Processos judiciais contra dentistas

Explicando a responsabilidade civil

Leia nesta página:

O presente artigo destina-se a esclarecer, de forma simplificada para os profissionais da área da odontologia, as regras de responsabilidade civil aplicadas aos dentistas quando são processados judicialmente.

        A responsabilidade civil é caracterizada por dano + conduta + nexo causal. O que isso significa? Significa que para que haja responsabilidade deve existir um dano e uma conduta que causou o dano. No caso dos profissionais da odontologia, essa conduta, para que seja caracterizada a responsabilidade civil, deve ser, culposa. Ou seja, deve ser comprovado que o dentista agiu com culpa (imperícia – deficiência de conhecimentos técnicos e científicos; negligência – inércia/omissão; imprudência – ação sem dever de cautela) gerando dano ao paciente.

        Ainda, quando se trata de procedimentos médicos e odontológicos, como já explicamos anteriormente nas nossas redes sociais e site, para que haja responsabilização o dano deve ser aquele que não é consequência natural/esperada do procedimento ou o que pode ser evitado, mas, por culpa do profissional, não é.           

     O dentista tem direito, de acordo com o Código de Ética Odontológico (artigo 5º, I) de diagnosticar, planejar e executar os tratamentos com liberdade de convicção, observados o estado atual da ciência e a dignidade profissional. Entretanto, os nossos Tribunais vêm decidindo que algumas especialidades da odontologia possuem obrigações de resultado. O que isso quer dizer? Quer dizer que ainda que o dentista atue com todo o cuidado durante o tratamento, agindo de acordo com as melhores técnicas, se o resultado final do tratamento não for o esperado pelo paciente ele pode ser acionado e, eventualmente, responsabilizado. A culpa, nesses casos, é presumida.

     Em 2019, por exemplo, o Tribunal de Justiça de Rondônia¹ julgou um caso onde entendeu que na maioria das vezes a obrigação na odontologia é de resultado, ressaltando que nos casos de correção da arcada dentária com implantes ou ortodontia com certeza se configura esse tipo de obrigação, cabendo ao profissional comprovar que sua conduta não foi culposa ou que houve algum fator excludente da responsabilidade (como culpa exclusiva da vítima, intervenção de terceiro não autorizado, caso fortuito ou força maior).

       Nesse mesmo ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou duas ações distintas² com base na obrigação de resultado do cirurgião-dentista, o Tribunal não especificou exatamente todos os procedimentos que devem ser enquadrados nesse tipo de obrigação, mas estabeleceu que com certeza os procedimentos estéticos envolvendo implantes geram possibilidade de presunção de culpa do profissional caso não se atinja o resultado esperado. 

      Por fim, ainda em 2019, o Tribunal de Justiça do Paraná³ condenou um cirurgião-dentista por erro em tratamento estético, afirmando que ainda que a atividade odontológica de maneira geral seja obrigação de meio, nos casos estéticos a obrigação é de resultado.  

   Ora, é possível notar, por meio dos julgados mencionados, que ainda não há entendimento completamente pacificado em relação a quais os casos específicos em que o cirurgião-dentista tem obrigação de meio ou resultado, porém, podemos concluir o entendimento dominante nos Tribunais brasileiros é de que os procedimentos estéticos de modo geral (seja envolvendo prótese, implante, aparelhos ortodônticos, etc.) configuram obrigação de resultado, podendo o dentista ser obrigado a indenizar o paciente se não comprovar de forma cabal que não agiu com culpa ou que houve alguma excludente de responsabilidade.

      Sendo assim, mais uma vez advertimos os profissionais no sentido de se prevenirem em seus atendimentos com assinatura de termos de consentimento, conversas esclarecedoras com os pacientes, fichas clínicas preenchidas de forma completa, assinatura de contratos, etc., a fim de evitarem processos éticos e judiciais e para que tenham base probatória suficiente caso mesmo assim sejam acionados na Justiça ou em Conselhos de Classe.

   Autoras: Ana Beatriz Nieto Martins (OAB/SP 356.287) e Erika Evangelista Dantas (OAB/SP 434.502), sócias do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em Direito da Saúde

Notas de rodapé

¹ “Apelação cível. Ação de indenização. Tratamento ortodôntico. Responsabilidade de            resultado. Fins estéticos. Danos materiais e morais. Caracterizados. Excludente de responsabilidade – culpa exclusiva da vítima. Não caracterizada. Recurso desprovido.

O profissional autônomo que presta serviços para fim específico tem responsabilidade objetiva, uma vez que sua atividade é de resultado.

No caso dos autos, a aflição e angústia causados por tratamento dentário não exitoso, ultrapassa os limites do mero dissabor e caracteriza a reparação pelos danos materiais e morais causados à paciente.

Não há que se falar em culpa exclusiva ou concorrente da vítima, pelo rompimento do tratamento, considerando a quebra e confiança com o prestador do serviço.”

APELAÇÃO CÍVEL, Processo nº 0003347-12.2015.822.0007, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Cível, Relator(a) do Acórdão: Des. Isaias Fonseca Moraes, Data de julgamento: 23/09/2019

² “RESPONSABILIDADE CIVIL. DENTISTA. IMPLANTE DENTÁRIO. Sentença de improcedência por falta de verificação de culpa. Recurso da autora. Aquele que se submete a procedimento de implantes dentários está interessado diretamente no resultado. Obrigação de resultado. Precedentes. Culpa exclusiva da vítima não demonstrada. Nexo causal entre o procedimento e os danos. Responsabilização devida. Condenação à devolução da quantia gasta no tratamento. Determinação de custeio do novo tratamento, abatida a quantia devolvida pelo tratamento anterior. Danos morais. Dores e incômodos por longo período. Indenização devida. Recurso parcialmente provido.” 
(TJSP;  Apelação Cível 1001041-51.2016.8.26.0704; Relator (a): Mary Grün; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XV - Butantã - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/10/2019; Data de Registro: 29/10/2019)

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“RESPONSABILIDADE CIVIL. TRATAMENTO ODONTOLÓGICO ESTÉTICO. Inserção de implantes, colocação de prótese de cerâmica, coroas de porcelana e fisioterapia. Responsabilidade subjetiva do cirurgião dentista e objetiva da clínica, mas submetida à configuração da culpa do odontólogo. Obrigação de resultado, por se tratar de procedimentos estéticos relativamente simples, a impor responsabilidade presumida do profissional liberal. Serviço mal executado, impedindo a adequada limpeza da prótese, causando ferimento do freio labial e agravando doença mandibular da paciente (DTM). Restituição dos valores pagos pelo protocolo de cerâmica e fisioterapia. Impossibilidade de restituição dos valores relativos aos implantes e coroas de porcelana, realizados corretamente e com proveito à paciente. Dano moral configurado. Ofensa a direito de personalidade, decorrente do sofrimento e angústia resultantes do longo e ineficaz procedimento odontológico. Manutenção do quantum fixado na r. Sentença. Dano estético não verificado. Prótese sem defeitos visíveis e passíveis de fácil correção. Multa por litigância de má-fé rejeitada. Sucumbência recíproca mantida. Sentença mantida. Recursos improvidos.” 
(TJSP;  Apelação Cível 1006785-22.2017.8.26.0565; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Caetano do Sul - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/10/2019; Data de Registro: 23/10/2019)

³ “APELAção CÍVEl. responsabilidade civil. ação de INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, morais e estéticos. – CERCEAMENTO DO DIREITO DE PRODUÇÃO DE PROVA. INOCORRÊNCIA. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA EM PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA NO CURSO DA DEMANDA. OITIVA DE TESTEMUNHAS. LAUDOS CONCLUSIVOS E IDÔNEOS. PARTICIPAÇÃO DAs PARTEs NA PRODUÇÃO DAS PROVAS. DIREITO AO CONTRADITÓRIO ASSEGURADO. DESNECESSIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO. – ERRO EM tratamento odontológico. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. INSTALAÇÃO DE PRÓTESES. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO DO CIRURGIÃO DENTISTA. TRATAMENTO ESTÉTICO E FUNCIONAL. SENSIBILIDADE DO PACIENTE. NÃO VERIFICAÇÃO DA NECESSIDADE DE PRÉVIO TRATAMENTO DE CANAL. MÁ ADAPTAÇÃO DAS PRÓTESES. TENTATIVA DE AJUSTES QUE CAUSARAM INFILTRAÇÃO E A QUEDA DAS PRÓTESES. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. CULPA CONFIGURADA. NECESSIDADE DE CORREÇÃO DOS PROBLEMAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. – dano moral. dor prolongada E QUEDA DAS PRÓTESES. SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO INCÔMODO OU ABORRECIMENTO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. – arbitramento COM razoabilidade e proporcionalidade. atenção A situação financeira das partes. valor ARBITRADO NA SENTENÇA mantido. – DANO ESTÉTICO não CARACTERIZADO. SITUAÇÃO PASSÍVEL DE CORREÇÃO COM NOVO TRATAMENTO. INEXISTÊNCIA DE DANO PERMANENTE. INDENIZAÇÃO afastada. – SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUÍDA. – recurso de apelação conhecido e PARCIALMENTE provido. - Não há que se cogitar de cerceamento ao direito de defesa quando, além da perícia realizada em procedimento antecipatório, houve o deferimento da produção de nova perícia no curso da ação, além da oitiva de testemunhas. Não se procede a uma segunda perícia quando o primeiro laudo esclarece todas as questões que foram submetidas ao perito e foi oportunizado à parte participar ativamente da produção da prova no curso da demanda.- A negligência do profissional da odontologia em verificar a necessidade de submeter o paciente a um prévio tratamento de canal em razão da sensibilidade em dente vitalizado e a imperícia em instalar próteses que não se adaptaram sobre a base, causando dores, infiltração e queda das próteses, enseja a responsabilidade pelos danos.- A má prestação do serviço que causou a queda das próteses e as fortes dores relatadas pelo autor configura um dano moral passível de indenização pecuniária. - A compensação do dano moral, de um lado deve proporcionar um conforto ao ofendido que amenize o mal experimentado e, de outro, deve servir como uma forma de desestimular a reiteração dos mesmos atos, o que justifica a manutenção do valor arbitrado na sentença de R$20.000,00.- Como do tratamento realizado pelo réu não resultou para o autor um dano estético permanente, uma vez que os problemas decorrentes são passíveis de solução com novo tratamento, não é devida a indenização autônoma.”

(TJPR - 9ª C.Cível - 0003637-61.2014.8.16.0158 - São Mateus do Sul -  Rel.: Juiz Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso -  J. 06.06.2019)

Sobre as autoras
Ana Beatriz Nieto Martins

Advogada (OAB/SP 356.287), sócia no escritório Dantas & Martins Advogadas Associadas, voltado o atendimento de profissionais da saúde, realizando diagnóstico de riscos jurídicos e elaborando condutas preventivas que permitam uma atuação segura e tranquila.

Erika Evangelista Dantas

Advogada (OAB/SP 434.502), sócia do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em direito da saúde.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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