Resumo: sendo a manipulação genética um dos temas mais controversos da atualidade, vistos os debates acerca da complexidade e dos avanços que a área da biotecnologia vêm provocando no atual sistema jurídico, faz-se necessário analisar o desenvolvimento das pesquisas científicas nesse âmbito, sua viabilidade e as implicações éticas e jurídicas que permeiam essa temática. Assim, objetiva-se identificar se os princípios de ética e de moral vigentes na comunidade são suficientes para conter possíveis abusos que poderão ocorrer no que diz respeito às práticas de melhoramento genético em seres humanos, verificando, assim, a importância da bioética e do Direito nessa esfera.
Palavras-chave: Manipulação genética. Ética. Autonomia.
ANÁLISE DAS IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TÉCNICAS DE MELHORAMENTO GENÉTICO HUMANO
A Manipulação Genética é considerada um dos temas mais controversos da atualidade, vistos os debates acerca da complexidade e dos avanços que a área da biotecnologia vêm provocando no atual sistema jurídico. O uso das técnicas de manipulação genética é uma das formas mais avançadas do conhecimento científico humano, unindo biologia, genética e engenharia.
Michael J. Sandel, professor de filosofia em Harvard, levanta em sua obra “Contra a perfeição: ética na era da engenharia genética”, através de uma série de exemplos, uma discussão e nos propõe a refletir sobre os avanços mais recentes da ciência genética aplicados para a questão do melhoramento humano. No entanto, tais questões estão articuladas com o ponto de vista do autor, que considera que esses avanços impõem para o aperfeiçoamento humano os riscos da insegurança, com possibilidades eugenista, da inequidade e da ofensa aos impossibilitados do acesso a essas tecnologias, e do menosprezo à vida como um dom.
O primeiro capítulo, sobre a ética do melhoramento, é iniciado com a apresentação da decisão de um casal de lésbicas de terem um filho surdo, por considerarem a surdez não uma deficiência, mas um traço de identidade cultural. Será errado ter um filho surdo de propósito, pergunta o autor, ou isso os pais já fazem quando escolhem seu parceiro, ou se valem das modernas técnicas de reprodução humana? Em contraste, outro exemplo é descrito, de pais inférteis que oferecem uma quantia vultosa em dólares por óvulos de doadoras com qualidades superiores em altura, saúde e inteligência.
Os intensos avanços do melhoramento genético impõem reflexões críticas acerca de determinadas descobertas ciência, sendo objeto do presente trabalho as pesquisas e experiências com seres humanos, considerada por muitos como contrárias à dignidade humana. Assim, o embrião, de fase do desenvolvimento humano, passa a ser núcleo de debates humanos, éticos e jurídicos.
A bioética lida com difíceis problemas, sobretudo pela complexidade no que se refere à assegurar a dignidade humana no contexto dos conceitos científicos. Acrescenta-se isso ao fato de tal ramo trabalhar com questões que ultrapassam o senso comum do que venha a ser vida e dignidade. Principalmente em questões em que se tem a intenção de aperfeiçoar músculos, memória e humor, moldar filhos pré-determinando características especificas como o sexo, a cor dos olhos ou da pele, altura; para melhorar outras capacidades como a cognitiva; e sermos “melhores que a encomenda”, exemplos ilustrados por Sandel em sua obra.
O dilema moral surge justamente quando as pessoas utilizam essas terapias não para curar uma doença e sim para ir além da saúde, para melhorar suas capacidades físicas ou cognitivas, para erguer-se acima da norma geral. O melhoramento genético não deve ser um artifício utilizado puramente para fins cosméticos, uma deriva de uso da medicina para fins que não estão relacionados à cura ou prevenção de doenças, nem se transformar em instrumento de escolha de consumo.
Afirma Sandel que quando a ciência avança mais depressa do que a compreensão moral, como na atualidade, a sociedade luta para articular seu mal-estar, e que nas sociedades liberais a explicação inicial se baseia nos conceitos de autonomia, justiça e direitos humanos.
Desse modo, diante da possibilidade de as manipulações genéticas virem a ocorrer de maneira desenfreada, ou seja, de possíveis abusos decorrentes das pesquisas que envolvem seres humanos, revela-se a necessidade de se impor limites éticos e jurídicos à engenharia genética, de modo a ser repudiado qualquer procedimento que viole a autonomia e dignidade dos embriões.
Há a necessidade de que a vida seja considerada como bem fundamental do ser humano, visto que sem os valores morais e éticos existentes em cada indivíduo ela pouco será valorizada. Por isso a vida, o ser humano, deve ser acompanhada de dignidade no viver, ou seja, que a dignidade há de permanecer inalterável qualquer que seja a situação em que a pessoa se encontre.
A eugenia é o tema explorado no quarto capítulo, caracterizada como uma “sombra que paira sobre todos os debates acerca da engenharia e do melhoramento genético” (SANDEL, p. 83, 2015). O autor descreve o surgimento do conceito eugenia liberal entre filósofos e bioeticistas anglo-americanos que advogam, os primeiros pela neutralidade do Estado, e os segundos pela distribuição igualitária dos benefícios e fardos do melhoramento genético entre ricos e pobres. Considera ainda essa nova face da eugenia liberal mais perigosa que a original, idealista e plasmada em ideais de promoção de bem-estar coletivo, visto que ela se exime de tais ambições.
O autor, citando Habermas, considera que este vai além dos preceitos liberais ao afirmar que a liberdade está vinculada a um inicio, que nos ultrapassa como humanos, como a natureza ou Deus, explana ainda que “vivenciamos nossa própria liberdade tendo como referência algo que, pela própria natureza, não está à nossa disposição” (SANDEL, p. 93, 2015). No momento em que se considera o nascimento como o início de uma vida, que pode configurar-se como impessoal ou projetado e controlado, Sandel concorda com a opinião de Habermas de que o domínio do mistério do nascimento desnatura a experiência da paternalidade enquanto prática social governada por preceitos de um amor, em tese, incondicional.
A área da manipulação genética humana tem suscitado questões de cunho ético e moral, as quais não receberam um tratamento jurídico adequado, em parte devido à velocidade das pesquisas científicas e, até mesmo, devido às perplexidades que têm provocado à sociedade conservadora. Hodiernamente, a maioria dos ordenamentos jurídicos mundiais, inclusive a ordem jurídica brasileira, não têm uma regulamentação exata para tais práticas, deixando lacunas, possibilitando uma abertura à discussões.
É necessário diferenciar “a pesquisa com células-tronco voltada para a cura de doenças debilitantes que utiliza blastocistos não implantados é um exercício nobre do engenho humano para promover a cura e desempenhar nosso papel de reparar o mundo dado” (SANDEL, p. 133, 2015). A solução, segundo o autor, encontra-se não em banir as pesquisas com células-tronco embrionárias e a clonagem para fins de pesquisa, mas permitir sua continuidade com restrições morais adequadas à natureza humana.
O autor, em sua obra, possibilita uma reflexão acerca dos princípios éticos aplicados à engenharia genética. Aborda diversos problemas, alguns mais relevantes, tais como: o melhoramento físico, atletas biônicos, confronto de eugenias e a relação domínio e talento. Haja vista a escassez de normas reguladoras sobre a temática, é um tema que deve ser pauta de pesquisas a fim de permitir uma compreensão acerca de dilemas que concernentes à bioética.
A presente pesquisa investiga os dilemas que acompanham essa área do melhoramento genético em seres humanos e as consequências morais e jurídicas que trazem à sociedade. Visto que, quando o melhoramento passa do vício do individuo a um hábito ou um modo de vida justificável, torna-se questão de ética (SANDEL, 2015).
Conclui-se que quanto maior for o poder de manipulação da vida humana, maior é a necessidade de se impor limites éticos e jurídicos para tanto. Por isso é indispensável que o desenvolvimento da biotecnologia seja estudado de forma aprofundada e positivado com base em princípios éticos.
A pesquisa analisou a obra de Sandel com o intuito de compreender os mecanismos aos quais a questão da engenharia genética é submetida, buscando observar como o Direito pode adequar-se frente às novas tecnologias desenvolvidas pela ciência e como pode delimitar tais praticas, protegendo a dignidade e a autonomia corporal humana.
Os argumentos apresentados pelo autor não solucionarão todos os dilemas morais e lacunas jurídicas no que se refere à manipulação genética, porém convida a examinar se há regulamentação à essas pesquisas a fim de tornar o progresso da biomedicina uma bênção para a saúde e alterar a visão da vida humana como uma mercadoria.
Referências
SANDEL, Michael J. Contra a perfeição: ética na era da engenharia genética. trad. Ana Carolina Mesquita. 2ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2015.
SOUZA, José Nerivaldo de. Engenharia genética: busca da mercadoria perfeita?. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5833684.pdf>Acesso em: 17 Set.2019.
TARIFA, Rita de Cássia Resquetti; FERRARO, Valkiria Lopes. A Autonomia corporal e a manipulação genética. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/download/4052/3588> Acesso em: 19 Set.2019.