O Novo Cenário Comercial Jurídico imposto pela Crise Financeira

11/11/2019 às 08:34
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A atividade da advocacia está suscetível de sofrer mudanças pelas intempéries sociais, econômicas, jurídicas e políticas. Os desafios do ofício provocaram a presente reflexão sobre o atual momento de transição da profissão.

“Há pessoas neste mundo que gastam todo o seu tempo à procura da justiça, não lhes sobrando tempo algum para a praticarem”. (Henry Billings Brown)[1]

No campo econômico, é um fato que a crise financeira que assola o País impulsionou o fechamento de diversas empresas, ocasionou a demissão em massa de um número considerado de trabalhadores e achatou ainda mais a folga lucrativa das empresas restantes, que para sobreviver tiveram de buscar alternativas para enxugar o orçamento e solucionar o déficit de receitas.

Infelizmente, é uma realidade que dentre as “alternativas” encontradas, muitas empresas se viram forçadas a encerrar os contratos com escritórios ou não se viram capazes de continuar honrando o pagamento, tornando-se inadimplentes, tendo em vista que o setor jurídico ainda é visto como um serviço acessório, complexo, burocrático, custoso e pouco rentável na visão de muitos empresários, não havendo sentindo manter em pleno funcionamento diante da crise em prol de outros setores tidos como essenciais.

A partir do momento que diversas empresas são encerradas e há uma resistência orçamentária das sobreviventes para aceitação do serviço jurídico por não poder honrar os futuros contratos, a advocacia tributária, onde sua maioria é formada por contratos com pessoas jurídicas, começa a entrar em crise no campo nacional.

No campo regional, está havendo um “malabarismo empresarial” no tocante a localização dos estabelecimentos, os mesmos estão alterando seus endereços para outros Estados que possuem benefícios fiscais mais vantajosos, acentuando a guerra fiscal e prejudicando a economia local como um todo.

Se não bastasse já a crise externa, no âmbito interno, a concorrência é impressionante pelo batalhão de novos advogados que adentram no mercado a cada ano, atingindo em 2018 a marca atual de mais de 1 milhão de inscritos na OAB, tendo o Brasil o equivalente a 1 advogado para cada 200 habitantes.

Essa concorrência num mercado escasso provoca, infelizmente, o aviltamento dos honorários advocatícios para sobreviver em meio aos caos. Porém, nessa guerra de preços, quem perde somos todos nós, tendo em vista que muitas vezes o preço é informado sem uma real noção do custo-benefício do próprio serviço, por ingenuidade, imperícia ou por real necessidade.

Apesar desses fatos infelizes, o presente artigo não almeja ressaltar esses obstáculos como fator para entristecer ou assustar os mais jovens ou desavisados, pelo contrário, aspira alertar para mudança na execução do procedimento jurídico-comercial.

Uma das consequências da crise no mercado advocatício provocada pela diminuição de receitas é a readequação da equipe técnica, ou seja, houve a concentração do trabalho nos agentes mais essenciais ao escritório para o desenrolar da execução do serviço.

A diminuição da mão-de-obra como fator de redução de despesas mantendo o mesmo padrão de excelência só está sendo possível graças a atual conjectura tecnológica disponível no mercado para os escritórios, podendo-se destacar a utilização de softwares para acompanhamento de prazos, movimentação processual, jurimetria, cadastramento de dados e até pré-peticionamento, deixando o advogado devidamente assessorado para o melhor desempenho do seu trabalho.

Com a redução do corpo jurídico, é uma tendência que as sedes físicas também diminuam ou até se extingam. O novo modelo imposto pela crise requer uma estrutura física enxuta e que seja prática, atendendo o respectivo fim que se destina, por isso está ficando cada vez mais raro o padrão clássico de escritório de advocacia com sede numa casa, por comportar um gasto fixo mensal pesadíssimo para manutenção de toda sua estrutura, podendo se transformar numa época de “vacas magras” num verdadeiro “elefante branco”.

O padrão hoje imposto pela crise é de um escritório numa sala de empresarial, pelo compartilhamento da estrutura de portaria, estacionamento, localização e baixo custo para sua manutenção. Pelo avanço da cultura digital de comunicação, também está virando uma tendência a utilização do modelo de escritórios virtuais.

No modelo virtual, com eventual necessidade de encontro físico para diálogo e entrega de documentos, utiliza-se o aluguel pontual de salas de coworking, bastante popularizadas, dotadas de toda estrutura necessária.

O avanço dos escritórios virtuais é tão crescente que a forma de captação dos clientes vem se alterando, sendo, ultimamente, a internet o meio principal de captação.

Tal fato, inclusive, deu ensejo a discussão no Conselho Federal da OAB sobre os limites da publicidade na advocacia, tendo em vista que o atual Código de Ética e Disciplina não contempla redes sociais, propondo assim, em consulta pública, o debate sobre a flexibilização da utilização, bem como sites e plataformas digitais como aplicativos de localização, busca e troca de mensagens para divulgação dos serviços jurídicos.

Com a crise, o público alvo dos escritórios, também, passou por modificações, tendo em vista o fim das operações de grandes empresas incluídas no regime tributário do lucro real e presumido, havendo a grande procura pelas empresas do simples, ME e EPP, como perfil a ser arduamente explorado para prospecção de novos serviços.

Como exemplo dessa nova “corrida do ouro”, percebe-se a adoção da estratégia processual de alguns escritórios em se especializar na completa assessoria jurídica para o público de startups.

No campo jurídico, era uma praxe comum dos grandes escritórios terem atuação em quase todas as áreas do direito, almejando poder abarcar o maior número de causas possíveis, daí a necessidade de possuir um profissional com perfil generalista pela sua versatilidade.

A mentalidade da época era no sentido de que para ter sucesso profissional, o escritório deveria atuar no maior número de áreas possíveis. Essa estratégia profissional vem se tornando cada vez mais rara nos dias atuais pelo avanço da cultura essencialista imposta pela crise.

Primeiramente, porque dentro do próprio escritório poderá haver áreas mais rentáveis que outras, fazendo com que o foco seja dividido e consequentemente haja desgaste com o trabalho e perda geral de produtividade para consecução de tarefas em setores menos lucrativos.

O modelo negocial essencialista da atualidade foca, basicamente, numa área ou num nicho específico de atuação, fazendo com que banca fique conhecida por sua especialidade, gerando, por consequência, preços diferenciados para contratação do serviço. Essa nova mentalidade imposta pela crise do “menos, porém melhor” é explicada, inclusive, pelo princípio de Vilfredo Pareto, que determinou que 20% do nosso esforço produz 80% dos resultados.

Sem dúvida, o trabalho árduo é importante. Porém, mais esforço não gera necessariamente mais resultado.

O desgaste na atuação do modelo full service como chamariz para clientes pode causar uma busca indisciplinada por mais que com o tempo pode gerar um volume de trabalho exacerbado, requerendo, por sua vez, um quantitativo da mão-de-obra para fazer jus a demanda de trabalho, aumentando o custo da produção em áreas pouco atrativas financeiramente, desviando o foco das áreas mais essenciais e lucrativas, podendo gerar uma estagnação no progresso do próprio negócio.

A OAB/GO publicou artigo em seu sítio eletrônico[1] listando “os sete pecados capitais dos escritórios” que causam o fracasso dos negócios jurídicos, destacando-se:

Pecado nº 2

Falta de foco

A maioria dos escritórios jurídicos atua no mercado de maneira aleatória, sem definir um nicho ou focar em um segmento específico. O ideal é identificar clientes segundo critérios estratégicos, baseados em pesquisa de mercado, e conciliando as necessidades e demandas dos clientes com as competências específicas da equipe técnica do escritório.

Vários tipos de focos de mercado podem ser explorados e atendidos, a partir de uma especialização do escritório, por exemplo:

. Atendimento exclusivo a pessoas físicas ou a pessoas jurídicas;

. Atendimento a uma determinada classe social -A, B, C ou D;

. Atendimento a determinado porte de empresas - grandes, médias ou pequenas;

. Atendimento a determinados segmentos ou setores econômicos;

. Atendimento a determinadas regiões geográficas;

. Atendimento a determinadas especializações jurídicas.

Um escritório jurídico pode se especializar no atendimento de empresas de médio porte do setor de transporte rodoviário, por exemplo, no atendimento de demandas de pessoas físicas das classes A e B ou, ainda, no atendimento de empresa do setor metalúrgico.

Quando o escritório se especializa e desenvolve o foco em um segmento específico, rentável e promissor, ele obtém grande vantagem competitiva. Com o tempo, ele pode se tornar uma referência profissional e uma autoridade jurídica respeitada e valorizada no segmento, ou seja, o foco é um fator que pode criar um diferencial e um forte posicionamento estratégico no mercado.

 

Pecado nº 3

Desconhecimento do cliente ideal

Identificar e conhecer profundamente o cliente ideal do seu escritório é fundamental, não apenas para a estratégia de marketing jurídico, mas, principalmente, para a lucratividade do escritório.

Nos últimos anos, realizamos pesquisas baseadas na Análise de Pareto, que é uma importante ferramenta gerencial, e constatamos que 20% dos clientes são responsáveis por 80% do lucro de um escritório de advocacia. Esses 20% de clientes lucrativos são justamente os Clientes ideais do advogado são os clientes que geram lucro e promovem o crescimento e a prosperidade do negócio.

Cada escritório jurídico tem um perfil de cliente ideal específico, que é determinado pelos objetivos, pelo foco e pela estrutura do negócio. Portanto, identificar esse perfil de cliente e desenvolver ações direcionadas a conquistá-los, de forma sistemática, é fundamental.

 

No campo social, a questão do perfil profissional para atuação na área tributária vem sendo alterada ao longo dos anos.

O padrão anterior era de um advogado generalista que atuava em diversos ramos do direito. Com o destaque do Direito Tributário como ramo autônomo, se distanciando cada vez mais do Direito Administrativo, houve o consequente incremento da doutrina e complexidade da questão, atraindo e necessitando de profissionais especializados e com atuação voltada exclusivamente para o ramo fiscal.

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É de conhecimento amplo que a morosidade do judiciário a todos prejudica. A situação chegou a um patamar alarmante com a atual redução nos repasses orçamentários dos tribunais, impactando, inclusive, na impossibilidade de convocação de novos servidores e no sucateamento da estrutura e equipamentos dos órgãos.

Esse fator tem provocado uma mudança de atuação dos profissionais, tendo em vista que muitos não querem mais atuar ou depender financeiramente da seara judicial pelo alto custo do processo e demora excessiva para resolução do conflito e consequente levantamento dos honorários.

O perfil do advogado tributarista contencioso está sendo paulatinamente alterado para um perfil consultivo ou de atuação voltada especificamente para o âmbito administrativo.

As empresas mais vanguardistas já estão extinguindo os antigos setores jurídicos em anexo, utilizados para consultas pontuais, e incorporando esses profissionais como agentes efetivos, diretores jurídicos, na tomada de decisões para o rumo do negócio, agregando valores e visões essenciais para o impulsionamento da empresa.

O setor jurídico fiscal está assim passando por uma transição em sua estrutura física (econômico), campo de atuação (jurídico) e no perfil profissional do advogado (social).

No campo político, é um fato que está em discussão a reforma tributária, basicamente reduzida em 2 propostas: a PEC 45/2019, apresentada pela Câmara, e a PEC 110/2019, apresentada pelo Senado.

Em ambas as propostas, a alteração do Sistema Tributário Nacional tem como principal objetivo a simplificação e a racionalização da tributação sobre a produção e a comercialização de bens e a prestação de serviços, base tributável atualmente compartilhada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios

Nesse sentido, ambas propõem a extinção de uma série de tributos, consolidando as bases tributáveis em dois novos impostos:

(i) um imposto sobre bens e serviços (IBS), nos moldes dos impostos sobre valor agregado cobrados na maioria dos países desenvolvidos; e

(ii) um imposto específico sobre alguns bens e serviços (Imposto Seletivo), assemelhado aos excise taxes.

A base de incidência do IBS em ambas as propostas é praticamente idêntica: todos os bens e serviços, incluindo a exploração de bens e direitos, tangíveis e intangíveis, e a locação de bens, operações que, em regra, escapam da tributação do ICMS estadual e do ISS municipal no quadro normativo atualmente em vigor.

As propostas, por outro lado, trazem diferenças significativas em relação aos seguintes pontos:

PEC 110: são substituídos nove tributos, o IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS;

PEC 45: são substituídos cinco tributos, o IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS.

Nesse aspecto, a simplificação num primeiro momento pode trazer diminuição do campo de trabalho, tendo em vista a extinção dos principais tributos envolvidos em polêmicas: ICMS e ISS.

A redução das obrigações acessórias pela concentração em um único tributo ocasionará, consequentemente, no plano hipotético, um menor número de erros/falhas no preenchimento, diminuindo por ventura eventuais demandas no campo tributário.

Não se almeja defender no presente artigo a manutenção da complexidade técnica da legislação tributária, terreno fértil interpretativo, apta a desencadear diversas discussões processuais como “ganha pão” jurídico.

Pelo contrário, o sentido é unicamente reflexivo, tendo em vista se tratar de um possível cenário fático iminente. Como exemplo pode-se fazer uma analogia com a experiência da reforma trabalhista que trouxe uma diminuição do número de ajuizamento de ações no Judiciário, afetando, por reflexo a classe advocatícia.

A dificuldade causou uma momentânea redução de receitas, fazendo com o setor se arranjasse na nova ferramenta do “Compliance Trabalhista”:

O Compliance Trabalhista também vem ganhando visibilidade exatamente por tangibilizar um ativo que muitas vezes passa despercebido pela maioria das empresas: a gestão do Direito Coletivo e Individual do Trabalho, pela Gestão dos Recursos Humanos e pelo auxílio na tomada de decisões dos dirigentes, seja pelas práticas societárias comuns ao dia a dia da empresa – como entrada e saída de diretores e forma de remuneração destes e que têm alto impacto na saúde financeira de uma organização.[2]

Dessa forma, pode-se estipular um possível cenário de queda na quantidade de serviços oferecidos na seara judicial com a nova legislação pós-reforma, pela simplificação, dando margem para uma reestruturação do foco de atuação.

Apesar da inaplicabilidade de diversas teses práticas, o debate sempre existirá e com ele novas discussões e jurisprudências virão, desencadeando por sua vez a possibilidade de novas ações mais vantajosas.

Nesse momento de transição, é importante fazer pausas estratégicas para pensar analiticamente sobre os diversos cenários que estão por vir, estipular planos de estruturação e abrir mão, conscientemente, das oportunidades boas para focar essencialmente nas fantásticas, cortando as áreas triviais, custosas e pouco rentáveis, abrindo caminho para as vitais, essenciais e mais lucrativas, seguindo a lógica do “perder, para ganhar!”.

Importante refletir que o presente momento de crise é também uma ocasião de futuras oportunidades, tendo em mente que "se não estabelecermos prioridades, alguém fará isso por nós" (Greg Mckeown).

 

 


[1] Autor: Ari Lima, disponibilizado em : http://www.oabgo.org.br/oab/servicos/sistema-de-inteligencia-e-mercado/gestao-de-escritorios-artigos/os-sete-pecados-capitais-dos-escritorios

[2] Barbosa, Fernanda. Disponibilizado em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI241920,41046-O+Compliance+Trabalhista+como+ferramenta+de+integracao; acessado em 10/11/2019.


[1] Henry Billings Brown foi um juiz associado da Suprema Corte dos Estados Unidos de 29 de dezembro de 1890 a 28 de maio de 1906

Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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