DA REVOGAÇÃO E DA CASSAÇÃO ITALIANA COMO MODELO PARA O BRASIL

09/11/2019 às 14:24
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE O MODELO ITALIANO DA CASSAÇÃO E A PROPOSTA DA PEC DOS RECURSOS.

DA REVOGAÇÃO E DA CASSAÇÃO ITALIANA COMO MODELO PARA O BRASIL

Rogério Tadeu Romano

I - O MODELO PROCESSUAL ITALIANO

Na lição de Crisanto Mandrioli , o recurso de cassação é apto a impedir o trânsito em julgado da decisão contra a qual se interpõe. Tal recurso é cabível, no direito italiano, no artigo 360 do Código de Processo Civil.

Assim seriam objeto de cassação:

a) Vício de jurisdição( a decisão se dá quando o juízo ordinário profere decisão que deveria ser dada pela justiça administrativa);

b) Quando é violada  norma sobre competência;

c) Quando há nulidade da sentença ou do procedimento ou ainda quando a fundamentação é inexistente, insuficiente ou contraditória.

Por outro lado, é cabível a revocazione nos casos previstos no artigo 395 do codice di procedura civile.

Necessário ainda considerar que há hipóteses em que a revocazione só é cabível, nos casos do artigo 396 daquele diploma legal.

a) Dolo da parte vencedora em detrimento da outra;

b) Se há julgamento com base em prova falsa;

c) Se há hipótese de documento novo, se depois da decisão, são encontrados um ou mais documentos decisivos que a parte não pode produzir em juízo;

d) Se a sentença é produzida por erro de fato;

e) Se a sentença é contrária a outro precedente, ou seja, a coisa julgada;
f) Se a sentença é resultante de dolo do juiz.

É dito que nos casos atinentes a alínea ¨d¨ e a alínea ¨e¨ a revocazione só é cabível contra decisão ainda não transitada em julgado. Nos demais casos, a revocazione pode ser utilizada mesmo depois do trânsito em julgado.

O exemplo da violação ou falsa aplicação da norma de direito está previsto no artigo 360, n. 3, do codice di procedura civile, sendo caso similar a violação literal a dispositivo de lei, previsto no artigo 485, V, do Código de Processo Civil.

É caso, no direito italiano, de aplicação do instituto da cassação, que, na Itália, é recurso.
Isso talvez fez alguns autores como Hortêncio Catunda de Medeiros(Recursos Atípicos) a ver a nossa ação rescisória como recurso atípico . Ora, data vênia, ao pensar do ilustre processualista estamos, no Brasil, diante de ação constitutiva negativa, que deve ser ajuizada perante os tribunais.
Tais ilações se fazem diante da redação do artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973, enumerando-se, ali, de forma taxativa, as hipóteses de ação rescisória, no Brasil,  que tem evidentes raízes na experiência italiana.

Peculiar que Calamandrei considerasse que havia na cassação o aspecto de recurso, trazendo especial argumento no sentido de que casos de recurso que poderiam ser ajuizados em 30(trinta) anos, pasmem, poderiam ser ajuizados.

A solução  é de ação, como é a ação rescisória, no direito brasileiro, como é a ação de embargos de devedor, que é ação de cognição incidental de caráter constitutivo, de caráter incidental, como disse Sérgio Costa.

II - A CORTE DE CASSAÇÃO

Supremo Tribunal de Cassação (Corte di Cassazione) é o tribunal italiano que lida com as violações da lei. O Tribunal de Cassação é competente para apreciar os recursos contra as decisões de qualquer tribunal – em determinados casos, o recurso pode ser interposto diretamente – em matéria cível e penal, ou contra qualquer ato que constitua uma limitação da liberdade individual.

O Tribunal de Cassação é a mais alta instância do sistema judiciário. Nos termos da lei de bases do sistema judicial, Lei n.º 12 de 30 de janeiro de 1941 (artigo 65.º), entre as principais funções do Supremo Tribunal incluem‑se o dever de «assegurar a correta aplicação da lei e a sua interpretação uniforme, assim como garantir a unicidade da lei objetiva nacional e o respeito pelos limites entre as diferentes jurisdições». Uma das principais características da sua função consiste, portanto, em uniformizar a lei, na prossecução da segurança jurídica.

Órgão de cúpula da pirâmide judiciária italiana, instituída para ser o centro de convergência dos juízes, a Corte de Cassação italiana é única e tem sede em Roma, desde a sua unificação ocorrida em 1923 (régio Dec. 601, de 24.03.1923).

Tal é a sua previsão diante do modelo constitucional do pós-guerra na Itália, que adotou o Estado Democrático de Direito após o transe do fascismo.

O recurso de cassação é cabível contra as sentenças proferidas em grau de apelação ou em único grau, como dispõe o art. 360 do CPC, e contra todo outro provimento do juiz (ordenação e decreto) com conteúdo decisório e com caráter definitivo (irrecorrível), como especificado pela jurisprudência. Primeiramente, é preciso frisar que a Constituição italiana protege expressamente a garantia do cabimento do recurso de cassação, no art. 111, parte 7.º, e nesse sentido a Corte Constitucional salientou que o mencionado remédio constitui um aspecto essencial do devido processo legal (art. 111, partes 1.º e 2.º, da Constituição). Vale ressaltar, contudo, que, no panorama europeu, a proteção constitucional italiana ao recurso de cassação “representa um unicum”, conforme a lição de autorizada doutrina.

Também no Brasil, diferentemente da tradição europeia dominante, a Constituição Federal de 1988 prevê expressamente o cabimento dos recursos extraordinário e especial, nos arts. 102, III, e 105, III, respectivamente.

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Com a reforma de 1990 (Lei 353, de 26.11.1990), à Corte de Cassação foi atribuído o poder de julgar diretamente o mérito da causa quando o recurso for acolhido por violação ou falsa aplicação da lei substancial e for desnecessário produzir novas provas (“ulteriori accertamenti di fatto”, como estabelece o art. 384 do CPC); depois, a reforma de 2006 (Decreto Legislativo 40, de 02.02.2006), visando à economia processual, ampliou ainda mais o poder de julgar o mérito da controvérsia mesmo quando a cassação da decisão recorrida tiver sido pronunciada por violação da lei processual.

No que tange às funções da Corte de Cassação, elas estão previstas no art. 65 do régio Dec. 12, de 30.01.1941, sobre o ordenamento Judiciário, que define a corte como o “órgão Supremo da Justiça”, à qual é conferida a função de assegurar “a exata observância e a uniforme interpretação da lei” e a “unidade do direito objetivo nacional”. Diante disso, a Corte de Cassação é encarregada de duas funções: a do controle da correta aplicação e da “exata observância” da lei pelo juiz inferior, prolator do provimento recorrido, que se destina a invalidá-lo e, em algumas hipóteses, a rejulgar a causa no mérito; e a uniformizadora, que visa a unificar e a coordenar a interpretação e a aplicação das leis, garantindo a homogênea evolução da jurisprudência. No âmbito da primeira função (a do controle do provimento recorrido), o recurso de cassação protege interesses particulares e privados das partes, para terem uma decisão correta e sem vícios; por conseguinte, a corte age de maneira retrospectiva e reativa, em direção ao passado.

Fala-se a esse propósito de tutela do ius litigatoris (na terminologia italiana) e da missão disciplinar (na terminologia francesa) da Corte de Cassação em relação aos juízes inferiores. Anote-se que o recurso de cassação italiano desempenha ao mesmo tempo o papel do recurso extraordinário perante o STF e do recurso especial perante o STJ, sendo o cabível tanto em caso de violações de disposições constitucionais como em caso de violações de disposições infraconstitucionais de qualquer natureza. No âmbito da segunda função (zelar pelo direito objetivo com a unificação e coordenação na interpretação das leis), o recurso de cassação alcança um objetivo público e geral, que é o de zelar pela igualdade dos cidadãos perante a lei, e nesse sentido a corte atua de maneira prospectiva e proativa, em direção ao futuro.

III - A PEC DOS RECURSOS

Tentou-se algo similar no Brasil.

Leve-se em conta que o principal problema no sistema constitucional brasileiro é o excesso de recursos. De um recurso especial, julgado pela Turma, tem-se a possibilidade de: ajuizamento de recurso de embargos de declaração, de recurso de embargos infringentes e ainda de embargos de divergência, sem contar que o recurso de embargos de declaração permanece atuante com relação a esses outros recursos citados.

Lembro que, em 2011, quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cesar Peluso, compareceu ao Senado Federal para propor a chamada PEC dos Recursos. 

Como reconhecia o ministro “temos um sistema jurisdicional perverso e ineficiente”, que retarda a prestação de justiça, em função da existência de um modelo recursal irracional.

Na linha de Oscar Vilhena(artigo publicado no jornal A Folha de São Paulo, em 9 de novembro do corrente ano), de um lado, esse sistema prejudica pessoas que, mesmo após terem seus direitos reconhecidos por juízas e tribunais, chegam a aguardar décadas pela manifestação de um tribunal superior ou do próprio Supremo Tribunal Federal, para receber o que lhes é de direito.

De outro lado, o sistema permite que a aplicação da pena daqueles que já foram condenados em primeira e segunda instâncias possa ser procrastinada, favorecendo a percepção de impunidade e muitas vezes incentivando a vingança privada.

Para reverter esse quadro, o ministro Peluso propunha, de maneira engenhosa, reformar a Constituição, transformando recursos especiais e extraordinários em ações constitucionais rescisórias. O efeito dessa mudança seria antecipar a coisa julgada.

Tomada a decisão de segunda instância, a sentença poderia ser executada. A PEC 15/2011 não impediria, no entanto, o direito de acesso aos tribunais superiores ou ao STF, seja por intermédio das novas ações rescisórias ou por remédios constitucionais tradicionais, como o habeas corpus. 

O problema, pois, no Brasil, não está na discussão com relação a presunção de inocência, diante de um trânsito em julgado formal e material, mas de um excesso de recursos.

A PEC noticiada que trazia uma solução à italiana para o sistema processual brasileiro parece que não foi adiante.

Continuam os litigantes a se servir de um sistema caro e cheio de caminhos para se achar a verdade da lei, como dizia Chiovenda.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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