Direitos Humanos não são “só” alguns direitos declarados, como se fossem uma mera declaração de vontade. Ou melhor, são direitos declarados sim, desde 1948, a contabilizarmos a seminal Declaração Universal dos Direitos Humanos. Porém, não são “meramente” inclinações ou suposições de vontade – até porque poder-se-ia facilmente declinar de uma vontade, se não houvesse obrigação pública de fazer cumprir.
E não há, por óbvio, como declinar (racionalmente) de Direitos Humanos Fundamentais. Quem diria tanto faz beber água limpa e saudável, quanto poluída, quem, em mínima sanidade mental, aceitaria ser preso, sem consequências alheias e nem direito de recorrer, tão-somente porque a dita “autoridade” usou de implacável autoritarismo? Quem, com dotação de inteligência emocional mediana não haveria de supor e requer a presença (liderança) e a atuação de uma “auctoritas”, como poder social reconhecido juridicamente (Soberania Popular) e legitimado pelo Processo Civilizatório?
Quem, com algum juízo de bom senso mediano, aceitaria a ação do poder ilegítimo como recurso autoritário e de exceção às normas de convivência regular à vida civil mentalmente equilibrada? Quem aceitaria relegar a senha dos seus bens, família, dignidade pessoal, à sanha e à vontade predadora de um cão de guerra qualquer, absolutamente desumanizado?
Quem se satisfaz em ser excluído do letramento formal, jurídico e político do mundo realmente sensível? É possível, com algum rastro de consciência, abdicar, alienar-se, destituir-se, desapossar-se de toda fibra de dignidade e consciência, colocando-se sob os auspícios de um louco que se adorna do poder e, em desiderato total, manda-nos ao pior hospício da desinteligência e da indigência humana?
Além da prova obtida pelo bom senso e equilíbrio mental, o conjunto complexo dos Direitos Humanos tem sim a chamada Força de Lei, ou seja, dispõe a seu favor de toda coerção legítima proveniente do Poder Político, especialmente do Poder Judiciário, a fim de que se busque seu integral cumprimento.
É o que reza a Constituição Federal de 1988, a principiar de seu Preâmbulo e constante em seu Art. 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos ... III - a dignidade da pessoa humana”.
Tanto quanto a CF88 é notabilizada por seu Art. 4º: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios ... II - prevalência dos direitos humanos”. Não se tem, aqui, necessidade alguma de se provar a obrigação/de fazer do Poder Público quanto ao acatamento, cumprimento, defesa e promoção dos direitos humanos. A Constituição, enquanto Carta Política – a Polis inclusiva da cidadania ativa no espaço público republicano –, é taxativa ao bom leitor da gramática portuguesa. A gramatura jurídica lhe seria superveniente.
Neste caso, restar-nos-ia somente averiguar a questão procedimental que implemente, “enquanto legalização desta Força de Lei”, os Direitos Humanos previamente declarados em solenidade jurídica e civilizatória na Organização das Nações Unidas (ONU). Como vemos no Art. 5º, LXXVIII, § 3º: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Este conjunto complexo de Direitos Humanos ainda se abastece, constitucionalmente, de normas regulamentadoras dotadas de eficácia consoante às cláusulas pétreas. É o caso expressamente defendido pelo Art. 5º, LXXVIII, § 1º, da CF88: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. E que, por sua vez, são asseguradas por outros direitos e garantias constitucionais, vistos no Art. 5º, LXXVIII, “§ 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Temos assim a delimitação, o alcance, o vigor (Força de Lei), e a natureza político-jurídica dos Direitos Humanos, constitucionalmente defendidas na CF88, enquanto direitos supra-estatais, globais e atemporais: ao se defender os direitos de primeira geração, arvora-se em precaução de tutela a geração futura de direitos.
Neste curso, pode-se dizer, com reconhecimento histórico, que não há limites político-jurídicos para a decretação/incremento dos Direitos Humanos securitários das gerações futuras – e o melhor exemplo constitucional provém do Estado Ambiental definido no Art. 225 da CF88. Pois, ainda se revigora o Princípio Civilizatório pela força mental provinda da emancipatória “liberdade de ensinar e de aprender” (Art. 206, II, da CF88), como direito fundamental à educação pública, de qualidade, crítica e laica.
Enfim, altera-se, ampliando-se, a própria natureza político-jurídica da forma-Estado pátria, agora citado como “Estado de Direito Democrático de Terceira Geração”. Reconhecemos e garantimos constitucionalmente a primeira geração do próprio Estado de Direito (os direitos civis e políticos minerados no século XIX), bem como taxamo-lo de Estado Democrático – destilando-se o Princípio Democrático restaurador da civilidade no pós-Segunda Guerra Mundial (2ª geração) – e, com a teleologia prospectiva de novos direitos humanos no século XXI, na forma final (3ª geração), configura-se sob a forma de um Estado de Direito (1ª) Democrático (2ª) de Terceira Geração.
Isto se assegura pelo Direito Humanitário, mas também é o cerne da CF88. Neste aspecto, nascida com a Força de Lei Civilizatória e muito antes que findasse seu tempo, facilmente, observa-se na CF88 a natureza político-jurídica teleológica, humanitária e emancipadora. Este é o Positivismo Jurídico que interessa à Soberania Popular, especialmente no alvorecer da democratização na América Latina, e que ocorre em desalento ao fascismo que nos abateu nas duas primeiras décadas do século XXI.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)
Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS