O companheiro, o compromisso em dizer "a verdade" e o falso testemunho

10/11/2019 às 17:50
Leia nesta página:

Tem o presente texto a finalidade de mostrar que não se deve firmar o compromisso de dizer a verdade, previsto no artigo 203 do CPP, ao companheiro, portanto ele não comete o delito de falso testemunho.

Entende-se, consensualmente, por testemunha a: “Pessoa que atesta a veracidade de um ato ou presta esclarecimentos a respeito de determinados acontecimentos, confirmando-os ou negando-os”1

 Fato este que viu, ouviu ou captou de alguma forma sensorial, como bem delineado por José Frederico Marques: “(...) A testemunha pode depor sobre o que viu, como sobre o que ouviu e ainda sobre qualquer outra percepção obtida por um dos demais sentidos, como, “verbi gratia”, o olfato ou tato. (...)2

Não cabe a testemunha dar parecer ou fazer divagações pautadas em achismos ou opiniões pessoais.

O fato de ser testemunha não decorre de uma deliberalidade do indivíduo, antes disso, trata-se de um múnus com Estado, tanto assim é que por expressa redação do artigo 342 caput do Código Penal, constitui crime calar com a verdade na qualidade de testemunha.

Todos podem servir como testemunha, isso se extrai da lição constante no artigo 202 do CPP.

Conforme dispõe o artigo 203 do CPP: “A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.”

A obrigatoriedade de dizer a “verdade” como toda regra, comporta sua exceção, exceção essa delineada no artigo 206 do CPP: “(...) testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.”

Por vezes, no âmbito de audiências e ou mesmo nas delegacias de polícia, nos deparamos com companheiros(as) que são arrolados na qualidade de testemunha, exigindo-se, por vezes, que ofertem  versão que comprometam aquele com quem convivem; diante disso, questiona-se, se tal pessoa deve prestar o compromisso de dizer “a verdade” previsto no artigo 203 do CPP, uma vez que por expressa literalidade o artigo fala em cônjuge e não companheiro.

Reputamos que não deve haver distinção, no que se refere ao compromisso firmando no artigo 203, no tratamento despendido ao cônjuge em relação ao companheiro, nesse linha interpretativa o STF já decidiu em diversos temas que não deve haver discriminação entre cônjuges e companheiros.

Em um primeiro momento o companheiro deve ser dispensando de depor, apenas nos casos previstos na parte final do artigo 206, deverá ofertar sua versão.

A não obrigatoriedade de se firmar o compromisso de dizer a “verdade”, tem por base duas situações distintas; primeiro a ausência de imparcialidade do membro familiar, que sempre será tendencioso em beneficiar aquele com quem convive e o segundo é dilema moral envolvido, quando o familiar eventualmente possa vim prejudicar seu ente querido, sob pena de se assim não o fizer, incorrer no delito previsto no artigo 342 do Código Penal; colocando a relação familiar entre a “cruz e a espada”.

Pelas razões acima elencadas, não faz sentido haver distinção para fins da escusa do artigo 206 do CPP, exigir do companheiro o compromisso de dizer "a verdade", sobretudo quando a Constituição em seu artigo 226 § 3º e o Código Civil em seu artigo 1.723, equipara a união estável a entidade familiar.

Dessa forma, deve-se aplicar a dispensa independente da relação entre os companheiros, seja homoafetiva ou não.

Nessa esteira, o companheiro(a) não deve ostentar a condição de testemunha, pois a ele não se deve impor o compromisso de dizer “a verdade”, devendo ser escutado(a) como informante ou declarante.

Por tais motivos, no âmbito dos trabalhos de Polícia Judiciária, quando não for possível por outro modo obter-se ou integra-se de elementos de informação acerca dos fatos, deve-se proceder a oitiva por meio do "Termo de Declaração", assim, em caso da falta com “a verdade”, por não haver o compromisso em assim proceder, não deve o companheiro ser punido pelo delito de Falso Testemunho, sem prejuízo de outros delitos que venham a cometer.

REFERÊNCIAS: 

1-  http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=testemunha

2-  Elementos do Direito Processual Penal; Vol II,  1998, pág. 309, editora Bookseller. 

Sobre o autor
Arilson Brandão

Delegado de Polícia do Estado de São Paulo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos