizia um sacerdote a uma piedosa dama genovesa que tinha nos braços o seu filho morto. Deus ordenou que ele matasse a Isaac pequenino, e a sua mão não tremeu ao erguer o punhal sobre o coração do inocente.

– Sim! respondeu a dama, inconsolável. Mas Deus deu essa ordem a Abraão, que era pai; não deu a Sara, que era mãe, porque sabia que não seria obedecido!

A senhora paulista que matou o filho, unicamente por temer que ele, furtando agora um chapéu, viesse a assaltar, mais tarde, uma chapelaria, foi, positivamente, precipitada no seu gesto e desumana na sua justiça. Nem sempre a criança, e mesmo o adolescente, leva para a idade adulta os hábitos maus de que se ressente. As virtudes definitivas nascem com as noções da responsabilidade. Um mau menino pode vir a ser um varão virtuoso. Uma criança exemplar degenera, muitas vezes, num indivíduo nocivo à sociedade. Assim como se não pode dizer, olhando um ovo, a cor do pinto que ele envolve, é temerário prever, pelas falhas morais de um adolescente, reminiscência de características vulgares da criança, o cidadão que ele será. Entre os catorze e os vinte e dois anos operam-se revoluções profundas na alma humana. O rio misterioso, que veio das nascentes correndo entre pedras, só então se precipita do alto da montanha nativa buscando o seu leito definitivo. Matasse toda mãe, ou todo pai, o filho jovem acusado de faltas que são crimes na maturidade, e a população do globo estaria reduzida, hoje, à quarta parte. Eu próprio não estaria aqui, escrevendo estas cousas justas, em linguagem serena, mas partidas de uma alma indignada. Considero-me um homem honesto e nutro pela propriedade alheia um respeito religioso. Fui, entretanto, quando menino, a vergonha de minha mãe. Furtei brinquedos, furtei latas de leite condensado, e cheguei a furtar, pouco a pouco, mais de setenta mil réis, que me tomaram depois. E eu abençoo, hoje, todas essas tristes lições da vida e do destino, porque aprendi, na prática do crime, que era ainda apenas pecado, a ter por ele uma instintiva repulsão. É pelo conhecimento do erro que se consegue, muitas vezes, distinguir e venerar conscientemente a virtude.

Recolham-se, pois, as mãos que se ergueram, limpas ou suadas, para aplaudir aquela que derramou o sangue do seu sangue. Um dia, em Viena, alguns forçados varriam as ruas, quando um rapaz de boa aparência desceu de um carro e correu a beijar a mão de um deles.

– Que é isso? Beijas, assim, em público, a mão a um criminoso? — diz-lhe o comandante da escolta.

– E por que não, se esse criminoso é meu pai? — respondeu-lhe o moço.

 A senhora paulista agora absolvida parece grande aos olhos dos homens. Eu creio, porém, que ela se tornaria maior, gigantesca mesmo, aos olhos das outras mulheres, se, realizado o pensamento que a tornou criminosa, fosse procurar todos os dias no cárcere o condenado, e dissesse a quem estranhasse vendo-a visitar um ladrão:

– E por que não, se esse ladrão é meu filho?!([14])


Notas

(*)        Palestra na OAB (Subsecção de Penha de França), em 29.11.2001.

([1])        “Nessun maggior dolore che ricordarsi del tempo felice nella miseria” (Dante Alighieri, Inferno, canto V, v. 121);

([2])        Júlio de Castilho, Os Dois Plínios, p. 195;

([3])        In A Oração da Coroa, de Demóstenes, 1877, p. IX;

([4])        Sílvio Romero, História da Literatura Brasileira, 1949, t. V, p. 448;

([5])        Gazeta de Notícias, 2.3.23 (cf. Revista de Língua Portuguesa, nº 23,p. 7);

([6])        Heitor Pinto, Imagem da Vida Cristã, vol. I, p. 31;

([7])        Do Museu do Tribunal de Justiça do Estado de São Pauloé Coordenador o eminente Des. Emeric Lévay, jurista e historiador de nobre estirpe, a quem muito deve a cultura paulista. (O autor deve-lhe também a gentileza da foto que ilustra esta página);

([8])        J. Soares de Mello, O Júri, 1941, p. 17;

([9])        Ordenações, liv. I, tít. 1º;

([10])      Cf. Bento de Faria, Código de Processo Penal, 1960, vol. I, p. 253;

([11])      Cícero: “Nihil ex omni parte perfectum natura expolivit” (apud Bluteau, Vocabulário, 1720, t. VI, p. 420);

([12])      A. Cardoso Borges Figueiredo, Retórica, 1875, p. 67;

([13])      Cf. Pedro Paulo Filho, Grandes Advogados, Grandes Julgamentos, 1989, p. 153;

([14])      Humberto de Campos, Os Párias, 1939, 8a. ed., pp. 128-131; Livraria José Olympio Editora.

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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