AÇÃO CIVIL PÚBLICA: LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO E O DESASTRE CLIMÁTICO EM SÃO LUIZ DO PARAITINGA-SP

07/11/2019 às 09:05
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Este artigo tem como objetivo demonstrar a necessidade de que seja sedimentado o entendimento de que a Defensoria Pública Estadual é parte legítima para a interposição, utilizando como exemplo um caso prático de extrema relevância social.

INTRODUÇÃO

         O presente trabalho científico terá por finalidade apresentar a discussão sobre a legitimidade da Defensoria Pública na interposição da Ação Civil Pública, demonstrando os argumentos contrários e favoráveis acerca do tema.

              Assim sendo, o presente artigo será dividido em três capítulos. No primeiro capítulo será apresentado um breve resumo do surgimento dos direitos fundamentais e do processo coletivo, com ênfase em seu principal instrumento: a Ação Civil Pública. A importância do segundo capítulo residirá em apresentar a divergência existente acerca da legitimidade da instituição para a interposição de tal ação, trazendo a diversidade de posições a respeito. Por fim, no último capítulo, será demonstrada a necessidade de que seja consolidada tal legitimidade.

              Para alcançar o desiderato científico proposto, será utilizada a metodologia de pesquisa doutrinária, bastante empregada no primeiro capítulo, com o fim de elucidar ao leitor a profundidade do direito coletivo e da Ação Civil Pública. No segundo capítulo, além da metodologia de pesquisa doutrinária, também será utilizada pesquisa jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, a fim de demonstrar a posição destes Tribunais sobre o tema.

              Finalmente, no terceiro capítulo, será realizada a metodologia de estudo de caso, sobre o desastre ambiental ocorrido no Município de São Luiz do Paraitinga/SP, no ano de 2009, de modo a exemplificar a importância prática da atuação judicial e extrajudicial da Defensoria Pública em situações de vulnerabilidade da sociedade.

              Por fim, o objeto deste trabalho cientifico voltará em sedimentar entendimento no sentido de que a importância da atuação da Defensoria Pública por meio da Ação Civil Pública é indiscutível. Toda a coletividade seria extremamente prejudicada por uma suposta declaração de ilegitimidade, haja vista que afrontaria diretamente os princípios básicos do Estado Democrático de Direito e os preceitos fundamentais de dignidade da pessoa humana, o direito ao acesso à justiça e assistência jurídica integral, e a inafastabilidade da jurisdição.

1. TUTELA COLETIVA E AÇÃO CIVIL PÚBLICA: LEGITIMADOS E DEFENSORIA PÚBLICA.

Os chamados direitos fundamentais são aqueles inerentes aos seres humanos, aptos a protegê-los das arbitrariedades que possam vir a ser cometidas pelo Estado. Surgiram em momentos distintos da história, de acordo com a demanda da sociedade, o que deu origem às classificações em gerações.

A terceira geração de direitos humanos, objeto de estudo deste trabalho, liga-se com o vetor fraternidade. Tutela os direitos metaindividuais, surgindo assim os direitos difusos e coletivos, mais abrangentes que os direitos individuais, exigidos em ações coletivas, por estarem condicionados à existência de grupo determinado/determinável de pessoas. Exemplos: Direito do consumidor, direito ambiental, direito urbanístico, tutela do patrimônio artístico, histórico, cultural, paisagístico, estético e turístico, dentre outros.

O processo coletivo é ramo do processo individual, impulsionado pela constitucionalização dos direitos sociais (judiciário torna-se locus de reafirmação da cidadania e exercício da democracia participativa), bem como pelo desenvolvimento social, tecnológico e econômico do século XX, que tornou a sociedade mais complexa, massificada, litigiosa.

Elton Venturi, em sua obra “Processo Civil Coletivo”, aduz que:

“A tutela coletiva assume, desta forma, uma função extraordinária, que exorbita o plano jurídico e social, sendo indispensável à conformação política do Estado Democrático de Direito. A efetiva operacionalidade do sistema das ações coletivas passa a ser encarada não mais como mera conseqüência, mas como condição de existência e prevalência da democracia, diante das possibilidades que gera em relação ao rompimento das inúmeras barreiras opostas ao acesso à justiça, mediante o emprego de técnicas diferenciadas de legitimação ativa e de extensão subjetiva da eficácia da coisa julgada.”

           

            Tal citação demonstra, com clareza, a importância do processo coletivo em relação aos rompimentos das barreiras existentes ao acesso à justiça pelo povo, até mesmo por razões referentes à extensão restrita da coisa julgada no processo individual. Ainda, sobre o tema, Ada Pellegrini Grinover explica:

“(...) os interesses sociais são comuns a um conjunto de pessoas, e somente estas. Interesses espalhados e informais à tutela de necessidades coletivas, sinteticamente referíveis à qualidade de vida. Interesses de massa, que comportam ofensas de massa e que colocam em contraste grupos, categorias, classes de pessoas. Não mais se trata de um feixe de linhas paralelas, mas de um leque de linhas que convergem para um objeto comum e indivisível.”.

 

A autora reforça a existência do interesse coletivo de massa, o que torna imprescindível a adoção de um procedimento coletivo capaz de abrigar todo esse “leque de linhas”. Desta feita, os procedimentos coletivos apresentam diversas peculiaridades em comparação ao processo individual.

Uma das principais diferenças, cara a este trabalho, é a necessidade de que a parte ativa do processo tenha legitimidade específica para tal atuação. Dentro desta órbita, cita Hugo Nigro Mazzili3:

“(...) o pedido formulado em ação civil pública ou coletiva não visa apenas a satisfação do interesse do autor, mas sim à de todo o grupo lesado; desta forma, os legitimados ativos também zelam por interesses transindividuais de todo o grupo, classe ou categoria de pessoas, os quais não estariam legitimados a defender a não ser por expressa autorização legal. Daí porque, para que pudessem defender esses interesses transindividuais, foi preciso o advento de lei que lhes conferiu legitimação para agir em nome próprio, em favor do todo o grupo – é o que fizeram a Constituição, a Lei de Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor e outras tantas leis subsequentes.”

 

Portanto, a legitimidade ativa para a interposição da Ação Civil Pública, principal instrumento atuante em prol da defesa dos direitos supraindividuais, extrai-se da combinação de diversos artigos do microssistema processual coletivo, tais quais: Art. 129, III e p. da Constituição Federal, art. 5ª, caput e p. 4º da Lei de Ação Civil Púlica, art. 82, caput e p.1 do Código de Defesa do Consumidor e art. 91 do Código de Defesa do Consumidor, conforme supracitado.

Em suma, os legitimados ativos para a propositura da Ação Civil Pública, extraídos de tais disposições, seriam o Ministério Público e a Defensoria Pública, bem como os entes da Administração Direta e Indireta, mediante certos requisitos.

Desta feita, conforme a alteração realizada no ano de 2007 na Lei de Ação Civil Pública, a Defensoria Pública tornou-se ente legítimo para impetração da referida ação. Porém, foi só no ano de 2009 que a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC 80/1994), foi alterada no mesmo sentido:

 “Art. 1º  A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à

função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;

X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.” (grifo nosso)

 

Nota-se, conforme artigo acima, que a legitimidade da instituição já tinha sido consolidada em lei complementar, o que representou um passo importantíssimo. Foi só no ano de 2014, porém, que a legitimação da Defensoria Pública para a promoção e defesa dos direitos coletivos foi constitucionalizada, através da Emenda Constitucional 80/2014:

“Art. 134 A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do artigo 5º desta Constituição Federal.” (grifo nosso)

Porém, não obstante a expressa legitimidade da Defensoria Pública em diversos textos normativos, no ano de 2015 o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade número 3943, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, que contestava o artigo 5º, II, da Lei de Ação Civil Pública.

Tal ação fora ajuizada no ano de 2007, e refletia a realidade em que a Defensoria Pública se encontrava: a luta para reconhecimento de sua legitimidade para a autoria de ações coletivas, em meio a feroz debate no Judiciário.

Isto porque, mesmo antes da lei de ACP conferir legitimidade à Defensoria, este órgão já titularizava diversas ações civis públicas, mesmo diante da possibilidade de indeferimento por ilegitimidade da parte. A jurisprudência e a doutrina dividiam-se.

A respeito, o STJ se manifestava, demonstrando inconsistência:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLOSÃO DE LOJA DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA DA PROCURADORIA DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO. VÍTIMAS DO EVENTO. EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDORES. I – Procuradoria de assistência judiciária tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando indenização por danos materiais e morais decorrentes de explosão de estabelecimento que explorava o comércio de fogos de artifício e congêneres, porquanto, no que se refere à defesa dos interesses do consumidor por meio de ações coletivas, a intenção do legislador pátrio foi ampliar o campo da legitimação ativa, conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC, bem assim do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, ao dispor expressamente que incumbe ao ‘Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor’. Recurso especial não conhecido. (STJ, 3.ª T., REsp 181.580/SP, rel. Min. Castro Filho, j. 09.12.2003, DJ 22.03.2004, p. 292).” (grifo nosso)

 

Apesar desse entendimento favorável à legitimidade ativa, o mesmo órgão já decidiu em sentido diverso, alegando que a Defensoria Pública não foi tem como finalidade institucional a tutela de ação coletiva, conforme segue adiante:

 

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DOS INTERESSES DOS CONSUMIDORES DE ENERGIA ELÉTRICA. ILEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INOCORRÊNCIA. (...) III - A Defensoria Pública não possui legitimidade para propor ação coletiva, em nome próprio, na defesa do direito de consumidores, porquanto, nos moldes do art. 82, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, não foi especificamente destinada para tanto, sendo que sua finalidade institucional é a tutela dos necessitados. IV - O Supremo Tribunal Federal, reforçando o entendimento sufragado, por meio da ADIN nº 558-8/MC, exarou entendimento no sentido da legitimidade da Defensoria Pública para intentar ação coletiva tão-somente para representar judicialmente associação desprovida dos meios necessários para tanto, não possibilitando a atuação do referido órgão como substituto processual, mesmo porque desprovido de autorização legal, a teor do art. 6º do CPC. (STJ, 1.ª T., REsp 734176/RJ, rel. Min. Francisco Falcão, j. 07.03.2006, DJ 27.03.2006, p. 196)” (grifo nosso)

 

Os julgados citados demonstram a ausência de solidez sobre a legitimidade do órgão, o que culminava em um verdadeiro desafio a ser vencido dentro da atuação diária da instituição. O principal argumento utilizado por quem defendia a ilegitimidade era no sentido de que a legitimidade para interposição de Ação Civil Pública seria exclusiva do Ministério Público, bem como que a Defensoria Pública não poderia interpor ações coletivas tendo em vista que seu objetivo institucional seria atender aos hipossuficientes financeiros, o que resultaria na ausência de pertinência temática.

Com relação a ADI supracitada, diversos órgãos/pessoas manifestaram-se, na ação, favoravelmente à legitimidade da Defensoria Pública: A Associação Nacional dos Defensores Públicos, A Associação Nacional dos Defensores Públicos da União, O Congresso Nacional, O Presidente da República, A Advocacia do Senado Federal, A Advocacia Geral da União, O Advogado Geral da União e O Instituto Brasileiro de Advocacia Pública.

Em suma, alegavam que os obstáculos para o acesso à justiça, principalmente da população carente, devem ser eliminados, uma vez que as ações processuais coletivas e difusas de direitos são os principais meios para o alcance e efetividade da tutela dos direitos da sociedade.

Ademais, inexiste lei que impeça a atuação da Defensoria Pública neste ramo do Direito, restando ausente pertinência temática do Ministério Público para a interposição de tal ação, não havendo também exclusividade do órgão para a propositura de ações civis públicas.

A doutrinadora Ada Pellegrini concedeu um parecer na referida ADI, e nele afirmou a importância da declaração da constitucionalidade da legitimidade da Defensoria Pública para a interposição de ACP por diversas vezes. A professora criticou o órgão autor da ação de inconstitucionalidade, acusando-o de estar praticando “reserva de mercado” em plena ação coletiva. Ademais, levou para o processo o conceito do necessitado do ponto de vista organizacional:

“Pois é nesse amplo quadro, delineado pela necessidade de o Estado propiciar condições, a todos, de amplo acesso à justiça que eu vejo situada a garantia da assistência judiciária. E ela também toma uma dimensão mais ampla, que transcende o seu sentido primeiro, clássico e tradicional. Quando se pensa em assistência judiciária, logo se pensa na assistência aos necessitados, aos economicamente fracos, aos “minus habentes”. É este, sem dúvida, o primeiro aspecto da assistência judiciária: o mais premente, talvez, mas não o único. Não cabe ao Estado indagar se há ricos ou pobres, porque o que existe são acusados que, não dispondo de advogados, ainda que ricos sejam, não poderão ser condenados sem uma defesa efetiva. Surge, assim, mais uma faceta da assistência judiciária, assistência aos necessitados, não no sentido econômico, mas no sentido de que o Estado lhes deve assegurar as garantias do contraditório e da ampla defesa.”

 

O único parecer favorável à procedência da Ação fora o do Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, alegando que a norma impugnada teria afrontado a Constituição Federal.

Acertadamente, o STF, por unanimidade, declarou a improcedência da ADI, por unanimidade de votos, conforme apontado em ementa do acórdão:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 5º, INC. II, DA LEI Nº.7.347/1985, ALTERADO PELO ART. 2º DA LEI Nº. 11.448/2007). TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL. ACESSO À JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: ART. 5º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.”

 

Nesse julgamento, o STF cimentou a discussão existente sobre a legitimidade da Defensoria Pública, conferindo maior solidez ao órgão para a realização de sua atuação judicial e extrajudicial em favor da coletividade, frisando inexistir qualquer prejuízo para o Ministério Público quanto à referida atuação.

 

2. DA IMPORTÂNCIA DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA E CASO CONCRETO DA ACP DE SÃO LUIZ DO PARAITINGA-SP

Conforme as disposições legais supracitadas e conforme a decisão do STF na ADI interposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, hoje não restam dúvidas de que a legitimidade para interposição de Ação Civil Pública foi expressamente conferida à Defensoria Pública.

Tal legitimidade é acertada, uma vez que a Defensoria Pública é órgão fundamental na defesa dos direitos individuais e coletivos, e qualquer entendimento contrário a este afronta diretamente os princípios básicos do Estado Democrático de Direito e os preceitos fundamentais de dignidade da pessoa humana, o direito ao acesso à justiça e assistência jurídica integral, e a inafastabilidade da jurisdição.

Atualmente, a Defensoria Pública é extremamente atuante no que diz respeito à

interposição de ações coletivas. Um exemplo da importância da atuação do órgão é a ACP n. 0000546-21.2010.8.26.0579, referente ao desastre ambiental (climático) ocorrido no município de São Luiz do Paraitinga-SP, no réveillon do ano de 2009.

Esta ACP foi interposta pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo – Regional de Taubaté-SP, e visava a redução dos danos materiais e imateriais decorrentes da enchente causada pela elevação do Rio Paraitinga à altura de onze metros.

O ilustríssimo Defensor Público Wagner Giron de La Torre, autor da ACP, cita em artigo publicado no quinto Caderno do Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo, do ano de 2017, dados sobre o ocorrido:

“Segundo dados computados pela municipalidade local e Secretaria Estadual de Assistência e Promoção Social, cerca de 480 famílias de baixa renda perderam suas moradias, e quase 90% da população do município foi afetada, direta ou indiretamente, pelo extravasamento. Nas visitas realizadas pela Defensoria Pública Estadual e lideranças comunitárias aos espaços precários onde foram encaminhadas as milhares de pessoas afligidas, pode-se constatar algumas prioridades, em termos de anseios sociais, assim sintetizadas: 1 total falta de informações diretas das autoridades públicas sobre as possíveis soluções para minorar os infaustos efeitos da tragédia e os possíveis rumos na vida das vítimas; 2 mesmo com suas casas destruídas, as famílias removidas estavam recebendo contas de água, energia elétrica e cobranças de IPTU; 3 informes sobre a destinação das chamadas doações humanitárias, que até março de 2010, não haviam sido distribuídas entre as vítimas do evento; 4 reparação pelas perdas habitacional e material, pois a grande maioria de vítimas possuíam casas próprias antes do desastre ambiental e não tinham despesas com habitação.”

 

Ainda no mesmo artigo, o Defensor explicita perfeitamente a importância da atuação judicial e extrajudicial da Defensoria, aduzindo que a atuação extraprocessual da Defensoria Pública detém extrema importância, à medida que é o primeiro esforço para a satisfação da necessidade da população, além de proporcionar o direito à informação para uma sociedade verdadeiramente renegada aos olhos do Estado.

No artigo, o respeitado Defensor apontou brilhantes conclusões sobre os resultados da atuação da Defensoria, no caso concreto. Em suas inspiradoras palavras:

 “(...)temos a noticiar a concessão de importantes ordens liminares, cujos comandos podem assim ser destacados: a Liminar para que o Estado, através de seus órgãos próprios, realize, em caráter emergencial, a limpeza, derrocamento, desassoreamento, e reforço da margem ao longo de 8 km do 

Rio Paraitinga, a partir da área central da malha urbana. Tal ordem foi cumprida, e as obras hoje revestidas com o muro de gabião sobre o leito do Rio Paraitinga se devem a esse específico comando, consumado em 2011. b bloqueio de R$ 560.000,00 angariados a título de “doações humanitárias” que deveriam ser direcionados às vítimas das enchentes mas que estavam sendo desviados de sua destinação. Por influxo de acordo operado entre Defensoria Pública e Prefeitura de São Luiz do Paraitinga no curso do feito, esse valor foi efetivamente destinado às vítimas pobres do evento, que receberam cerca de um salário mínimo, cada família, em fevereiro de 2012.”

 

Giron explanou, com eloquência, nessas poucas linhas, o verdadeiro propósito desta pesquisa: Demonstrar a importância inigualável, imensurável, e incomparável, da Defensoria Pública, para a proteção de uma sociedade que se encontra a beira do abismo. Refutar tal legitimidade é atentar contra a Constituição Federal, uma vez que representa desrespeito ao supraprincípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Portanto, de acordo com as explanações do Dr. Wagner Giron, e, conforme demonstrado ao longo desta pesquisa, é cristalina a legitimidade conferida à Defensoria Pública, ao contrário do que defende o Ministério Público, para a impetração de ações que versam sobre a legislação coletiva, direitos de suma importância, vez que consolidam, na atuação prática, o supraprincípio da dignidade da pessoa humana, consagrado na CF/88.

Não por acaso, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ADI interposta pelo parquet, consagrando de uma vez por todas a merecida legitimidade ativa, exemplificada pelo caso concreto analisado na pesquisa, e apontada no seguinte tópico conclusivo.

 

CONCLUSÃO

Conforme asseverado pelo Dr. Wagner Giron, não resta dúvida acerca da importância da atuação da Defensoria Pública nas ações coletivas, em especial na Ação Civil Pública, principal instrumento de tutela dos direitos transindividuais. O caso do desastre ambiental do município de São Luiz do Paraitinga-SP é apenas um exemplo no meio de tantos casos emblemáticos.

A Ação Coletiva deve ser vista como um instrumento apto a formar uma sociedade mais justa, apta a solver os anseios mais profundos de uma sociedade carente e necessitada. Não é uma ação de “escritório, papel e caneta”, é uma ação de “participação social, contato, ajuda, informação e assistência”. 

Sendo assim, é inviável pensar na vedação do uso da ação pela Defensoria Pública, órgão que se mostra perfeitamente alinhado aos pressupostos dos procedimentos coletivos.

Acertada a decisão do STF, que reafirmou a constitucionalidade e a importância da atuação do órgão. Deve-se, portanto, fortalecer a Defensoria, órgão sinônimo da democratização do acesso à justiça e concretização dos direitos fundamentais.

        

REFERÊNCIAS

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ANDRADE, A., MASSON, C., ANDRADE, L. Interesses difusos e coletivos esquematizado– 4. ed.– Rio de Janeiro: Método, 2014. (Esquematizado)

 

ARANTES, R. B. Ministério Público e Política no Brasil. São Paulo: Sumaré-IDESP-EDUC, 2002.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma. Resp nº 181.580/SP. Rel. Min. CASTRO FILHO. Data de Julgamento: 09/12/2003. Publicação: Diário de Justiça do dia 22/03/2004.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma. Resp nº 734.176/SP. Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO. Data de Julgamento: 07.03.2006. Publicação: Diário de Justiça do dia 27/03/2006.

 

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GRINOVER, A. P. Significado social, político e jurídico da tutela dos interesses difusos, in A Marcha do processo: Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000, In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto/ Ada Pellegrini Grinover...[et. al.] – 7. ed.- Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

 

LEONEL, R. B. Manual do Processo Coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

MAZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo: Meio ambiente, consumidor e outros interesse difusos e coletivos– 17ª ed.– São Paulo: Revista dos Tribuais, 2004.

 

VENTURI, E. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007.

 

 

Sobre a autora
Ana Helena Rister Andrade

Advogada na área Médica Veterinária. Assistência jurídica consultiva para empresas ou autônomos da área médica veterinária, com ênfase em gestão, direito do trabalho, direito empresarial, direito civil, direito penal, direito do consumidor, direito administrativo e direitos dos animais; Bem como defesa judicial dos interesses das empresas nas áreas citadas acima.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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