O aspecto social, ambiental e econômico do cultivo da uva bordô no sistema prisional catarinense

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Analisam-se os resultados econômicos, sociais e ambientais da atividade laboral dos reeducandos no plantio da uva bordô, na penitenciária da região de Curitibanos, durante a execução de pena de privação de liberdade.

1    INTRODUÇÃO

O sistema prisional gera problemas complexos para a toda a sociedade. As penitenciárias estão lotadas, a criminalidade é crescente e o alto custo de impostos e taxas pagos pela população tem pouco resultado em políticas públicas de segurança, entre outras situações.

A ascensão do capitalismo em escala global faz com que haja o definhamento do Estado nação. Este enfraquecimento leva a um desmantelamento da estrutura do Estado de bem-estar social, provocando o aumento da marginalização da população. Em contrapartida surge um Estado opressor, perante a uma classe cada vez mais pobre, a qual corresponde a maior fração da massa carcerária juntamente com a superlotação das unidades prisionais no Brasil.

Em âmbito global, a Rússia tem reduzido anualmente o número de presos deixando a terceira posição dos países com maior massa carcerária, estando atualmente na quarta colocação. O Brasil, que até 2014 figurava na quarta posição, ultrapassa a Rússia e agora ocupa a terceira maior população carcerária do mundo, perdendo somente para dos Estados Unidos e China. Segundo dados do Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP), a população carcerária do Brasil em 19 de maio de 2019 era de 712.688 pessoas privadas de liberdade2, para uma população brasileira estimada de 210.147.125 habitantes, conforme projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2019 [3].

Entretanto, numa relação entre população carcerária e população de habitantes do Brasil tem-se uma perspectiva menos impactante, que resulta em 383 presos a cada cem mil habitantes, no qual o país encontra-se na vigésima sexta posição, conforme dados do Instituto de Pesquisa em Políticas Criminosas (ICPR). Os Estados Unidos está em primeiro no ranking em maior população carcerária com 2.121.600 presos, assim como possui a maior taxa de aprisionamento do mundo, alcançando 655 presos a cada cem mil habitantes4.

No Brasil, a somatização de vários problemas gera a superlotação carcerária, a qual passou a ser comum no sistema prisional de todos os Estados, pois a demanda de vagas nas unidades não se corresponde com a crescente massa humana privada de liberdade. Da superlotação emerge insatisfações por parte das pessoas presas em função da falta de espaço nas celas e precárias condições impostas para a convivência prisional5.

Diante da conjuntura apresentada faz-se necessário que o Estado apresente políticas públicas que mitiguem os dilemas prisionais, melhorando a precariedade das prisões e resolvendo os recorrentes problemas que assolam toda a Sociedade. Neste sentido, observa-se que há práticas que corroboram para o aprimoramento do sistema prisional, as quais estão sendo aplicadas em alguns Estados durante a execução de pena, com foco nas atividades laborativas, que buscam a ressocialização e integração social dos presos de forma educativa e produtiva. Destacam-se Minas Gerais e Santa Catarina que possuem taxas de ocupação laboral nas unidades prisionais bem superiores à média nacional, alcançando 35% e 33% respectivamente.

Em Santa Catarina a unidade Penitenciária da Região de Curitibanos, situada na regional serrana e meio oeste catarinense ressalta-se na prática de atividades laborais com um índice de 100% de um total de 900 presos, evidenciando-se também os reclusos que estudam, atingindo um percentual de 50%. Estes índices ultrapassam a média brasileira, obtendo aspectos sustentáveis e de dignidade humana, na execução do cumprimento da sentença.

As boas práticas desenvolvidas na Penitenciária da Região de Curitibanos (PRC) durante o cumprimento de execução da sentença das pessoas privadas de liberdade, podem contribuir com alguns dos 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda da Organização das Nações Unidas 20307. As metas das Nações Unidas (ONU) para acabar com a pobreza, proteger o planeta e garantir a prosperidade para todos foram adotadas no mês de setembro de 2015, em conjunto com mais de 150 países membros da Organização.

Diante do exposto, este trabalho visa descrever uma das boas práticas aplicadas durante o tempo de reprimenda do preso da Penitenciária da Região de Curitibanos, com a utilização do cultivo da uva bordô. Nesse contexto, tem-se a seguinte pergunta: O plantio de uva bordô no sistema prisional catarinense atinge algum dos objetivos de desenvolvimento sustentável? Inicialmente, apresenta-se a fundamentação teórica, especificamente a sustentabilidade e a teoria dos três pilares, a abordagem na dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Posteriormente, será abordado a penitenciária da região de Curitibanos, no aspecto das atividades laborativas e a remuneração da pessoa privada de liberdade. Por fim, apresenta-se os procedimentos metodológicos utilizados, o estudo de caso do plantio da uva, e a discussão e análise de resultados, a fim de demonstrar uma forma de gerar oportunidade de trabalho e de recursos financeiros.


2    FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nesta Seção, apresenta-se a fundamentação teórica para conhecimento e entendimento das bases que nortearam a pesquisa sobre desenvolvimento sustentável e também orientações sobre o plantio da uva bordô, conforme segue.

2.1  Sustentabilidade e a teoria dos Três Pilares

É necessário definir alguns conceitos referentes à temática. Segundo Leonardo Boff, a sustentabilidade é entendida como:

O conjunto dos processos e ações que se destinam a manter a vitalidade e a integridade da Mãe Terra, a preservação de seus ecossistemas com todos os elementos físicos, químicos e ecológicos que possibilitam a existência e a reprodução da vida, o atendimento das necessidades da presente e das futuras gerações, e a continuidade, a expansão e a realização das potencialidades da civilização humana em suas várias expressões8.

No entendimento de Freitas a sustentabilidade trata de um princípio constitucional que:

“[...] determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar”9.

Para Laszlo “A Sustentabilidade aparece como dever ético e jurídico-político de viabilizar o bem-estar no presente, sem prejuízo do bem-estar futuro, próprio e de terceiros”.

Em uma visão baseada no olhar social, Klaus Bosselmann, menciona que:

O princípio da sustentabilidade visa proteger os sistemas ecológicos e a sua integridade. Seus temas são os processos ecológicos. No entanto, os processos sociais determinam em que medida e como os sistemas ecológicos devem ser mantidos. Esta forma de sustentabilidade se torna uma questão social. Como há escolhas a serem feitas entre necessidades e desejos concorrentes, questões de justiça distributiva surgem11.

Evidencia-se que os conceitos descritos não se restringem somente a questões ambientais, mas a aspectos éticos, sociais, políticos e intrinsicamente econômicos, e em destaque, a harmonia frente à Sociedade líquida na qual vivemos. Neste mesmo entendimento Elkington discorre que o assunto sustentabilidade não se resume apenas a ambiente e economia, mas, “Ao contrário, geram questões sociais, éticas e acima de tudo políticas”12.

Conceituado a temática sustentabilidade, faz-se necessário tratar dos pilares econômico, social e ambiental, também denominados Triple Bottom Line13. Destaca-se de início o pilar econômico, pois trata-se do lucro que a empresa pretende alcançar. Elkington classifica duas formas na econômica tradicional como meio de produção, ou seja, capital físico e financeiro. Todavia, há aspectos que ao aprofundar a teoria econômica, observa-se o surgimento do capital humano. Desta maneira, “A longo prazo, o conceito de capital econômico precisará absorver uma gama maior de conceitos, como capital natural e capital social”. A ampliação da dimensão deste conceito é importante para que possamos trabalhar a contabilidade social e ambiental em prol da econômica sustentável da empresa, visando a manutenção do meio ambiente juntamente com o desenvolvimento financeiro14.

O pilar ambiental segundo o Laboratório de Sustentabilidade (LASSU) da Universidade de São Paulo, “[...] refere-se ao capital natural de um empreendimento ou sociedade”. Como as atividades econômicas estão associadas à degradação e aspectos negativos do meio ambiente, faz-se necessário que “[...], a empresa (...) deve pensar nas formas de amenizar esses impactos e compensar o que não é possível amenizar”5.

Por fim, tem-se o pilar social, na qual se encontra inserido a pessoa, seja por questões éticas, sociais ou até mesmo culturais, também conhecido como capital humano ligado às atividades da empresa. “Não se trata apenas dos funcionários da empresa: clientes, fornecedores, sociedade, todos fazem parte da questão social do desenvolvimento sustentável”16. Trata-se de uma questão fundamental na transição da sustentabilidade, pois, [...] é uma medida da “capacidade das pessoas trabalharem juntas, em grupos ou organizações, para um objeto comum”17.

2.2  A Dimensão Ecológica da Dignidade da Pessoa Humana

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Art. 1º, inciso III, fundamenta o tema da dignidade da pessoa humana. Segundo o texto da Constituição, transcreve-se:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana18.

O texto constitucional atinge outras dimensões nos quais se cita: democrática, ambiental e social. Neste contexto, na presente abordagem, vamos tratar somente o Estado Socioambiental de Direito, que visa à esfera “ecológica para a dignidade humana, em vista especialmente dos novos desafios existenciais da matriz ambiental (...), em especial a manutenção das gerações atuais e futuras”19.

No mesmo entendimento Sarlet menciona que:

[...] numa época ético-jurídico fundamental indicia que não mais está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta, ainda que se possa argumentar que tal proteção da vida em geral constitua, em ultima análise, exigência da vida humana e, acima de tudo, da vida humana com dignidade20.

Mozetic aborda que em decorrência dos problemas ambientais, o meio ambiente encontra-se intrínseco na coletividade, fazendo com que a sociedade passe “a integrar-se ao conjunto dos direitos fundamentais de terceira geração incorporados aos textos capitais dos Estados Democráticos de Direito”21.

Desta maneira, há que se fazer a junção entre sustentabilidade e pessoa humana, vinculando ambas como forças normativas em benefício da “dignidade da pessoa humana, o que exige do próprio ser humano social tomar atitude em prol da diversificada existência planetária, assim como abster-se de atos degradadores”22.

Neste mesmo entendimento Fernanda de Salles Cavedon-Capdeville demonstra que os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade não se limitam apenas aos aspectos substantivos (respeito da vida privada, direitos à vida, etc.), mas transcendem a uma perspectiva de justiça ecológica, "[...] enquanto sujeitos de direitos ao ambiente dos quais são elementos, que por sua vez também alcançaria a condição de sujeitos, [...]”23. Bolsselmann entende que há uma concordância em relação aos direitos humanos com o “meio ambiente limpo e saudável”24.

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Ante o exposto, verifica-se que o princípio da dignidade humana se constitui fator fundamental para a vida de qualquer ser humano e das futuras gerações, sendo desta forma, consequentemente atrelada como fonte constitucional do desenvolvimento socioambiental sustentável e democrático.

2.3  Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

A prática do plantio de uva pode contribuir de forma significativa com alguns dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial, ao ODS 4 (Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos), ODS 8 (promover o Crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente a todos), 9 (Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação), 10 (Reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles) e 12 (Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis)25.

Em relação ao ODS 4 pode-se com as atividades oportunizar o desenvolvimento de habilidades e competências técnicas e profissionais as pessoas privadas de liberdade, conforme meta 4.4: “Até 2030, aumentar o número de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo”26.

No que tange a ODS 8, trabalho decente e crescimento econômico, a atividade laboral de plantio da uva nas unidades prisionais poderá contribuir como fonte de renda aos apenados, evitando a ociosidade de forma produtiva, gerando “melhores condições para a estabilidade e a sustentabilidade do país”. É possível também o aprimoramento da capacitação profissional do reeducando durante as atividades de trabalho, com objetivo de aumentar as oportunidades ao retorno a Sociedade “[...], de modo a garantir a todos o alcance pleno de seu potencial e capacidades”27.

O objetivo 9 (construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e fomentar a inovação), tem como intuito incorporar a inovação nos processos produtivos de forma a garantir a preservação ambiental. A inclusão da pessoa privada de liberdade no contexto dos desafios econômicos e ambientais se torna uma tarefa desafiadora para o Estado. Assim, além de “[...] apoiar o desenvolvimento econômico e o bem-estar humano, [...]” a participação do apenado nas inovações que o projeto apresenta, pode trazer um aumento da reintegração social, “[...] maior eficiência no uso de recursos e maior adoção de tecnologias e processos industriais limpos e ambientalmente corretos; [...]”28.

Com relação a redução da desigualdade, ODS 10 (Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles), constata-se que a grande maioria das pessoas que estão nos cárceres brasileiros são de excluídos socialmente. Desta forma, é fundamental “[...] empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra”29.

A Confederação Nacional de Municípios, por meio do Guia para Integração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nos Municípios Brasileiros, relata que é possível integrar outros ODS ao ODS 12 (assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis), conforme descrição da página 102:

“[...] há oportunidades diretas de integração entre políticas relacionadas ao ODS 12 e as políticas de combate à pobreza (ODS 1), pela oportunidade de desenvolvimento dos catadores de materiais recicláveis; as políticas de segurança alimentar e nutricional (ODS 2), pela importância de incentivar a agricultura orgânica; a política de educação (ODS 4), pelo natural envolvimento das escolas na conscientização das crianças, adolescentes, jovens e suas famílias sobre consumo e produção sustentáveis; as políticas de acesso à água (ODS 6) e energia (ODS 7), pela conscientização da sociedade sobre a importância do seu uso racional; as políticas de desenvolvimento econômico (ODS 8), pela valorização da reciclagem de resíduos sólidos como atividade econômica; as políticas de meio ambiente pela redução do impacto nos recursos hídricos e terrestres (ODS 14 e 15) e nas mudanças do clima (ODS 13)"30.

Neste contexto, os objetivos de desenvolvimento sustentáveis se inter-relacionam com a finalidade de equilibrar o desenvolvimento na dimensão social, econômica e ambiental.

Sobre os autores
Marcelo Coelho Souza

Doutorando em Ciência Jurídica e Mestre em Gestão de Políticas Públicas (2018), ambas pela Universidade do Vale do Itajaí. Ainda, possui graduação em Direito (2010) e especialização em Políticas e Gestão em Segurança Pública (2011), sendo estes dois últimos pela Universidade Estácio de Sá. É funcionário público do Estado de Santa Catarina exercendo atualmente o cargo de Secretário do Conselho Penitenciário. Já exerceu os seguintes cargos como funcionário público: Diretor de Inteligência e Informação, Diretor Administrativo Financeiro, Gerente de Escolta e Vigilância, Assessor de Gabinete, Diretor da Academia de Justiça e Cidadania e Secretário Adjunto da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania. Possui experiência como Docente (2008 - atual) da Academia de Justiça e Cidadania. Professor nas disciplinas de Políticas Públicas para Reintegração Social no Sistema Prisional, Técnicas Operacionais Penitenciárias e Gerenciamento de Crises, assim, como Tutor na modalidade EAD no Curso de Noções de Gerenciamento de Crises e de Conflitos no Sistema Prisional (2014 - 2017).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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