Exposição sobre a Lei nº 8.072/90 que regula os Crimes Hediondos

Leia nesta página:

A obra tem por função a explanação da Lei nº 8.072/90 e todos os seus pontos principais para fins de cunho acadêmico.

  1. Introdução:

A necessidade de maior rigor na punição dos autores de crimes de natureza hedionda e equiparados encontra amparo no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, o qual dispõe que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

A Carta Magna, portanto, estabeleceu restrições em relação a essas infrações penais mais gravosas, vedando benefícios àqueles que estejam sendo processados por tais crimes — proibição de fiança — e aos condenados por tais delitos — vedação à graça e à anistia. Concomitantemente, determinou a elaboração de lei federal para definir os crimes de natureza hedionda.

 

  1. Conceito:

Crime hediondo é todo aquele considerado de maior gravidade pelo legislador, e em razão disso, recebe um tratamento diferenciado e mais rigoroso do que as demais infrações penais, é considerado crime inafiançável e insuscetível de graça, anistia ou indulto. O art. 1º da Lei 8.072/90 não conceituou o que é crime hediondo, preferiu elencar quais crimes descritos no Código Penal ou em leis especiais, receberiam tratamento diferenciado. Dessa forma, para se estabelecer como hediondo um crime, não se levou em consideração a sua gravidade, seus modos de execução ou os motivos que levaram à prática delituosa, mas simplesmente o legislador os rotulou como tal. A finalidade dessa classificação foi de delimitar o julgamento subjetivo do juiz, ao qual havendo liberdade poderia considerar certos crimes hediondos segundo o seu critério.

O fundamento constitucional está inserido no art. 5º, XLIII, ao qual estabeleceu que os crimes hediondos fossem inafiançáveis e insuscetíveis de graça, anistia ou indulto.

Em 25 de julho de 1990, foi aprovada a Lei n. 8.072, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, que, além de definir os delitos dessa natureza, trouxe diversas outras providências de cunho penal e processual penal, bem como referentes à execução da pena dos próprios crimes hediondos, do tráfico de entorpecentes, do terrorismo e da tortura. Deve, contudo, ser mencionado que diversas leis posteriores efetuaram alterações importantes na Lei n. 8.072/90.

A Lei n. 8.930/94 acrescentou ao rol original de crimes hediondos o homicídio simples cometido em atividade típica de grupo de extermínio, o homicídio qualificado, bem como o crime de genocídio. Ao mesmo tempo, excluiu do rol o delito de envenenamento de água potável qualificado pela morte. A Lei n. 9.695/98 incluiu na lista de crimes hediondos o delito de falsificação de medicamentos.

A Lei n. 11.464/2007 (chamada por alguns de “nova lei dos crimes hediondos”) modificou o sistema de progressão da pena em relação a todos os delitos regulamentados pela Lei n. 8.072/90.

Por sua vez, a Lei n. 12.015/2009 unificou os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, ambos de natureza hedionda, sob a denominação única de “estupro”. Por consequência, excluiu o atentado violento ao pudor do rol dos crimes hediondos. Concomitantemente, inseriu a figura do estupro de vulnerável em tal rol.

A Lei n. 12.978/2014 passou a considerar hediondo o delito de favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput e §§ 1º e 2º, do Código Penal). Por fim, a Lei n. 13.142/2015 acrescentou ao rol os crimes de lesões corporais gravíssimas ou seguidas de morte contra policiais ou integrantes das Forças Armadas (ou contra seus familiares em razão dessa condição).

  1. O rol dos crimes hediondos:

No sistema vigente, o caráter hediondo depende única e exclusivamente da existência de previsão legal reconhecendo essa natureza para determinada espécie delituosa. Com efeito, o art. 1º da Lei n. 8.072/90 apresenta um rol taxativo desses crimes, não admitindo ampliação pelo juiz. Não se admite, tampouco, que o magistrado deixe de reconhecer a natureza hedionda em delito que expressamente conste do rol. Adotou-se, portanto, um critério que se baseia exclusivamente na existência de lei que confira caráter hediondo a certos ilícitos penais. Assim, por mais grave que seja determinado crime, o juiz não lhe poderá conferir o caráter hediondo, se tal ilícito não constar do rol da Lei n. 8.072/90.

A redação inicial da Lei dos Crimes Hediondos sofreu severas críticas porque não reconhecia tal caráter ao crime de homicídio qualificado, tendo sido necessária aprovação de lei modificativa para corrigir a falha (Lei n. 8.930/94).

A Lei n. 8.072/90 confere caráter hediondo a determinados delitos descritos no Código Penal (e também ao crime de genocídio da Lei n. 2.889/56). Tal lei especifica o nome e o número do artigo do delito considerado hediondo. Ex.: considera-se hediondo, nos termos do art. 1º, caput, II, da Lei n. 8.072/90, o “crime de latrocínio (art. 157, § 3º, in fine)”.

Assim, quando o juiz condena alguém por latrocínio, o delito automaticamente é considerado hediondo, não sendo necessário que o magistrado declare tal circunstância, que, em verdade, decorre de texto expresso de lei.

Observação: Nada obsta a que o legislador modifique o sistema atual de indicar nominalmente os crimes de natureza hedionda e que passe a adotar critérios genéricos, como, por exemplo, considerar hediondos os crimes que tenham pena máxima superior a 12 anos, ou, ainda, que estabeleça que caberá ao juiz, nos casos concretos, definir se um delito é ou não hediondo. Tal providência, entretanto, é muito improvável, na medida em que poderia trazer insegurança jurídica.

Pela redação originária da Lei n. 8.072/90, os condenados por crimes hediondos ou equiparados deveriam cumprir a pena integralmente em regime fechado, sendo, portanto, vedada a progressão para os regimes semiaberto e aberto. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 82.959, em 23 de fevereiro de 2006, decidiu que essa regra era inconstitucional por ferir os princípios da individualização da pena e da dignidade humana. Por isso, a Lei n. 11.464/2007 foi aprovada para regulamentar o assunto e, assim, conferiu nova redação ao art. 2º da Lei n. 8.072/90, para estabelecer que, em tais crimes, a progressão será possível após o cumprimento de dois quintos da pena, se o apenado for primário, ou três quintos, se reincidente. Como o texto legal não faz ressalva, qualquer espécie de reincidência, e não apenas em crimes dessa natureza, faz com que o condenado tenha de cumprir o período maior para obter a progressão.

Pela legislação comum, o livramento condicional pode ser obtido após o cumprimento de um terço da pena para os réus primários e metade para os reincidentes, desde que satisfeitas as outras exigências legais (pena fixada na sentença igual ou superior a dois anos, bom comportamento carcerário, reparação do dano etc.).

Para os crimes hediondos, terrorismo e tortura, o benefício só pode ser concedido, de acordo com o dispositivo em análise, após o cumprimento de dois terços da reprimenda imposta, desde que o condenado não seja reincidente específico.

A Lei n. 9.455/97, que tipifica os crimes de tortura, não fez referência ao livramento condicional, de forma que a regra em estudo continua sendo aplicável a tais infrações penais. Em relação ao crime de tráfico, a Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) contém regra semelhante em seu art. 44, parágrafo único, exigindo também o cumprimento de dois terços da pena. Existem duas orientações a respeito do significado de reincidência específica. Uma corrente, denominada restritiva, entende que ela só está presente quando o agente, após condenado por um determinado delito hediondo ou equiparado, comete novamente a mesma espécie de crime. Ex.: condenado em definitivo por crime de estupro, o agente novamente comete essa espécie de infração penal. A outra corrente, chamada ampliativa, diz que há reincidência específica quando o agente, após ser condenado por um dos crimes hediondos, comete outro crime dessa natureza. Ex.: após ser condenado por estupro, o agente comete um latrocínio. Esta é a corrente mais aceita.

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Saliente-se, todavia, que, em relação ao crime de tráfico de drogas, existe dispositivo mais recente e previsto em lei especial (art. 44, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006), estabelecendo a possibilidade do livramento condicional após o cumprimento de 2/3 da pena, nos crimes descritos em seus arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37, salvo se o condenado for reincidente específico. Como essa lei somente cuida de crimes relacionados a entorpecentes, a expressão “reincidência específica” refere-se somente aos crimes de tráfico elencados no dispositivo. Assim, apenas a pessoa condenada duas vezes por tráfico é que não poderá obter o livramento condicional.

Observe-se que, no julgamento do HC 118.533, Rel. Min. Cármen Lúcia, em 23/06/2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o tráfico privilegiado de drogas não possui natureza equiparada à dos crimes hediondos e que, por tal razão, não são exigíveis os requisitos mais severos para a obtenção do livramento, previstos no art. 44, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006. Considera-se privilegiado o tráfico quando o agente é primário, tem bons antecedentes, não se dedica às atividades criminosas e não integra organização criminosa. Em tal hipótese, descrita no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, a pena do réu será reduzida de 1/6 a 2/3 e ele poderá obter o livramento de acordo com as regras comuns do Código Penal (art. 83 do Código Penal). Essa decisão da Corte Suprema sobrepõe-se ao que havia decidido o Superior Tribunal de Justiça, que entendera ter natureza hedionda o tráfico privilegiado (Súmula n. 512 — cancelada em 23/11/2016).

No tráfico de drogas comum (não privilegiado) será necessário o cumprimento do montante diferenciado de pena previsto no art. 44, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006 para a obtenção do livramento. O Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento no sentido de que não há reincidência específica se a pessoa for condenada inicialmente por tráfico privilegiado e depois por tráfico comum (art. 33, caput): “In casu, embora o paciente já ostentasse condenação anterior por tráfico privilegiado quando praticou o crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006), não se configurou a reincidência específica, uma vez que se trata de condutas de naturezas distintas” (STJ — HC 453.983/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, julgado em 02/08/2018, DJe 09/08/2018); “Imperioso afastar a reincidência específica em relação ao tráfico privilegiado e o tráfico previsto no caput do art. 33 da Lei de Drogas, nos termos do novo entendimento jurisprudencial, para fins da concessão do livramento condicional” (STJ — HC 436.103/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, julgado em 19/06/2018, DJe 29/06/2018); “O sentenciado condenado, primeiramente, por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006) e, posteriormente, pelo crime previsto no caput do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, não é reincidente específico, nos termos da legislação especial; portanto, não é alcançado pela vedação legal, prevista no art. 44, parágrafo único, da referida Lei” (HC 419.974/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, julgado em 22/05/2018, DJe 04/06/2018). A Lei n. 13.344/2016 inseriu nesse art. 83, V, do Código Penal o crime de tráfico de pessoas, embora este não tenha natureza hedionda.

Súmula Vinculante nº 26 STF: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.

 

  1. Elucidações Finais:

Dada à exposição da lei, depreende-se que é assertiva a conclusão de maior rigor a determinados crimes, a punição mais efetiva para aqueles que cometem um ou mais delitos ali dispostos no diploma legal, ocorre que, em verdade, o não acolhimento do princípio da efetividade no cumprimento da pena, torna fraca e ineficaz a justiça sobre os ombros daqueles que dela necessitam, a progressão do regime é uma afronta ao sistema prisional, não é de se esperar uma reinserção por via da própria pena, mas sim o seu cumprimento na íntegra, sem modificações de regime, e após o efetivo cumprimento, que ocorra o sistema de reinserção do individuo na sociedade. O adiantamento dessa medida na própria pena, apenas acarreta a fragilidade e a desconfiança dos necessitados, gerando incertezas e inseguranças estimulando o sistema de autotutela penal voltando à lei do “olho por olho e dente por dente”, que constitucionalidade há nisso?

Diante do apresentado, nessa linha de raciocínio temos que verificar a constitucionalização dos atos e das medidas aplicadas, para a individualização no cumprimento da pena dos indivíduos, não podemos de maneira nenhuma fazer da pena um castigo de criança, mas sim uma repreensão efetiva do Estado para a manutenção do “Estado Social e da Ordem Pública”, para tanto é verificável a mudança conceitual da pena em nosso sistema penitenciário, os sistemas de cumprimento nela envolvidos entre outros.

Em suma, o que se espera é que haja equilíbrio interno e externo de ambos os poderes conferidos pela Constituição Federal vigente na busca do ideal mínimo de sociabilidade dos indivíduos segundo as conceituações de Hobbes, pela soma das forças equivalentes resultantes no Estado fiscalizador e atuador na manutenção do direito igualitário.

 

Sobre o autor
Ítalo Miqueias da Silva Alves

Jurista. Pós Graduado em Direito Processual Penal, Direito Processual Civil, Direito, Direito Constitucional e Direito Digital. Especialista em Direito Civil, Direito Penal e Direito Administrativo. Pesquisador. Palestrante. Escritor e autor de diversas obras na seara jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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