Características do "welfare state" na CF/88 e influências liberais no CC/2002

19/11/2019 às 19:34
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Objetiva-se demonstrar que o Estado de bem-estar social - "Welfare State" - reforça a vontade do indivíduo, assegurando que esse não seja enganado – por exemplo, pela ausência de boa-fé - e que terceiros não sejam afetados negativamente.

Introdução

Após a Grande Guerra, as nações europeias se recuperaram e continuaram crescendo, todavia, a economia estadunidense enfraqueceu. O Presidente Franklin Roosevelt implementou o new deal (novo acordo) objetivando uma intervenção estatal na economia. O Estado social foi desenvolvido para enfrentar os problemas criados pelo Estado Liberal. Compreende-se que é necessário que o Estado intervenha na economia, sem dominar os meios de produção ou propriedade privada.

A Constituição brasileira, conhecida como “Constituição Cidadã”, possui características sociais, garantindo os direitos sociais dos cidadãos. No título VII, da Ordem Social, da CF/88, é disposto sobre a garantia a saúde (principalmente como dever do Estado, art. 196, CF/88) e a seguridade social, que abrange a saúde, previdência e a assistência social - devendo ser de iniciativa, principalmente, dos Poderes Públicos, art. 194, CF/88.

Com a ascendência das ideias liberais, o Império do Brasil teve uma constituição liberal, entretanto, com a figura do poder moderador - que foi criticado pelos liberais brasileiros.  A constituição republicana de 1891 teve também influência da referida ideia e em 1916 foi promulgado o código civil brasileiro. Devido a base do Código Civil de 2002 ser o código anterior (1916), o atual tem influência liberal.

Objetiva-se demonstrar que o Estado de bem-estar social reforça a vontade do indivíduo, assegurando que esse não seja enganado – por exemplo, pela ausência de boa-fé - e que terceiros não sejam afetados negativamente. Para comprovação, será apresentada defesa que reforça a ideia de auxílio do Estado nas relações, principalmente nas contratuais. 

O que é Estado de bem-estar social?

No Estado de bem-estar social, também conhecido como Welfare State, o Estado interfere no privado com o objetivo de promover o bem-estar. Essa intervenção, por exemplo, pode ser na economia, saúde, educação e previdência. Basicamente, o Welfare State faz o Estado ser assistencial, colocando os serviços assistencialistas como direitos sociais.

“O Estado de Bem-Estar Social é aquele interessado no bem-estar, oposto ao comunismo e ao autoritarismo. O Welfare State apareceu para superação das contradições históricas derivadas do liberalismo clássico. Após a Segunda Guerra Mundial, o Estado Social desenvolveu-se nos países componentes do bloco ocidental. Em países em vias de desenvolvimento ainda é incipiente a atuação do Estado no campo social, em que pesem as cláusulas sociais inseridas em suas Constituições. O Estado deixou de centrar-se preponderamente no direito, não sendo o único meio de ação, senão um dos instrumentos de gestão, tendo como contrapartida a justiça distributiva material e atualizando-se mediante a eficácia das políticas e prestações estatais”1

No Brasil, o Estado social fora vislumbrado com a Constituição de 1934 - que teve caráter intervencionista e liberal. O texto constitucional abordava, por exemplo, direitos trabalhistas e salário mínimo. A referida constituição teve influência da constituição alemã de Weimar, que “foi uma das primeiras do mundo a prever direitos sociais, que incluíam normas de proteção ao trabalhador e o direito à educação. Além disso, a Carta também possuía um extenso rol de direitos fundamentais, que asseguravam a igualdade, a liberdade de expressão e religião e a proteção de minorias”, de acordo com Sérgio Rodas2.

Ainda que atualmente no Brasil não exista um Estado Social, os princípios sociais encontrados na Constituição Federal de 1988 garantem a intervenção estatal, sendo de extrema relevância a função social, equivalência material e boa-fé. No artigo 3°, da CF/88, é estabelecido que a construção de uma sociedade livre, justa e solidária é um dos objetivos fundamentais. No caso da atividade econômica, é dito que um dos princípios a serem observados é o da função social da propriedade. Entende-se que a propriedade que atende a função social é garantida e inviolável. Caso não atenda a referida função, se perde a legitimidade, entretanto, deve ter o devido processo legal. De acordo com o art. 5°, inciso XXIV, a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade, utilidade pública ou por interesse social, sendo necessária justa e prévia indenização em dinheiro.

No Estado liberal não há intervencionismo, existe liberdade de mercado e concorrência. No Estado de bem-estar social há intervencionismo, regulação das relações comerciais e de trabalho e o Estado é o provedor de direitos sociais. Ora, existir regulação das relações comerciais e de trabalho não significa que o Estado prejudica, mas sim que esse deverá garantir que o bem-estar da sociedade não será desrespeitado. Um problema no welfare state pode ser o alto nível de burocracia e encargos trabalhistas. No Estado liberal, a saúde, por exemplo, é vista como mercadoria devido a necessidade de força de trabalho do indivíduo, enquanto que no Estado social será visto como um direito. 

Qual a influência liberal no Código de Civil de 2002?

Como dito anteriormente, o atual código teve influência, principalmente, do CC/1916 – que foi influenciado pelas ideias liberais e pelo código civil alemão de 1896. As relações jurídicas privadas foram regidas pelo patrimonialismo e não existia limitação ao poder de contratar - onerosidade excessiva, que é prevista no CC/2002. O interesse social não era mais visado que a liberdade individual - o atual código assegura que, por exemplo, não poderá ser feito contrato de compra e venda que prejudique interesse social.

Rui Barbosa, animado com a Constituição dos Estados Unidos da América, apresentou um anteprojeto de texto constitucional embasado nas ideias do liberalismo, entretanto, na república houve dominação dos coronéis e o distanciamento do Estado em relação à sociedade. Inicialmente, no Governo Campos Sales, o jurista Antônio Coelho Rodrigues tinha sido escolhido para elaborar um código civil, entretanto, não houve andamento na Câmara dos Deputados. Em 1898, Epitácio Pessoa, ministro da Justiça no Governo Campos Sales, escolheu Clóvis Beviláqua para redigir o projeto. Houve um debate entre Rui Barbosa e Clóvis Beviláqua. As críticas de Rui Barbosa ao projeto de Beviláqua focavam na linguagem do projeto. Ele defendia que os conceitos jurídicos necessitavam de expressão literária elegante, clara, de fácil compreensão e com minoração das ambiguidades.

Um dos motivos da forte crítica de Rui Barbosa à Beviláqua estava centrado na velocidade que o governo buscou imprimir ao processo legislativo, o que poderia impor maiores dificuldades na vida prática do direito brasileiro. À medida que os dados foram sendo desnudados, nota-se que a ação política de Rui Barbosa surtiu efeitos desejados, já que obrigou a realização de um debate mais aprofundado sobre o projeto original, em vez de permitir um fluxo célere e pouco refletido.3

A Escola de Recife - onde Baviláqua estudou - teve forte influência do naturalismo, evolucionismo e pelo cientificismo e teve embasamento forte nos teóricos alemães (GOMES, 2015). A Escola de São Paulo teve influência do positivismo, se baseando no ordenamento jurídico francês e italiano (GOMES, 2015).

 

Segundo Bevilaqua, a Parte Geral do CCBr. recebeu em suas normas grande influência da Pandectística alemã. Bevilaqua destaca o Art. 74 CCBr., sobre aquisição de direitos, que teriam sua origem na obra de Savigny; a noção de ação em direito material do Art. 75 CCBr., baseada no conceito alemão de Anspruch e outros. Em seus comentários, Bevilaqua deixa clara a forte influência que exerceu a ciência e doutrina alemã do século XIX no contéudo da Parte Geral do CCBr., assim como foi forte a influência do direito tradicional brasileiro e português, e dos Projetas de Freitas e de Coelho Rodrigues.4

Entende-se que houve relevante influência alemã de modos indireto e direto, visto que, o direito alemão influenciou as Ordenações, que vigoraram no Brasil, do direito português e por meio do código civil alemão (BGB - Bürgerliches Gesetzbuch) sobre o CC/1916. A burguesia mercantil desejava o liberalismo econômico, ao contrário da classe agrária que não concordava com a referida ideia.

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'La más independiente de las codificaciones latinoamericanas es el C.c. brasileiio de 1 o de enero de 1916. De los 1.807 artículos que lo integran, una mitad, más o menos, deriva de los códigos europeus, principalmente del francês y del português, habiendo 62 artículos que tienen su origen en el C.c. alemán. La otra mitad se funda en ideas de los juristas brasileiios y recoge el derecho consuetudinario." isto porque "metade dele se funda em idéias dos juristas brasileiros e reco~ lhe o direito consuetudinário. La ordenación de las materias tiene una amplia correlación con el C.c. alemán, aunque sea diversa la división en una parte general y una parte especial'.5

O projeto do Código Civil de 1916 foi aprovado em 1° de janeiro de 1916 e entrou em vigor em 1° de janeiro de 1917. 

Conclusão

Com a influência do Estado Social objetiva-se garantir que o interesse social prevaleça sobre o privado, evitando abusos, arbitrariedades dos setores privados. O contrato de adesão, por exemplo, é elaborado pelo proponente, e a outra parte precisa aceitar as cláusulas estabelecidas pelo primeiro citado. Caso as cláusulas desse contrato violem o princípio da supremacia da ordem pública, o contrato não será válido. O princípio citado é cláusula geral que está prevista no artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Não há problema em existir características do Estado Social na CF/88, visto que, as leis infraconstitucionais devem se adequar as regras estabelecidas pela constituição brasileira. Existe uma influência liberal, como demonstrado no artigo, no Código Civil brasileiro, mas ainda assim o referido código foi instituído respeitando as normas constitucionais, para que os cidadãos não tenham seus direitos desrespeitados e o interesse privado não prevaleça sobre o social.  

Bibiliografia

1.      DAMIANO, Henrique. O estado social e o reconhecimento dos direitos sociais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15° Região, Campinas, SP, n. 27,p 19-35, jul./dez.2005

2.      RODAS, Sérgio. Constituição alemã de Weimar inovou ao estabelecer direitos sociais. Conjur, 06 de agosto de 2019. https://www.conjur.com.br/2019-ago-06/constituicao-weimar-inovou-estabelecer-direitos-sociais#top

3.      Revista Brasileira de História do Direito | e-ISSN: 2526-009X | Brasília | v. 3 | n. 1 | p. 16 – 35 | Jan/Jun. 2017. pg. 23

4.      LIMA, MARQUES, Claudia, Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 13, 1997.

5.      Ennecerus,/Nipperdey, pg. 109 (§ 26 X). Contra Moreira Alves, José Carlos, O Direito Romano, pg. 28

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Artigo desenvolvido para apresentação no laboratório de iniciação docente do curso de Direito.

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