Policy Cycle: o processo de construção das políticas públicas

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Este trabalho tem por objetivo incitar uma discussão teórica acerca do ciclo de políticas públicas. Pretende-se explorar a estruturação das quatro fases do fluxo de construção das políticas públicas.

Introdução

 

O presente trabalho tem como tema o processo de construção das políticas públicas percorrendo cada uma das fases do ciclo de políticas públicas, desde a formação de agenda até a avaliação e monitoramento.

Nesta perspectiva, as seguintes questões nortearam o trabalho:

  • De que maneira a atividade política é capaz de atender as demandas da sociedade?
  • Como um número infinito de possíveis campos de ação política são inseridos no tratamento político?
  • Qual o fluxo de elaboração das políticas públicas?

A partir de 1930, nos países do ocidente, foram registrados os primeiros movimentos de intervenção do Estado na lógica econômica e social da administração pública, baseados em planejamentos orçamentários prévios e iniciativas de bem-estar para a sociedade. Apenas a partir da década de 50 que o campo das políticas públicas começou a ser desenvolvido e se estruturou enquanto área de estudo. (RUA; ROMANINI, 2013).

As políticas públicas são provenientes da sistemática política dedicada à tentativa de atender demandas sociais enviadas por diferentes atores ou até mesmo aquelas solicitações produzidas por agentes internos ao sistema público. Adicionalmente, as políticas públicas "compreendem o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores." (RUA, 1998, p.1). 

Conforme classificação apresentada por Rua (1998), três formatos de demandas podem ser identificadas: (i) as demandas novas, (ii) as demandas recorrentes e (iii) as demandas reprimidas. As demandas novas são aquelas que não existiam ou que não eram capazes de forçar o sistema político a se manifestar, são oriundas de novos problemas políticos ou novos atores. Já as demandas recorrentes trazem problemas não resolvidos ou mal resolvidos e que já passaram pelo sistema político, porém de maneira ineficaz. Finalmente, as demandas reprimidas envolvem aquelas problemáticas não autorizadas na agenda governamental, ou que não foram reconhecidas como pontos críticos pela população, nem pelos agentes políticos. (RUA, 1998).

Para se alcançar uma política pública é preciso superar um fluxo denominado ciclo de políticas públicas ou policy cycle. Nesse contexto, o objetivo primordial deste estudo é incitar uma discussão teórica acerca do ciclo de políticas públicas e explorar brevemente, as especificidades de todas as etapas para o desenvolvimento de uma política pública.

Para atender a finalidade proposta, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica e documental sobre a estruturação das diferentes etapas do ciclo de políticas públicas. E o texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de alguns autores como: Frey (2000), Rua e Romanini (2013) e Rua (1998).

 

Desenvolvimento

 

Entende-se por ciclo de políticas públicas ou policy cycle o fluxo de elaboração de políticas públicas. Existem fases comuns a muitas propostas de estruturação do ciclo, por exemplo, a formulação, a implementação e o controle dos impactos das políticas (FREY, 2000). Diversas versões envolvendo as etapas do ciclo estão disponíveis, o presente trabalho irá explorar quatro fases: (i) a formação de agenda, (ii) a formulação de alternativas, (iii) a implementação e (iv) o monitoramento e avaliação.   

Diversos problemas que repercutem na sociedade são identificados e delimitados pelos atores sociais e agentes públicos. Assim, resta o seguinte questionamento: como certas problemáticas públicas, ou policy issues[1], percebidas no ambiente público são capazes de produzir um policy cycle e dar início ao tratamento político? (FREY, 2000). De acordo com Windhoff-Héritier (1987 apud FREY, 2000), quando os problemas tornam-se relevantes politicamente e administrativamente, eles se transformam em problemas de policy.

A definição de agenda é então compreendida como a primeira fase do ciclo de políticas públicas. Trata-se de uma “[...] lista de prioridades, inicialmente estabelecidas pelos governos, às quais eles devem dedicar suas energias e atenções.” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 61). Nesta etapa é definida a inclusão ou não de determinado tema na pauta política recente.

 Conforme colocado por Romanini (2013) e Kingdon (1984) em Rua, as agendas políticas possuem naturezas distintas. Em primeiro lugar, tem-se (i) a agenda de estado ou não governamental, que envolve um rol de problemas políticos capazes de afetar não apenas o governo, como também, diversos atores políticos e sociais, sendo então mais ampla que a agenda governamental (abastecimento elétrico e de água, casos de terrorismo, tráfico de drogas, etc). Por outro lado, (ii) a agenda governamental ou de governo refletirá os projetos políticos e partidários do governo vigente, envolvendo a priorização de problemas políticos diretamente relacionados aos princípios, valores e concepções ideológicas daquele governo. Registra-se assim o último tipo de agenda, (iii) a agenda de decisão que engloba problemas destinados à tomada de decisão nos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. 

A partir do momento em que há a inserção do problema na agenda é iniciada a segunda fase do ciclo, a formulação de alternativas de solução. Alianças e certos acordos são estabelecidos entre os agentes tomadores de decisão, uma vez que as diferentes alternativas levantadas para a solução de problemas envolvem uma série de expectativas e predisposições quanto ao resultado. (RUA, 1998).

Ainda na segunda fase do ciclo de políticas públicas, são elaboradas estratégias, metodologias, programas, ou iniciativas capazes de alcançar os objetivos traçados. Entretanto, dentro do ambiente de tomada de decisão, não é possível garantir que a decisão tomada seja transformada em ação específica ou que a motivação central da demanda seja alcançada completamente. Ou seja, “[...] não existe um vínculo ou relação direta entre o fato de uma decisão ter sido tomada e a sua implementação.” (RUA, 1998, p. 14). 

A implementação das políticas públicas é compreendida como a terceira fase e envolverá os processos essenciais para retirar uma política do papel e fazê-la funcionar efetivamente. Rua (1998, p.13) acrescenta que a etapa de implementação “[...] pode ser compreendida como o conjunto de ações realizadas por grupos ou indivíduos de natureza pública ou privada, as quais são direcionadas para a consecução de objetivos estabelecidos mediante decisões anteriores quanto a políticas.”

Dentro das ciências políticas dois modelos principais tratam sobre diferentes formas de implementar políticas públicas, são eles: modelo Top-Down e Bottom-Up. No modelo Top-Down a implementação só é iniciada após decisão das lideranças políticas (governo central). Ou seja, para as lideranças burocratas não se trata de uma fase preocupante, uma vez que foi alinhada previamente. (RUA; ROMANINI, 2013).

A partir do momento em que certos atores passaram a questionar o processo de definição de política pública centralizada no topo da estrutura política, surge o modelo Bottom-Up. Tal modelo

[...] em vez de configurar a mera execução despolitizada e técnica de decisões oriundas do topo do sistema político, a implementação consiste em um conjunto de estratégias criadas pela burocracia de nível de rua para a resolução de problemas cotidianos. Nesse sentido, os burocratas de âmbito local são os principais atores na entrega dos produtos de uma política pública. (RUA, ROMANINI, 2013, p. 97). 

A partir do exposto, Lipsky (1980 apud RUA; ROMANINI, 2013) reforça o domínio que os burocratas locais têm com os reais problemas da sociedade, uma vez que vivenciam rotineiramente as diferentes realidades da população. Denomina-se então o “street level bureaucracy” ou a “burocracia de nível de rua”. Os burocratas de nível local como, médicos, assistentes sociais, professores e policiais compreendem com maior clareza os diferentes contextos sociais, do que os próprios tomadores de decisão reunidos no topo do sistema político e isolados das inúmeras adversidades coletivas. 

Por fim, ainda na terceira etapa do ciclo, o processo ideal de implementação de uma política pública envolve por exemplo: disponibilização orçamentária e financeira de recursos em tempo hábil; relação direta entre a causa do problema a ser superado e o efeito da solução encontrada; participação de apenas uma agência implementadora para que não haja diferentes interferências no processo ou falhas de comunicação; entre outros. (RUA, 1998). 

A quarta etapa do policy cycle é o monitoramento e avaliação. O monitoramento é um processo contínuo de acompanhamento de produtos, processos e impactos das iniciativas desenvolvidas. Além disso, também fica envolvido com retornos à demandas que precisam ser sanadas em um curto espaço de tempo, já que os resultados são determinantes para alterar a direção das políticas públicas, dos programas e projetos envolvidos. Assim posto, o monitoramento “[...] é o exame contínuo de insumos, atividades, processos, produtos (preliminares, intermediários e finais) de uma intervenção, com a finalidade de otimizar a sua gestão, ou seja, obter mais eficácia, eficiência e, a depender do alcance do monitoramento, efetividade.” (RUA, ROMANINI, 2013, p. 111).

A avaliação não compõe somente o contexto final da implementação de certa política pública, mas tem um lugar de destaque no policy cycle. Quando a gestão de políticas públicas é levada em consideração, a avaliação é capaz de assinalar um problema, de diagnosticar e levantar demandas, de auxiliar no planejamento e desenvolvimento de intervenções e implementação de possíveis adaptações. (RUA; ROMANINI, 2013).

A avaliação pode ser entendida por Rua e Romanini (2013, p.110) como o

[...] exame sistemático de quaisquer intervenções planejadas na realidade, baseado em critérios explícitos e mediante procedimentos reconhecidos de coleta e análise de informação sobre seu conteúdo, sua estrutura, seu processo, seus produtos, sua qualidade, efeitos e/ou seus impactos.

Sob outra perspectiva, tem-se que “a avaliação deve verificar o cumprimento dos objetivos e validar ininterruptamente o valor social incorporado à consecução desses objetivos.” (MOKATE, 2002 apud RUA; ROMANINI, 2013, p. 106). Por outro lado, a avaliação pode suspender ou levar ao fim de um ciclo de políticas públicas, caso os objetivos do programa tenham sido atendidos. Inicia-se um novo policy cycle quando tal atendimento não ocorre. Uma nova etapa de definição é instaurada para que um novo programa político seja desenvolvido ou para que haja alteração em programa anterior. Diante das exposições, entende-se que a fase de avaliação envolve grande destaque, sendo essencial para a estruturação e adaptações contínuas das ferramentas de ação pública. (FREY, 2000).

O processo de avaliação de políticas públicas envolve também vários fatores complicadores. Um desafio recorrente está relacionado à origem das informações, muitas vezes por não atenderem as demandas da avaliação, por exemplo, os registros administrativos. Outro ponto crítico são as bases de dados do público atendido pela política, que em muitos casos têm baixa taxa de confiabilidade ou certas inconsistências exigindo que o avaliador supere tais brechas e trabalhe com margens de erro.     

Além dos pontos de tensão acima, no funcionalismo público, a avaliação precisa se tornar uma boa prática permanente e não aplicada isoladamente. Ou seja, avaliar precisa ser um processo contínuo. Adicionalmente, Rua e Romanini (2013, p. 108) colocam também que “[...] é necessário abrir possibilidade da avaliação de políticas públicas orientada para inovação, ou seja, é uma avaliação baseada na reprodução de simulações para um levantamento de estratégias e expor linhas de ação que é elaborada em momento anterior à formulação.”

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Conclusão

 

Portanto, é notável considerar as várias contribuições que o ciclo de políticas públicas trouxe para a análise das trajetórias de políticas e programas. O reconhecimento deste modelo, que divide o processo de uma política em etapas ou fases, se justifica por proporcionar um estudo minucioso das várias etapas, bem como um melhor entendimento sobre as influências nas tomadas de decisão, nas relações de poder e entre os stakeholders das iniciativas.

Como apresentado anteriormente, na etapa de implementação, a disponibilização orçamentária e financeira de recursos em tempo hábil é um fator de relevância para esta fase. Entretanto, é interessante ressaltar a importância do processo de alocação de recursos ocorrer de maneira ininterrupta, uma vez que as escolhas correntes, geralmente, estão relacionadas com o comprometimento de recursos de períodos orçamentários anteriores envolvendo governos vigentes ou gestões anteriores. 

É preciso destacar também, no contexto da gestão de políticas públicas, a importância da avaliação, enquanto ferramenta capaz de integrar todo o ciclo de políticas públicas. Ou seja, a avaliação, não precisa necessariamente, ser aplicada somente no momento final do ciclo, podendo atuar na identificação de problemas, auxiliar no processo de levantamento de alternativas e planejamento, fornecer insumos para implementar melhorias e para a tomada de decisão. Outra vantagem possível, sob o ponto de vista dos beneficiários atendidos pela política, é a ampliação da aprendizagem institucional dos órgãos implementadores, que por consequência contribui para a legitimidade social e política das instituições governamentais. Por fim, a avaliação também é capaz de colaborar com o comprometimento na definição de metas pelos governos frente às demandas da sociedade e de ressaltar se as políticas estão sendo delimitadas de maneira articulada e inovadora.  

 

REFERÊNCIAS

 

FREY, K. Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas (IPEA), Brasília, v. 21, p. 211-259, 2000. 

RUA, M. G. Análise de políticas públicas: conceitos básicos. In: RUA, M. G; CARVALHO, M. I. V. (org.). O estudo da política: tópicos selecionados. Brasília: Paralelo 15, 1998. Coleção Relações Internacionais e Política.

RUA, Maria das Graças; ROMANINI, Roberta. Para Aprender Políticas Públicas. Conceitos e Teorias, Brasília: IGEPP, v.1, 2013. Disponível em:  http://igepp.com.br/uploads/ebook/ebook-para_aprender_politicas_publicas-2013.pdf. Acesso em 15 ago. 2019.


[1] Frey (2000) considera os policy issues como problemas políticos. Eles podem ser identificados por coalizões sociais ou políticas, bem como pelos atores do ambiente público.

Sobre os autores
Gabriela dos Santos Ribeiro

Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro.

Fernando Silvestre de Brito

EPPGG em Governo do Estado de Minas Gerais Bacharel em Administração Pública (Fundação João Pinheiro/MG, 2011)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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