A EMENDA MANENTE E A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

22/11/2019 às 09:41
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE PROPOSTA ENVOLVENDO ALTERAÇÕES COM RELAÇÃO A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA.

A EMENDA MANENTE E A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Rogério Tadeu Romano

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, na tarde do dia 20 de novembro do corrente ano, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que poderá permitir prisões após condenação em segunda instância. O texto foi aprovado por 50 votos a 12 depois que a relatora, deputada Caroline de Toni (PSL-SC), concordou em redigir novamente seu voto retirando o trecho que alterava o artigo 5º da Constituição, cláusula pétrea. O texto segue agora para análise de uma comissão especial que ainda deve ser instalada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Autor da proposta original, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) modificou a PEC na segundafeira, conforme antecipado pelo GLOBO. A nova versão, protocolada após a obtenção de assinaturas de mais de um terço da Câmara, prevê alterações nos artigos 102 e 105 da Constituição, que tratam de recursos extraordinários e especiais, respectivamente. Assim, a condenação em segunda instância —nos tribunais de Justiça dos estados, do Distrito Federal e nos tribunais regionais federais — já seria considerada trânsito em julgado, com execução imediata da pena.

Lembro que, em 2011, quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cesar Peluso, compareceu ao Senado Federal para propor a chamada PEC dos Recursos. 

Como reconhecia o ministro “temos um sistema jurisdicional perverso e ineficiente”, que retarda a prestação de justiça, em função da existência de um modelo recursal irracional.

Na linha de Oscar Vilhena(artigo publicado no jornal A Folha de São Paulo, em 9 de novembro do corrente ano), de um lado, esse sistema prejudica pessoas que, mesmo após terem seus direitos reconhecidos por juízas e tribunais, chegam a aguardar décadas pela manifestação de um tribunal superior ou do próprio Supremo Tribunal Federal, para receber o que lhes é de direito.

De outro lado, o sistema permite que a aplicação da pena daqueles que já foram condenados em primeira e segunda instâncias possa ser procrastinada, favorecendo a percepção de impunidade e muitas vezes incentivando a vingança privada.

Para reverter esse quadro, o ministro Peluso propunha, de maneira engenhosa, reformar a Constituição, transformando recursos especiais e extraordinários em ações constitucionais rescisórias. O efeito dessa mudança seria antecipar a coisa julgada.

Tomada a decisão de segunda instância, a sentença poderia ser executada. A PEC 15/2011 não impediria, no entanto, o direito de acesso aos tribunais superiores ou ao STF, seja por intermédio das novas ações rescisórias ou por remédios constitucionais tradicionais, como o habeas corpus. 

O problema, pois, no Brasil, não está na discussão com relação a presunção de inocência, diante de um trânsito em julgado formal e material, mas de um excesso de recursos.

A PEC noticiada que trazia uma solução à italiana para o sistema processual brasileiro parece que não foi adiante.

Pela aquela proposta tinha-se:

Art. 105-A . A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte. 1

Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.

Art. 105-B . Cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo e suspensivo, no prazo de quinze (15) dias, da decisão que, com ou sem julgamento de mérito, extinga processo de competência originária:

I - de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente;

II - de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal.

A primeira observação que se faz é a de que tanto o recurso extraordinário como o especial perdem a sua característica essencialmente recursal, uma vez que se a decisão judicial da segunda instância transita imediatamente em julgado, possibilitando a execução definitiva do bem de vida conferido no acórdão exequendo, desapareceria, logicamente, o instituto da execução provisória da decisão proferida pela segunda instância.

O instituto da execução provisória continua manejável contra as decisões de primeira instância, só que ao ser proferida a decisão do tribunal de segunda instância, a execução provisória imediatamente converte-se em definitiva.

O veto total ao instituto da execução provisória, seja quanto a acórdão proferido pelo tribunal estadual ou pelo tribunal superior, só ocorre no âmbito dos processos de competência originária de ambas as cortes de justiça, uma vez que, nesta hipótese, tendo a decisão hostilizada extinto o processo com ou sem julgamento de mérito, o recurso cabível é o ordinário, que ostenta, concomitantemente, dois efeitos processuais, ou seja, tanto o efeito devolutivo quanto o suspensivo, sendo que este último efeito, como é curial, obsta o manejo do instituto jurídico da execução provisória.

Todavia, o que se infere da literalidade da proposta contida no art. 105-A da PEC Peluso é que, não sendo a decisão hostilizada extintiva do feito, cabe o recurso com efeito apenas devolutivo para o tribunal superior competente, se a decisão for proferida pelo tribunal estadual e recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, se a decisão for proferida por tribunal superior.

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Com relação ao artigo 105-A da PEC Peluso, pode-se dizer que como o recurso extraordinário e o especial não obstam o trânsito em julgado da decisão que os comporte, resta criada uma figura especial de ação rescisória ou quando menos uma via impugnativa com efeito desconstitutivo, eis que, já transitada em julgado a decisão da segunda instância, se sobrevier provimento aos recursos de índole extraordinária, lógico que o seu efeito não é o meramente reformador do acórdão do tribunal e sim o desconstitutivo do mesmo, na exata extensão de seu provimento.

Pela proposta do ministro Peluso se altera o art. 102 da Constituição Federal para incluir a ação rescisória extraordinária dentre os processos de competência originária do Supremo Tribunal Federal; estabelece as hipóteses de cabimento da ação rescisória extraordinária; determina que, na ação rescisória extraordinária, o autor demonstre a repercussão geral das questões constitucionais nela discutidas, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine sua admissibilidade, somente podendo recusá-la, por ausência de repercussão geral, pelo voto de dois terços de seus membros; modifica o art. 105 da Constituição Federal para incluir a ação rescisória especial dentre os processos de competência originária do Superior Tribunal de Justiça; especifica os casos de ajuizamento da ação rescisória especial; remete à legislação ordinária o estabelecimento dos casos de inadmissibilidade da ação rescisória especial.

As propostas apresentadas aproximam-se a um modelo próprio da cassação italiana.

O Tribunal de Cassação é a mais alta instância do sistema judiciário. Nos termos da lei de bases do sistema judicial, Lei n.º 12 de 30 de janeiro de 1941 (artigo 65.º), entre as principais funções do Supremo Tribunal incluem‑se o dever de «assegurar a correta aplicação da lei e a sua interpretação uniforme, assim como garantir a unicidade da lei objetiva nacional e o respeito pelos limites entre as diferentes jurisdições». Uma das principais características da sua função consiste, portanto, em uniformizar a lei, na prossecução da segurança jurídica.

Na Itália, com Calamandrei, esses remédios revisionais, rescisórios, são vistos como recursos.

Para Calamandrei, aliás, a cassação, remédio rescisório, poderia, em alguns casos, ser ajuizada em 30 anos.

Com a decisão de segunda instância, se firmaria a questão do respeito a presunção de inocência, e as ações especial e extraordinária, de cunho revisional, poderiam ser ajuizadas, sem suspender a execução definitiva da decisão em segundo grau.

Entretanto, em casos onde o poder geral de cautela poderia ser utilizada, poderia a parte ré ajuizar ações cautelares, na presença da fumaça de bom direito e perigo de demora, objetivando suspender a execução referenciada.

No entanto, tal proposta transformada em lei, que alteraria o CPP, uma vez que a matéria é recursal, não se aplicaria aos casos anteriores, uma vez que se trata de norma processual material, de natureza mista, que envolve o status libertatis, razão pela qual não teria efeito retroativo.

Vejamos os próximos passos.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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